sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Ser pobre é uma chatice …!

A situação de “pobre” não é a melhor para se ter uma perspectiva abrangente da realidade, que permita o melhor conhecimento das linhas de força que a fazem mover num sentido ou noutro. O pobre não é aquele que “vê” obrigatoriamente mais ou menos que o “rico”: Está pior posicionado. È o que tem menos conhecimento e menos possibilidades de acesso ao saber.
Pobre era aquele que no tempo em que a principal fonte da riqueza era a terra só tinha de seu a força para a trabalhar a mando dos outros, só tinha direito ao mínimo para a sua subsistência e muitas vezes nem isso. Não tendo acesso a outras fontes de riqueza, só os detentores da terra lhe podiam facultar o seu amanho, embora às vezes sob condições de quase escravatura.
Pobre era aquele que com a industrialização deixou de precisar de retirar da terra o seu sustento. Contra a prestação de um trabalho insano, passou a ser pago para viver, para poder comprar os bens alimentares que a melhoria da produtividade agrícola facultou. Mas pago apenas com o suficiente para não morrer à fome, para eventualmente poder ter filhos que viessem a constituir a força do trabalho que o haveria de substituir.
Pobre era aquele que com o mercantilismo se tornou pau para toda a obra, carregador de mercadorias, mensageiro de ordens, motorista de barcos, comboios ou camiões. O pobre passou a ser a força disponível para servente de todos os poderosos, continuou a ser incapaz de impor condições humanas à forma como prestava o seu trabalho, era pago muitas vezes de maneira irregular, conforme as disponibilidades que o patrão dizia possuir.
O pobre de hoje será o mesmo do passado? Claro que não o é, mas, como mudou o tipo, há quem diga que há mais pobres. Neste complexo mundo de hoje o pobre é todo aquele que na teia social continua a não ser proprietário de qualquer dos circuitos que lhe dão vida. Se neste sentido há mais pobres, o pobre faz mais falta do que nunca e contraditoriamente o seu papel é cada vez mais subalterno.
O pobre é imprescindível na medida em que é ele que põe a máquina a trabalhar. Além disso é determinante para que ela execute o seu papel com eficácia. Vigilante ou manipulador dos interruptores automáticos ou manuais que hoje existem, é ele que determina o sentido da sua produção. Porém não tem a liberdade para a condicionar a máquina de modo diferente daquele que lhe está estipulado, é um escravo de manuais e normas de conduta.
O pobre de hoje é aquele que muitas vezes não encontra sentido para aquilo que faz. A estrutura social suplanta-o, ultrapassa a suas possibilidades de intervenção, quando não mesmo de compreensão. A irracionalidade de muitos aspectos da organização social salta permanentemente à sua vista, muitas vezes tão só porque não consegue entender os seus contextos. Cada vez o poder é mais ostensivo e está menos à sua disposição.
O pobre pode ainda ter problemas de sustento, mas essencialmente não são estes que o apoquentam. A sua insatisfação permanente deriva de tudo ver, de saber onde gastar todo o dinheiro que possa imaginar, mas que tem a consciência que o que tem não dá para fazer o que lhe agradaria. É tão fraco o seu ângulo de visão que a única coisa que lhe possa pela cabeça é destruir todos os circuitos, ao menos fechar os interruptores, subverter toda a sua lógica.
Esperar do pobre que ele dê uma ideia capaz para criar circuitos mais lógicos, para reverter o sentido da actividade executada pelo sistema, têm-se visto que é esforço vão. O pobre é aquele que não tem tempo, nem conhecimentos para repensar a estrutura, quando muito tenta evitar os seus aspectos mais gravosos do mercantilismo, sonha em que um dia o sistema lhe possa ser favorável.
Os sonhos do pobre raramente têm outro objectivo que não ele próprio. Provavelmente porque se o pobre chega a rico, isto é, se chega a ter algum poder para manipular de tal modo os interruptores que a corrente o favoreça, deixa atrás de si uma legião de pobres que passarão a desempenhar o papel que ele desempenhou até aí. O pobre sabe que o seu lugar está sempre garantido.
Até porque o pobre também sabe que depois de ser pobre o pior que há é ser rico, é ter um poder, que pode ser imenso, mas não o poder exercer na sua plenitude. O rico está sempre num mundo que, por não ter sido construído à sua maneira, ele ambiciona modelar à sua imagem. Razões nunca lhe faltam para protestar, para manifestar a sua mórbida insatisfação.
O rico procura todas as oportunidades, a facilidade do político, a vantagem do corrupto, a vitória do manhoso. Mas quer que o considerem como não querendo mais que o pobre quer, até tudo faz para lhe parecer igual. Na realidade o rico está num posto melhor para observar as linhas de força, os movimentos, sejam sub-reptícios, sejam aqueles que são às claras e toda a gente julga ver e na realidade não vê com a precisão devida. Ao contrário do pobre tenta acompanhar, não olha só para ver os protagonistas.
O pobre é aquele que se engana mas que não erra tanto como se julga porque desconfia. Não é este o melhor critério mas à falta de outro todos o utilizam, os políticos em primeiro lugar. Lançar a desconfiança, o descrédito é praticamente a única arma usada juntamente com a promessa de facilidades para todos. Na verdade hoje o político tanto indispõe o pobre como o rico, sendo que nunca ninguém está totalmente satisfeito.
Hoje o pobre é aquele que não compreende a sociedade e espera que os outros não se fiquem pela vontade de o apoiar mas cheguem a acordo sobre as modalidades que devem ser adoptadas para isso. Ser pobre é uma chatice mas grave é ele se auto-marginalizar ao perder as esperanças de ser “rico”. Não haverá melhor destino para este “pobre” do que ser este “rico”?

