O Natal de hoje é fruto de um percurso histórico, resultado da confluência de várias culturas. Num acontecimento desta natureza mesmo aquilo que possa ser fruto da imaginação depressa passa a ser património, imaterial, diz-se agora, mas parte integrante da festa, da celebração, da comemoração. Podemos já não saber bem o que estamos a comemorar, porque há aspectos que se vão adicionando à medida que outros se vão esquecendo. Podemos concordar em que há aspectos nefastos dos tempos mais recentes, mas não estaremos decerto de acordo quanto ao passado a que, por hipótese, haveríamos de regressar.
É natural que historicamente se tenha feito o possível por tornar a festa natalícia apelativa, mas temos de considerar que vivemos num tempo já de escolaridade geral em que decerto só o simples facto de à festa corresponder um período de férias foi suficiente para lhe dar uma relevância maior. Podemos pois procurar num outro passado momentos de uma vivência mais genuína, menos interesseira. Encontraremos decerto sempre nos primórdios uma simplicidade que, com o tempo, vai descambando, mercê de uma abrangência cada vez mais global.
Será que o Natal ainda hoje merece ser celebrado?
O Natal, o nascimento tem em si próprio todas as propriedades necessárias para merecer uma celebração. Nesta festa celebra-se o nascimento de um Menino específico, para uns o Messias prometido aos Judeus, que haveria de ser rejeitado e perseguido por estes, para ser acolhido e adoptado como Cristo por boa parte da humanidade nos séculos seguintes. Independentemente do percurso histórico que o cristianismo haveria de ter, pode-se atribuir a esse Menino, na sua exemplar inocência, uma representatividade mais vasta.
Para muitos, pese embora este Menino tenha existido, a sua importância é maior como símbolo de todos os meninos que, antes de chegarem a este mundo, já estão condenados a sofrer dissabores imensos. Na verdade facilmente podemos generalizar neste sentido, porque encontraremos aí uma convergência de praticamente toda a humanidade, mesmo daquela que possa não ter tido historicamente símbolos próprios desta natureza. Um Menino acolhe-se sempre no seio de qualquer comunidade minimamente sensível aos valores humanos.
Terá já o Natal, que universalmente se celebra, novos motivos e aliciantes ou por outro lado terá sido adulterado e estará perto da paródia daquilo que foi?
A forma de ver o Natal como mais uma festa tem levado ao desejo de uma participação cada vez maior de cada um. A uma festa nunca se diz não, mas pode já não ser entusiasmante assistir a uma festa exclusivamente do Menino. Já havendo a possibilidade de todos entrarem na festa, de todos darem e receberem presentes, mesmo que não haja propósito para isso, de haver comida farta e ocasião para uma congratulação efusiva, a maioria de nós alinha sem esforço.
Não correremos assim o perigo de esquecermos o Menino que precisa de ser salvo e será suficiente limitarmo-nos a integrá-lo numa festa mais vasta em que a referência a ele será puramente ocasional?
Preocupamo-nos cada vez mais em comer e beber desmesuradamente, em mandar mensagens despersonalizadas aos milhões para listas de endereços, que isto de postais pessoais dá trabalho a mais e discrimina muitas pessoas, em dar presentes cada vez mais foleiros, para receber, se possível, presentes cada vez melhores. Cada vez menos fazemos do Natal aquele regresso à infância, aquela celebração do Menino, da simplicidade que nos pode trazer a paz.
Podemos especular mesmo sobre o Menino, por fraco que ele seja, que há em nós. Acima de tudo porque, podendo ser pouco significativo, nos pode levar a pensar na incógnita da existência e na forma de a tornar digna. No Natal encontram-se todos os meninos concretos que nós fomos, os que são e os que serão, o Natal celebra-se dentro dos limites da nossa existência colectiva, que o mesmo é dizer dentro do universo infantil, que é aquele em que a comunhão universal é mais genuína e solidária, ou antes, pré-concorrencial. Se conseguíssemos manter este espírito mais tempo tudo poderia ser mais verdadeiro.
No geral nós imaginamos a nossa vida pessoal como uma curva que sai de uma inocência original, um período de vida que subestimamos, quando não desprezamos mesmo. Ao amadurecer deixamo-nos, porque não temos poder para a isso nos opormos, somos levados a integrarmo-nos num processo em que a racionalidade e a perversidade se digladiam. Essa luta vai esmorecendo até atingir de novo um estado de singeleza na velhice. Quando estamos no topo dessa curva olhamos para os extremos com afastamento, displicência, se não antipatia.
Também em relação ao percurso histórico muitos de nós o imagina como trazendo-nos de um paraíso original, passando por um período de todas as lutas e que, no decair da curva, nos levará, eventualmente pelo cansaço, a uma paz universal. A humanidade na parte mais alta da curva foi capaz de todas as malvadezas, e todos nos interrogamos se já teremos ultrapassado o seu ponto culminante e se teremos a inteligência suficiente para aceitar a descida e aproveitáramos essa queda da impetuosidade para salvar o futuro.