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Crónica Política - Os autarcas seduzidos pelo poder são os mais bem amados

É tal o apego de certos autarcas ao poder que a única forma de o qualificar é mesmo com a existência de uma sedução, partindo do princípio de que esta permite uma certa desculpabilização dos políticos que exercem essas funções. Deixam-se seduzir, mais do que agem voluntariamente.
Que o poder traz uma dada satisfação às pessoas é evidente, mas também, reconheça-se, nada mais legítimo. Não há nada no poder e no maior ou menor entusiasmo com que ele é vivido que permita dizer que existe alguma injustiça no seu exercício. Injustiça poder haver na sua obtenção.
Na organização social, no cruzamento das forças que se criam, no emaranhado de relações que se geram há sempre quem controle os nós, quem accione as agulhas, os interruptores, quem encaminhe os direitos e as penas, quem em suma detenha poder, algum ou muito poder, com menor ou maior grau de arbitrariedade.
É normal dizer-se que o poder corrompe, mas é evidente que ele não tem culpa. Quando muito o poder inebria, pode entusiasmar ao ponto de extasiar a pessoa, de a desinibir, de contribuir para que se estabeleça uma relação directa entre a pessoa e o poder, ignorando quem contribuiu e continua a contribuir para ele. A pessoa isola-se e altera todos os valores e relações, se necessário, para fazer prevalecer a sua vontade
Há gente obcecada pelo poder, especialmente pelo mais arbitrário, há pessoas de tal modo a ele afeitas que já não podem viver sem ele, sequer querem vê-lo diminuído. O que é mais dramático é que há pessoas que recebem um poder para o exercerem com regras e procedimentos adequados e que, uma vez ele adquirido, tudo fazem para o tornar mais absoluto, desregrado, sem limitações.
A nossa democracia está cheia destes dinossauros, destes sapos que só se vêem a si como destinados a um caminho ascensional e estão constantemente a aumentar o fato para não arrebentarem. Este nunca lhes serve, estão sempre a reclamar que lhes atribuam mais poder, mais e mais poder. Os exemplos são tantos, estão tanto à frente dos nossos olhos, que às vezes até nos sobra a vergonha e nos falte a frontalidade.
Por outro lado se não se põe o nome às coisas até parece que todos sofrem do mesmo mal. Na verdade as tentações aparecem a todos, mas nem todos se deixam tentar. Precavendo porém, as leis deveriam ser mais adequadas à prevenção e não se preocuparem tanto com a penalização. Mas isso é um mal geral de que o nosso País enforme, de que a nossa jurisprudência padece.
Em boa verdade na democracia não há lugar para o poder pessoal, é uma afronta falarmos em imprescindíveis, é uma humilhação termos poderes perpétuos. Esta constatação chegou ao poder autárquico mas, com uma manobra do lobby respectivo no sentido de atrasar a publicação da Lei, a maioria dos nossos pré-históricos ainda se vai poder candidatar nas próximas eleições.
É bom que quando as pessoas exercem o poder o façam com entusiasmo mas também com espírito solidário. O papel dos analistas deve ser pronunciar-se tendo em vista a defesa de valores sociais, mas infelizmente uma das formas de critica mais eficaz passa por atacar o moral das pessoas envolvidas, conseguir furar a sua carapaça de indiferença e desfaçatez.
O problema reside em que o quadro dos valores prevalecentes no momento actual da sociedade não é sólido, talvez porque se não realçam os bons exemplos. A condenação de alguns modos de agir, como o de Defensor Moura, não é eficaz hoje, porque os valores que podemos invocar são muito voláteis face à sua sedução pelo poder. Talvez um dia seja caso de estudo e se descubra nos traços da sua personalidade algo que justifique o seu comportamento político autista.