A celebração do Natal, se for genuína, ajuda-nos a sermos mais optimistas, a considerar que a humanidade pode compreender que este caminho que ela vem seguindo a conduz ao abismo. A euforia do consumismo, a absurda competitividade económica, o abuso das condições naturais da Terra, a falta de colaboração para obter um caminho saudável, estão a criar um homem sem raízes, destravado, egotista, egoísta, que facilmente descamba para o anti-social, o catastrófico, o patológico mesmo. Independentemente da crença em quem cá pôs o Menino, cabe-nos salvá-lo.
É natural que historicamente se tenha feito o possível por tornar a festa natalícia apelativa, mas temos de considerar que vivemos num tempo já de escolaridade geral em que decerto só o simples facto de à festa corresponder um período de férias foi suficiente para lhe dar uma relevância maior. Podemos pois procurar num outro passado momentos de uma vivência mais genuína, menos interesseira. Encontraremos decerto sempre nos primórdios uma simplicidade que, com o tempo, vai descambando, mercê de uma abrangência cada vez mais global.
Será que o Natal ainda hoje merece ser celebrado?
O Natal, o nascimento tem em si próprio todas as propriedades necessárias para merecer uma celebração. Nesta festa celebra-se o nascimento de um Menino específico, para uns o Messias prometido aos Judeus, que haveria de ser rejeitado e perseguido por estes, para ser acolhido e adoptado como Cristo por boa parte da humanidade nos séculos seguintes. Independentemente do percurso histórico que o cristianismo haveria de ter, pode-se atribuir a esse Menino, na sua exemplar inocência, uma representatividade mais vasta.
Para muitos, pese embora este Menino tenha existido, a sua importância é maior como símbolo de todos os meninos que, antes de chegarem a este mundo, já estão condenados a sofrer dissabores imensos. Na verdade facilmente podemos generalizar neste sentido, porque encontraremos aí uma convergência de praticamente toda a humanidade, mesmo daquela que possa não ter tido historicamente símbolos próprios desta natureza. Um Menino acolhe-se sempre no seio de qualquer comunidade minimamente sensível aos valores humanos.
Terá já o Natal, que universalmente se celebra, novos motivos e aliciantes ou por outro lado terá sido adulterado e estará perto da paródia daquilo que foi?
A forma de ver o Natal como mais uma festa tem levado ao desejo de uma participação cada vez maior de cada um. A uma festa nunca se diz não, mas pode já não ser entusiasmante assistir a uma festa exclusivamente do Menino. Já havendo a possibilidade de todos entrarem na festa, de todos darem e receberem presentes, mesmo que não haja propósito para isso, de haver comida farta e ocasião para uma congratulação efusiva, a maioria de nós alinha sem esforço.
Não correremos assim o perigo de esquecermos o Menino que precisa de ser salvo e será suficiente limitarmo-nos a integrá-lo numa festa mais vasta em que a referência a ele será puramente ocasional?
Preocupamo-nos cada vez mais em comer e beber desmesuradamente, em mandar mensagens despersonalizadas aos milhões para listas de endereços, que isto de postais pessoais dá trabalho a mais e discrimina muitas pessoas, em dar presentes cada vez mais foleiros, para receber, se possível, presentes cada vez melhores. Cada vez menos fazemos do Natal aquele regresso à infância, aquela celebração do Menino, da simplicidade que nos pode trazer a paz.
Podemos especular mesmo sobre o Menino, por fraco que ele seja, que há em nós. Acima de tudo porque, podendo ser pouco significativo, nos pode levar a pensar na incógnita da existência e na forma de a tornar digna. No Natal encontram-se todos os meninos concretos que nós fomos, os que são e os que serão, o Natal celebra-se dentro dos limites da nossa existência colectiva, que o mesmo é dizer dentro do universo infantil, que é aquele em que a comunhão universal é mais genuína e solidária, ou antes, pré-concorrencial. Se conseguíssemos manter este espírito mais tempo tudo poderia ser mais verdadeiro.
No geral nós imaginamos a nossa vida pessoal como uma curva que sai de uma inocência original, um período de vida que subestimamos, quando não desprezamos mesmo. Ao amadurecer deixamo-nos, porque não temos poder para a isso nos opormos, somos levados a integrarmo-nos num processo em que a racionalidade e a perversidade se digladiam. Essa luta vai esmorecendo até atingir de novo um estado de singeleza na velhice. Quando estamos no topo dessa curva olhamos para os extremos com afastamento, displicência, se não antipatia.
Também em relação ao percurso histórico muitos de nós o imagina como trazendo-nos de um paraíso original, passando por um período de todas as lutas e que, no decair da curva, nos levará, eventualmente pelo cansaço, a uma paz universal. A humanidade na parte mais alta da curva foi capaz de todas as malvadezas, e todos nos interrogamos se já teremos ultrapassado o seu ponto culminante e se teremos a inteligência suficiente para aceitar a descida e aproveitáramos essa queda da impetuosidade para salvar o futuro.
A celebração do Natal, se for genuína, ajuda-nos a sermos mais optimistas, a considerar que a humanidade pode compreender que este caminho que ela vem seguindo a conduz ao abismo. A euforia do consumismo, a absurda competitividade económica, o abuso das condições naturais da Terra, a falta de colaboração para obter um caminho saudável, estão a criar um homem sem raízes, destravado, egotista, egoísta, que facilmente descamba para o anti-social, o catastrófico, o patológico mesmo. Independentemente da crença em quem cá pôs o Menino, cabe-nos salvá-lo.