As Feiras Novas nos terrenos da iniciação…

As Festas, as Feiras Novas, Festas porque outras não havia assim e ainda não há. Só estas tinham o sortilégio do imprevisto, da surpresa, da novidade que era mais um brinquedo, uns novos saltimbancos, novos “Robertos”, novas personagens reais, novos divertimentos para grandes e pequenos.
Mas havia também o antigo, aquilo que sempre conhecera, que sempre aqui viera, que às vezes eu julgava vir de tão longe e que afinal vinha de tão perto. Mesmo assim lembro-me, e já lá vão mais de quarenta anos, de virem homens e mulheres que davam um colorido um pouco diferente às Festas e que eram da Covilhã, Viseu, Lamego ou Águeda, que eu julgava bem longe.
O homem das bengalas vinha da região da Régua ou Lamego, já não sei bem, com um filho, uma filha ou com os dois, percorria todo o País com a sua mercadoria e uns cobertores para dormir, ficava nos alpendres do mercado municipal, se outro sítio mais cómodo não arranjasse ou se chovesse. Tantas vezes com ele falei quando o tempo não permitia que se fizesse algum negócio.
Alguns já tinham a sua barraca, a sua tenda que fechada com um pano à volta servia de dormitório e abrigo para a chuva. Lembro-me de andar a acordar pessoas nas Festas de 1972 quando o rio galgou as suas margens com uma rapidez inesperada e logo estava no passeio marginal. Dormiam nas barracas junto ao paredão e o rio já ali, prestes a avançar.
Mas foi nos inícios dos anos sessenta que eu mais vivi aquilo que as Festas traziam de diferente. Para quem passava pelas experiências da iniciação as Festas eram um abrir de possibilidades imensas. As Festas sempre proporcionam a desinibição que não existe noutros momentos e os contactos fortuitos que só surgem por essa ocasião. O novo afinal é “velho”.
Não vos vou falar de quando Salazar, por pressão das senhoras do Movimento Nacional Feminino, por estas prometerem apoio aos militares deslocados para as colónias portuguesas, resolveu fechar as casas de passe e tornar ilegal a prostituição que aí se praticava.
Como tal se passou nos finais de 1962, no ano seguinte todo esse pessoal feminino, que nas referidas casas se abrigava, passou a deambular por caminhos e calçadas à procura de satisfazer o “vício” de alguém e tratar do seu próprio sustento, já que outro “emprego” já era difícil de arranjar.
Nesse ano nas Feiras Novas houve uma invasão inusitada a fazer concorrência àquelas que já para cá vinham nessa ocasião e se abrigavam nos cafezinhos que se espalhavam um pouco por todo o lado. Libertas da clausura, numa dada perspectiva, mas decerto também abandonadas à sua sorte noutra, essas mulheres desafortunadas procuravam que em tão pouco usual ajuntamento lhes fosse proporcionado algum aconchego para … o estômago.
Mas valha a verdade que não era desta iniciação que eu queria falar, mas de outra, que, por ocasião das Festas, se permitia. Era a iniciação ao jogo, a vários jogos, mas ao caso ao jogo da roleta, velha banca circular com um fuso a meio onde rodava o maquinismo que nos trazia ou não a sorte procurada.
Uma barra de ferro, artisticamente pendente sobre a mesa, tinha na sua extremidade uma pequena palheta de cartão semi-rígido que, ao rodar, ia batendo nas várias dezenas de suportes que na mesa estavam aparafusados em círculo. Nos seus intervalos estava colocado um maço de tabaco que sairia a quem apostasse na cor que o abrangia.
A mesa tinha cinco cores principais e seis de mais pequena dimensão intercaladas naquelas. Dentro da mesma cor o prémio variava e podia ir de um “Provisório” a um “Porto” ou “Paris”. Os maços de tabaco mais longo, um Gigante, estavam nas cores mais pequenas que, por terem menos probabilidades, recebiam assim um prémio superior.
Posta em marcha a roda, os circundantes, sempre muitos e ansiosos, eram convidados a fazer a sua aposta. Uns tinham a fezada numa cor e apressavam-se a jogar nela. Mas havia quem jogasse em mais de uma cor à espera que não fosse a sorte fugir-lhe. Eram aqueles que apostavam acima de tudo em não perder e não queriam arriscar tudo.
A roleta ia perdendo a sua embalagem até que o “Banqueiro” dava a ordem para não se fazerem mais apostas. Mas havia sempre quem tentasse ser o último a apostar para poder calcular com mais alguma probabilidade o sítio onde a roleta iria parar. Como porém, mesmo assim, era difícil obter êxito, havia também quem sempre imaginasse que por qualquer arte do diabo a roleta haveria de parar na cor aonde menos dinheiro houvesse em jogo. E apostava aí.
O problema era quando a palheta ficava nas cores de menores dimensões. Raramente alguém aí apostava e então era tudo para a casa, uma tristeza para os apostadores, o desalento geral, mas uma alegria, embora contida, para o banqueiro. Há que apostar, dizia o habilidoso crupiê que, com seus ágeis pés e mãos, dizia-se, mas ninguém via, que dava o toque necessário para a roleta vir a parar onde a rodada lhe ficasse menos pesada.
Claro que nem sempre podia ser assim, pois havia que incentivar os fregueses, dando-lhes alguns prémios. O homem da roleta até se lamentava: Que azar! Em lugar do “Benfica” podia sair o Mata-Ratos que estava ao lado. Porém, como cada aposta era de 1 escudo e os maços melhores custavam entre 3 e 4 escudos, mesmo seguindo a lei das probabilidades, o banqueiro ganhava sempre.
Quem ali conhecia a lei ou se preocupava com isso? Nesta luta desigual todos nós não atribuíamos a culpa aos exploradores da banca, que afinal eram quem nos proporcionava tão entusiasmante passatempo, mas à tão malfadada e madrasta sorte. E até o crupiê às vezes falhava e lá levava uma banhada das grandes, desfalcando a sua reserva de maços de tabaco.
Em gente tão compenetrada na sua tarefa de não se deixar derrotar sem luta, esses momentos em que o lado poderoso do jogo se via espalhado no chão eram aproveitados para descomprimir e dar mesmo azo a uma alegria esfusiante, se fora caso disso. Era bom ver o banqueiro ter que se socorrer da sua reserva de tabaco guardado debaixo da banca.
Sinal de imaturidade, calculismo primário, tentativa de ludibriar os outros, ainda estará por saber o que leva tantas pessoas a apostar em inferioridade manifesta. O encanto do jogo reside em vivermos essa possibilidade de algum ganho, mesmo que pequeno, correndo apenas o risco de alguma perca que não ponha em causa a nossa estabilidade financeira.
O jogo, se não se torna vício, é, e sempre será, um exercício que encantará a juventude, lhe permite estabelecer balizes, correr riscos controlados, ter o treino necessário para que nas situações reais da vida seja capaz também de fazer opções cujo desfecho não está garantido. O jogo não é para vencer a qualquer custo e é conveniente que todos ganhem mas não é necessário que assim seja.
O jogo fortalece o carácter. Ajuda-nos a saber até onde podemos ser levados pela sorte e quando é necessário que estudemos, nos esforcemos para sermos recompensados. Na nossa juventude só estava mal esse prémio prejudicial que era o tabaco. Era uma associação entendida por nefasta. Mas a verdade é que, seja onde for que o mal esteja, jogo ou tabaco, só vicia aqueles que o permite.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

De pouco nos serve este passado de mercadores

A ligação da maioria de nós ao mundo dos negócios só se faz enquanto elementos estáticos de uma qualquer força produtiva e principalmente como consumidores, que haveremos que existam dois de nós e necessitemos de repartir recursos. Se porém já precisarmos de trocar bens, esforços, quiçá estímulos e recompensas estamos fazendo negócio.
Poder-se-á dizer ainda que, mesmo condescendendo em considerar negócio certos actos que não estamos habituados a ver como tal, ainda haveríamos de aceitar a diferença que se estabelece entre um acto formal de negócio e um acto de todo informal. Aceitar-se-á que assim se possam ver as coisas e mesmo que se reconheça que muitos de nós só entramos na economia mercantilista há poucos séculos e alguns só há décadas. Em certas zonas do terceiro mundo ainda lá não chegaram.
A própria noção da venda da força de trabalho, não se aplicava a muitos de nós, quando se é incapaz de lhe definir um preço. O trabalho escravo e mesmo o trabalho servil não se integram no domínio da economia mercantil embora, como é evidente, contribuem, e de que maneira, para ela. Também a economia de subsistência, em que muitos de nós estivemos integrados até há bem pouco tempo, não faz parte dessa economia mercantil, não necessita do negócio.
De qualquer modo não é por se praticarem alguns actos de negócio, qualquer que seja a acepção que adoptemos, que se vive no mundo dos negócios, como erradamente se espalhou. Muito de nós sempre fizemos e vamos continuar a fazer actos de que não medimos o valor económico, embora seja evidente que eles o têm. Mas se nós pensássemos só nisso estávamos muitas vezes quietos. A vida não se reduz à economia e muitos menos ao mundo dos negócios.
Criou-se uma estranha noção de que todos podemos e devemos fazer negócio, obter lucros em relação não se sabe bem a quê, medir bem aquilo que fazemos de modo a valorizá-lo devidamente. O mundo dos negócios tornou-se absorvente, quem dele não souber falar é hoje apelidado de ignorante, desconhecedor de um aspecto da realidade que tudo condiciona. Mesmo que a relação com ele seja esporádica e superficial. A atenção tornou-se obsessiva.
Puseram-nos a viver as dificuldades que se colocam no mundo dos negócios. Identificamo-nos, não sabemos bem porquê, com todos os que sofrem entraves na sua acção, venham eles do governo, do estrangeiro, seja de quem for. Sofremos as dores dos outros. De súbito estamos a condenar todos por nos não facilitarem o acesso a todos os bens de consumo, a todos os prazeres da vida, a todas as facilidades imaginárias e outras que já lá vêm.
Sempre nos pareceu positivo que o homem se não deixasse explorar e, perante a sofreguidão de muitos dos outros, tivesse uma percepção económica do mundo, um conhecimento dos mecanismos que levam à acumulação do capital e, mesmo que considerasse isso inevitável, pudesse contribuir com a sua força política para que o Estado moderasse os exageros que se cometem. O perigo é que a atracção que o mundo capitalista exerce se possa tornar definitiva.
Por isso muitas pessoas, e entre elas uma dada classe de intelectuais, fustiga quanto pode, invectiva essa “malvado” mundo como a fonte de todos os males e a razão das nossas desgraças. Na verdade, se analisarmos o passado, verificamos que o negócio, fosse estatal ou privado, não beneficiou toda a população que seria pressuposto atingir. Portugal é o mais claro exemplo dum aproveitamento perfeitamente sectorial dos benefícios do mercantilismo.
Negócios das descobertas, do ouro, dos escravos, do açúcar, todo o negócio colonial serviu sempre para engrossar os haveres das mesmas famílias e pouco mais. Gastava-se em Lisboa, fazia-se um solar na aldeia para passar o mês de Setembro. O povo continuava a vegetar. Ainda é esta imagem que perdura e com razão. Mas é claro que uma imagem não deve ser suficiente para reduzirmos a ela o nosso pensamento. Antes deve ser a razão para que tentemos mudar as coisas, o que se pode fazer quando houver forças políticas menos imediatistas.
A ilusão com o capitalismo popular derivou da generalização do sucesso de alguns empresários, gestores, negociantes e artistas que beneficiaram do fim do condicionamento que o antigo regime impôs às actividades económicas, das oportunidades fáceis que então surgiram. Enquanto o Estado andava preocupado com as grandes empresas e os antigos proprietários em as reaver, criou-se um largo espaço que permitiu a inovação e a reconversão.
Hoje o tempo é outro, há maior exigência, necessidade de ideias cada vez mais alicerçadas na realidade, de mais financiamento em capital, de mais risco na obtenção de mercado para produtos inovadores, até porque dos tradicionais existe há muito uma saturação do mercado. Não que nós produzamos tudo, mas porque é demasiado fácil conseguir esses produtos nos mercados externos.
Desiludamo-nos quanto há repetição do nosso passado de mercadores. O mundo de hoje é muito mais complexo que o velho mundo dos negócios em que a esperteza de alguns chegava para que todos tivessem a ilusão de serem ricos. Mesmo que aceitemos que tudo tem um preço é melhor não nos sobrevalorizarmos. Será necessário um grande esforço, e intelectual, que não estamos habituados a fazer, para vencer os desafios do futuro.

sábado, 16 de agosto de 2008

A economia não se faz só de balanços contabilísticos

A economia não se fica pelos balanços contabilísticos e na verdade estes são tão só dados elementares e uma saída precoce. Na mais ampla acepção da palavra, o economista é aquele que terá que se preocupar com a gestão da mais poderosa força que influencia a vivência da sociedade: A economia. Esta terá que operar no sentido de tirar um bom e sensato aproveitamento de tudo o que pode convergir para o bem-estar da humanidade, de tudo o que pode ser útil.
A economia é das ciências mais recentes, tendo ganho autonomia há pouco tempo. Portugal não será exemplo, mas no tempo de Salazar a economia ensinava-se na Faculdade de Letras e integrava o curso de Direito. Na verdade só lhe interessavam as Finanças Públicas. Noutros países a economia já dava que falar, mas essencialmente interessava aos políticos sérios. Também só muito tarde mereceu que lhe fosse atribuído a quem a cultiva o Prémio Nobel.
Dado o seu objectivo, esta ciência, bem como aqueles que dela tratam, embora se avaliem uns aos outros, são em última instância avaliados pelas pessoas ditas banais, isto é do modo mais subjectivo possível. A grande maioria de nós não tem qualquer noção da natureza dos factores económicos e dos seus condicionantes principais. A grande maioria de nós tem dificuldade em escolher a forma como deve avaliar o seu próprio bem-estar, objectivo último da economia.
Assim sendo, os economistas têm grande dificuldade em transmitir a sua própria interpretação dos acontecimentos àqueles que dela precisariam, em serem bem entendidos por quem está habituado à suspeita. É necessário pois um grande esforço dos economistas para nos não submergirem só com índices e números e de nós mesmos para os interpretar mas também para colocarmos as questões a que eles nos hão de responder.
Mas a maior dificuldade começa mesmo no facto dos economistas terem que fazer as suas medições, obter os seus números, os seus índices com que estudam as variações, as influências, as previsões. E se a realidade material, a produção, os desperdícios, a eficiência, o ambiente e muitas coisas mais se deixam medir, quando somos nós os objectos de medição como nos comportamos? Como homens de negócios, como políticos ou como pessoas banais?
A verdade é que a não ser num concurso em que podemos obter algum proveito ninguém gosta de ser medido. Além de não termos a certeza dos graus da nossa satisfação, ou doutros efeitos nas pessoas, não gostamos que os outros tenham uma imagem de nós mais precisa do que aquela que nós mesmos temos. Ainda por cima muitas vezes movem-nos propósitos que nos afastam sobremaneira da verdade. Em suma, em termos de medição, não somos muito fiáveis.
Podem porém partir do princípio que com uma margem de erro razoável é possível fazer todas as medições que tornem os economistas capazes de fazerem uma análise exaustiva e uma avaliação precisa do comportamento económico das pessoas. No entanto, obtidos os números absolutos, é necessário extrair os números relativos que resultem da sua combinação e inter-influência. Para ir até aqui uma visão contabilística chegará, mas é necessário ir mais além.
Normalmente não há grandes divergências sobre os retratos momentâneos, que são a imagem de um instante. Normalmente as divergências não são muito maiores se compararmos os retratos de épocas diferentes, alheando-nos de outros conhecimentos que sobre as mesmas épocas possamos ter. Não podemos porém de modo algum alhearmo-nos desse conhecimento porque a nudez dos números tem que ser lida no contexto da época em que são obtidos.
Aos economistas tem que se exigir mais do que uma visão estática. Para compreendermos duas épocas distintas, sendo que uma é a que vivemos e outra aquela com que queremos comparar com o presente, temos de ter em atenção os circunstancialismos próprios de cada uma e essa tarefa não pode ser deixada pelos economistas às outras pessoas, nem sequer somente aos historiadores. Mas claro que estes ajudam a compreender que em duas épocas diferentes há dois homens diferentes e duas economias diferentes.
A comparação não pode ser de modo algum directa. A organização técnica do trabalho, a duração e distribuição do trabalho, o controle do homem sobre as condições da sua própria prestação de trabalho, a maneira de gerir a dinâmica trabalho/prazer, os gostos pessoais, a sexualidade e a procriação são só alguns dos imensos aspectos que tornam cada tempo histórico um caso particular, são só alguns dos factores a tomar em conta para uma análise qualitativa.
É esta análise que falta e que permite que haja saudosistas que digam que antigamente é que era bom e haja vendedores de sonhos que digam que no futuro é que vai ser. Até não é difícil ver pessoas ditas responsáveis a dizerem que hoje há mais pobreza que há cinquenta anos. Efectivamente se tomarmos a pobreza como algo tão subjectivo que só existe porque existe o homem e este é a medida de todas as coisas é uma tese tão válida como outra qualquer.
Perante o descrédito do senso comum, será que nos podemos valer do bom senso para deitar por terra tal tipo de tese? Na verdade só nos podemos socorrer do princípio da razoabilidade e tentarmos colocarmo-nos na situação vivida nos diferentes tempos e locais em comparação. Mas se ainda vivemos algo desses tempos tenebrosos, só temos a dizer que existe neste mundo muita desonestidade intelectual.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Crónica Política - Como dar mais poder a autarcas que nem colaborar sabem?

A Câmara Municipal de Viana do Castelo decidiu colocar a questão da sua adesão a uma Comunidade Alto Minhota nas mãos da sua população, através de um referendo. No entanto, suspeito que o seu Presidente, Defensor Moura, tudo vai fazer para adiar esse referendo de modo a torná-lo temporalmente inviável.
Para já porque para cumprir uma outra ameaça que fizera terá que colocar a questão da constitucionalidade da Lei que institucionaliza estas novas associações territoriais. Defensor Moura invoca um deficit democrático na questão da distribuição dos votos pelos municípios constituintes. A Lei estipula que a um Município equivale um voto e Moura é defensor de que deve ter um peso proporcional à população de cada um dos municípios.
É verdade que os dois princípios são aplicados noutros tipos de associações. Há ainda o caso de haver uma ponderação do voto previamente acordada e que tem em conta outros factores e de que é exemplo a Comunidade Europeia. O problema aqui é que os municípios não são entidades soberanas e portanto têm que respeitar as indicações dos Órgãos que são detentores dessa soberania: A Assembleia da Republica, o Governo, o Presidente da Republica.
Não se vai ver aqui a Câmara de Viana do Castelo a negociar com a de Paredes de Coura: Olha que eu valho quinze votos e tu um. O que se poderá ver é uma ponderação dos benefícios que cada um deve usufruir, a repartição de custos e a obtenção de consensos sobre a aplicação de fundos e das políticas concertadas de desenvolvimento. Seria totalmente descabido que alguém quisesse impor algo que não seja negociado e acordado.
Defensor Moura está a tentar ter um papel do tipo do de João Jardim, a obter um poder excessivo em relação àquele que a Lei lhe atribui. A Madeira é no entanto um caso diferente. Aqui em Viana do Castelo não há chantagem possível até porque mais ninguém quer estar ao seu lado. Por mais que ataque o poder central, a verdade é que casos como este só dão razão a quem nos rotula de impreparados para assumir demasiado poder.
Os actuais municípios começam a ser pequenos, não só para as ambições dos autarcas, mas também para o próprio desenvolvimento das políticas mais convenientes para a população dos vários concelhos. Neste domínio Defensor Moura tem razão: Os outros municípios deveriam associar-se de modo a virem a ser entidades semelhantes a Viana do Castelo, com capacidade para bater o pé a quem se quer valer do seu poder para espezinhar os outros.
Claro que nesta divisão que, por mais que se justificasse no século dezanove, é hoje totalmente desadequada, há razões mesquinhas, individualistas. O governo disse em tempos que haveria que repensar a divisão administrativa mas, se a realidade não mostrar a sua necessidade, serão inglórios, perturbadores e despesistas todos os esforços nesse sentido. Com tantas forças orgânicas e inorgânicas aí à deriva ninguém se ia entender.
Mas o governo tem a principal arma na mão que é o poder. O governo quer transferir algum desse poder para as autarquias, mas tem que promover um desenvolvimento mais equilibrado do País. Para isso tem que dar esse poder a entidades que o saibam utilizar nesse sentido e não para fomentar mais competição, procuras de protagonismo fáceis e satisfação de vaidades bacocas de muita da gente que prolifera nas nossas autarquias.
A mais poder deve corresponder uma maior dimensão das autarquias, uma melhor preparação dos seus dirigentes, uma maior participação das populações no controle do uso do dinheiro. Este está mais sujeito a observação quando é aplicado a nível nacional do que dos municípios, por incrível que pareça. Nas autarquias a oposição não tem poder, a imprensa pressiona menos o poder político, a população liga mais ao que é tema dos telejornais.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

O fim da ideologia, o império da economia e os seus limites

A queda da maioria dos regimes comunistas e as transformações operadas nos restantes levaram a uma despolitização da economia. Passou a discutir-se e a aceitar-se mais os problemas vistos por um prisma puramente económico, o que em Portugal antes do 25 de Abril era atribuído como próprio dos comunistas e mesmo após era subestimado face à defesa da liberdade individual.
E quando se discutia economia, até há uns anos atrás, a opção era entre duas maneiras distintas de a ver, a marxista e a liberal ou então entre simples variantes dentro destas duas opções de base. Com o colapso da União Soviética e seus satélites, o marxismo cristalizou, deixou de fazer sentido discutir variantes dentro do comunismo e, por incrível que pareça, isso favoreceu o PCP.
A fortaleza ideológica que o PCP foi construindo, baseada num sistema de socialismo real cujos contornos na realidade desconhecíamos, ficou sem contestação ideológica interna, que é sempre a forma mais eficaz de a desmoronar. Assim a questão ideológica deixou de constituir qualquer problema para o PCP. A falta de uma retaguarda é afinal melhor que ter uma retaguarda frágil.
Sendo nós um País mais virado para as questões práticas, dizemos que privilegiamos a economia mas na realidade, acima de tudo, privilegiamos os estados de espírito. O PCP já há muito desistiu de produzir uma ideologia própria e ficou-se pelo estado de espírito. Se o proletariado já ia abandonando o PCP, este antecipou-se e abandonou o proletariado, absorvendo outro tipo de contestação, desde que portadora do mesmo estado de espírito do “deita abaixo”.
Se noutros países os partidos comunistas desapareceram e cá tem uma aparente novo fôlego, é porque o estado de espírito prevalecente no PCP ainda consegue ser atractivo para quem, não sentindo a necessidade de uma ideologia, sente crescer em si uma rejeição da sociedade existente, sem necessidade de justificação para as suas opções.
Mesmo que o poder reivindicativo dos sindicatos comunistas seja cada vez menor, mesmo que a diferenciação de rendimentos seja cada vez maior, mesmo que os comunistas procurem integrar camadas de certo modo privilegiadas nas lutas sociais para lhes dar algum colorido que a perca de poder reivindicativo das camadas mais desfavorecidas lhes tirou, o PCP mantém uma carapaça ideológica do tempo do proletariado puro e duro.
Mesmo aqueles partidos comunistas que estão no poder vão fazendo a sua reconversão de modo mais ou menos sui-generis, conforme a sua natureza e as características do respectivo país, Cuba, China, Vietname, etc. No entanto já nenhum deles consegue ter qualquer coerência interna e vão integrando elementos capitalistas na gestão da sua economia. O PCP não necessita disso porque não tem poder.
Se os regimes comunistas aceitam economias paralelas, assentes em lógicas aparentemente contraditórias, o PCP aceita que as classes e sectores sociais defendam estratégias próprias no domínio económico, dando-lhes uma cobertura ideológica em que as contradições são embrulhadas num frentismo e numa pretensa moralidade inconsequente e inconsistente. O PCP mistura empregados de limpeza com magistrados, lavradores caseiros com médicos.
Hoje o papel da economia nas relações sociais, no bem-estar, na satisfação existencial é muito mais claro que no tempo da luta de classes, da queda do feudalismo, da emergência de um proletariado vitorioso. A propriedade física deixou de ter o papel primordial que passou a ser ocupado pelo conhecimento. A injustiça social reside agora na diferente repartição deste.
Hoje a economia impera sobre todos os valores que se possam imaginar. A inteligência humana é mesmo avaliada pela eficácia com que converte conhecimento em valor económico palpável. Tudo é revertível à economia. Cada vez mais só se faz aquilo cujo valor suplanta nitidamente o custo. Aquilo que não traz qualquer espécie de benefício é abandonado.
Tudo que traz benefício tem na sua génese um custo, mesmo que só se possa avaliar através dos custos de substituição. As próprias pessoas são avaliadas nesta perspectiva, sendo que são avaliadas pelo que fazem, como também o podem ser por aquilo que poderiam estar a fazer se substituíssemos o ócio por uma actividade a que as achamos habilitadas.
Já ninguém tem filhos que lhes não atribua à nascença um custo de criação. A naturalidade com que se via a existência, a quase certeza que antes tínhamos de poder criar um filho sem custos evidentes, está hoje convertida num calculismo execrável, que despudoradamente é mesmo atirado à cara dos filhos. Cada um de nós que cá está tem um preço, que muitas vezes não é pequeno, segundo os pais.
Para compreender o mundo não é porém recomendável esta lógica maximalista. Chega aceitarmos que há um custo associado a todos os nossos actos porque neles utilizamos algum valor com interesse social. Mesmo o tempo tem um valor, pelo que, para o termos ao nosso dispor, temos de o comprar, temos que ter as disponibilidades suficientes para não precisarmos de trabalharmos durante um certo período. E para beneficiar do tempo já pagamos o seu custo.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Crónica Política - Porque morreu um rapaz no Rio Lima que deveria estar na escola?

A nossa adesão quase simultânea à democracia e simultânea à Comunidade Europeia levou a pensar que poderíamos, Portugal e Espanha, seguir enfim um trilho comum. A realidade veio mostrar que não é assim tão fácil colocarmo-nos nos mesmos carris. Os nossos ritmos são diferentes.
Quando aderimos à Comunidade já nos encontrávamos em patamares de desenvolvimento diferente. Tendo sido as ajudas recebidas pelos dois países semelhantes, é natural que a diferença se mantivesse. Mas na realidade os espanhóis terão aproveitado melhor essas ajudas e dado um arranque significativo à sua economia, que nós, em especial nas zonas fronteiriças, não demos.
Quanto mais se desenvolvessem as zonas fronteiriças mais se atenuaria um efeito desertificador que a sua existência durante séculos criou. Não é este o caso do Vale do Minho que neste aspecto se diferencia do resto do País. Aqui estava o cordão umbilical por onde a Galiza e o Condado Portucalense se separaram. Em nenhuma outra zona do País há uma tão longa e tão apertada proximidade entre os dois países e aí está um factor a aproveitar.
Se esta região se não desertificou a verdade é que os dois lados da fronteira se desenvolveram de costas voltados um para o outro. Este facto tornou durante anos vantajoso o contrabando, única forma efectiva de contacto entre as economias dos dois lados da fronteira. Com a queda desta eram necessário reconverter esses laços antigos e colaborar no desenvolvimento económico.
A Comunidade Intermunicipal do Vale do Minho tem feito tudo o que pode para suavizar as diferenças. Para isso fez do Rio Minho um eixo dinamizador do desenvolvimento. Alguma dessa colaboração transfronteiriça tem chegado ao Vale do Lima, mas era necessário fazer mais por uma aproximação que, aliás, tem tudo para ser vista como natural. Um dos factores que tem contribuído para este atraso passa pela nossa falta de dimensão.
O Eixo Atlântico, como associação das cidades de maior dimensão do noroeste ibérico compreendeu que esta colaboração tem que ser feita a um nível mais vasto. Mas o certo é que a sua acção não tem tido o resultado que se esperava. Os nossos interesses podem ser beneficiados com esta associação, mas muitos deles não passam por aí.
Por exemplo o TGV poderá vir a ser vantajoso para o Porto e para Vigo mas para Ponte de Lima pode vir a ser prejudicial. Quando se trata de avaliar as vantagens e desvantagens dum empreendimento deste tipo também nós deveríamos ser tidos em consideração. Mas não, passam-nos por cima, seremos um dia confrontados com ele, esperamos que ao menos o TGV nos passe por baixo. Porque em túneis seria a solução mais adequada, que correntes de ar já cá as temos que cheguem.
A ligação que nos interessa à Galiza e à restante Espanha, dos que cá estamos neste reduto transfronteiriço, tem que ser mais terra a terra, há infra-estruturas que não são para a nossa dimensão. Seria bom que os nossos economistas, os nossos planeadores, os nossos prospectores do futuro fossem capazes de trabalhar a vários níveis, o desenvolvimento não se faz só com grandes projectos. Já vem sendo natural que os pequenos passos tenham maior sucesso que estes grandes gestos.
Se há sectores que beneficiam com a centralização, a concentração, outros há que só perdem por esse efeito. Não podemos ser megalómanos, antes temos que desenvolver as estruturas, as produções, os serviços à nossa dimensão, sem descurar embora as oportunidades que o mercado global nos possa dar. Mas também para isso é preciso estar preparado e a qualificação séria não está a passar por aqui. Porque morreu um rapaz no Rio Lima que deveria estar na escola?

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Com o passado que temos será possível melhor futuro?

Por pior que ele seja, se conhecêssemos bem o nosso passado e compreendêssemos as suas razões poderíamos estar certos que seríamos capazes de construir um melhor futuro. O simples conhecimento não chega porque aquilo que de passado virá a ter o nosso futuro é desde logo a garantia de que nem tudo serão surpresas, mas não de que estas venham a ser aquilo que nós quereríamos que o futuro fosse.
O problema reside em que o passado que todos temos nem sempre é facilmente compreensível e em vez de projectar luz, projecta sombras sobre o futuro. Muitas vezes aquilo a que chamamos passado, o que está mais presente na nossa memória não é todo o nosso passado e engloba passado que não é nosso. Entretanto nós já descartamos muito passado e deixamos espaço para aquilo que nos agrada mas nunca vivemos.
Primeiro porque nós escondemos de nós mesmos partes do passado mais incómodas ou que julgamos mais incoerentes com o rumo que seria nosso desejo seguir. Depois porque o nosso passado não é coisa morta, está em permanente reformulação e abrimo-lo até a experiências alheias, fazemos o seu alargamento virtual para que afinal tenhamos um passado que se veja. Só que assim é nosso e não é, é mas já não é só nosso.
Nunca tem sucesso garantido o esforço para reintroduzir no nosso passado as tais partes que não gostaríamos de ter vivido. Primeiro porque não gostamos de ser culpados ou que a culpa nos seja atribuída e esse é o primeiro aspecto que nos surge. Depois porque já desistimos de encontrar justificações em nós próprios, nos outros, na natureza, na organização social, no azar, na contingência e torna-se insuportável tanta tentativa para compreender a realidade ao nosso nível.
Discernir claramente no nosso passado aquilo que foi por nós directamente vivido daquilo que o foi por interposta pessoa ou daquilo que só tem existência virtual por mais verosímil que possa ser, também é tarefa que normalmente nos não agrada pelo receio de tornarmos ainda mais graves as nossas lacunas. Depois porque do passado o que mais nos interessa é dele podermos tirar ensinamentos e neste aspecto não temos particular interesse em nos enganarmos a nós próprios.
O passado pode ser o que for que a sua influência na nossa vida sempre se exercerá, mas se assumirmos relações especiais com alguns dos seus aspectos particulares estamos a mantê-los exageradamente na nossa vida presente. Porém há aspectos que são irrepetíveis e temos preconceitos porque achamos que neles havia virtualidades cuja perca nos entristece. Na realidade há coisas que só foram realizáveis nesse passado, nessas condições e que não mais serão possíveis, nem melhor nem pior, qualquer que seja a nossa vontade.
O passado é o que nós vivemos, como o vivemos, mas também aquilo que nós não conseguimos viver, porque não estava ao nosso alcance, porque dele desistimos por não ser compensatório em relação ao esforço necessário para o atingir, porque enveredamos deliberada ou forçosamente por outros caminhos. O mais normal, mas menos sentido faz, é lamentarmo-nos de que não tivemos sorte por não termos conseguido o que ambicionávamos.
O que também não faz qualquer sentido é colocarmos permanentemente em causa as nossas capacidades intrínsecas e as possibilidades de êxito que tínhamos à partida. Mas também não podemos estar sempre a fazer aquele exercício mental de que, já que não obtivemos em dado momento o alcance do objectivo que perseguíamos, podemos convencermo-nos de que prescindimos dele. Por vezes temos mesmo de enfrentar as nossas fraquezas.
É necessário que o passado nos não ensombre o futuro. Mas também que não nos iludamos que, se as coisas nos correram bem, não é garantido que os mesmos argumentos produzam agora os mesmos efeitos. O ideal seria mesmo que nós compreendêssemos o passado, que soubéssemos as forças que então e agora mais interferem no percurso individual das pessoas.
No geral é-nos dito que devemos aprender com quem consegue realizar os seus objectivos mas é evidente que esses são uma minoria, embora a maioria se conforme com o que vai tendo. Normalmente dir-se-á que quando nós aprendemos já chegamos tarde, se não formos rápidos já tudo está explorado, mas o facto é que estamos perante uma nova realidade que nos exige outros conhecimentos.
Nem sempre o melhor estudioso do passado é aquele que o viveu com sucessivos sucessos. O problema é que a maioria de nós se sente derrotado e assume facilmente quem são os culpados. Esta postura leva-nos a bloquearmos as nossas próprias perspectivas de entendimento do que falhou.
Pessoalmente poderia atribuir todas as culpas de não ter realizado muito do que acharia natural ter feito a Salazar. É evidente que a influência de Salazar se fez exercer em cada recanto deste País, mas se ficar só por aqui, se não conseguir perceber como a mensagem musculada de Salazar atravessava tão facilmente todo o éter não chego a entender nada do que se passou.
O acabrunhamento, a apatia que se apoderaram de toda uma sociedade, que influenciavam todos, que faziam que quase se não distinguisse entre os poderosos e os outros, os remediados e os efectivamente pobres, os que tinham algo de seu e aqueles que não sabiam se no dia seguinte teriam algo para comer, também impregnaram o meu ser, por mais valente que pudesse ser, até porque a dificuldade maior estava mesmo em identificar o nosso inimigo.