sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A nossa difícil relação com o poder – o deslumbramento

A maioria de nós ambiciona ter uma relação fácil com o poder, pouco mais do que isso. Que o poder não seja injusto para nós, que consigamos dizer da nossa justiça quando nos aprouver. Hoje é importante ter voz. Podermos falar ou ter quem fale por nós numa relação transparente e leal. Já não é aquela máxima da “paz e sossego” se lida à letra, mas de certa forma a frase ainda pode servir.
Claro que aqueles que se apropriam de modo fraudulento da nossa representação ou aqueles que a adquirem por métodos legítimos mas a vêm a aproveitar para outros fins, a desrespeitar a nossa vontade, não nos deixam estar sossegados. E há sempre algo que ocorre inesperadamente e nos tira a paz.
Como estamos quase sempre calados, até porque se falássemos todos ao mesmo tempo ninguém se entendia, há quem venha falar por nós e, arrogando-se o estatuto de intérpretes da nossa vontade, diz coisas que nós não diríamos ou fala de uma forma diferente da nossa. Mesmo quando falamos quase sempre não o fazemos no momento e no lugar certo. Mas podemos estar seguros de que alguém se aproveita e falará por nós.
Alguns destes ainda se desculpam, que falam assim por ser a maneira de se fazerem ouvir, que aplicam o exagero ou outra forma específica porque só existem duas opções: Ou ocupam um lugar que está vazio ou reforçam a voz que já ocupou o lugar de onde a voz se ouça melhor. Mas o problema é que não é só esta razão que os move, os seus propósitos são no geral bem diferentes dos nossos. Eles movem-se numa lógica de poder e têm do poder uma noção demasiado lata, mesmo quando se dizem liberais.
Todos nós, os não políticos, gostaríamos que o poder se desenvolvesse só o necessário e amoldado a nós, capaz de satisfazer as nossas necessidades do presente e do futuro. Todos nós gostaríamos de ter algum poder e influenciar o restante, disso não fugimos. Hoje, mesmo que tenhamos tido essa ideia, sabemos que é inglório lutarmos pela anarquia, a anarquia já não é possível num mundo de relações complexas que exigem a submissão a algum poder.
No entanto o nosso problema com o poder não está resolvido. Ele consiste muito em deixarmo-nos deslumbrar pelo poder dos políticos. Eles aparecem nos telejornais, dão entrevistas, fazem declarações e nós ficamos embasbacados. Até pequenos títeres de província, caciques de aldeia, quando têm uns minutos de tempo de antena depressa passam a figuras nacionais e a terem a sua eleição garantida.
A nível dos políticos nacionais este poder mediático imenso está mais repartido entre situação e oposição e dá origem a batalhas mais renhidas que têm o duplo efeito de nos causar repulsa e deslumbramento. A gravidade do problema reside em que isto é sinal de que já perdermos a noção, eu diria mais, ainda não chegamos à noção do que é razoável, do que é ponderado, proporcional, apropriado, aplicável na prática.
Assim admiramos os políticos, as suas excentricidades, as suas arrepiantes vulgaridades. Cobiçamos a sua vida por coisas fúteis, condescendemos com poderes excessivos de figuras pueris a quem entregamos mais facilmente o poder. As figuras mais sérias só nos atraem esporadicamente, que no geral ainda nos suscitam temor. Permitimos que o poder seja usado a propósito e despropósito, que no meio das influências legitimas se disfarçam intuitos desonestos.
Todos nós, os não deslumbrados, gostaríamos de exercer algum poder a propósito e de ter alguma influência legítima sobre outros ao mesmo tempo que aceitaríamos ponderar a opinião dos outros em relação ao que nos coubesse fazer e não dissesse respeito somente a nós mesmos. A colaboração com os outros é o caminho e a partilha o objectivo final a atingir.
Quanto ao deslumbramento, nem sequer sabemos se alguma vez acabará. Mas o grave está em que nem nós próprios podemos ter a certeza de que estamos perfeitamente imunes a esse mal. Haverá algumas noções que nos ajudariam a exercer o poder de uma forma moderada e justa. A mais forte é mesmo a noção de partilha que convertida em sentimento muito ajudaria à convivência humana. Mas não haverá dúvida de que o vazio de poder é um impedimento a essa partilha.
Para exercer o poder é melhor retirá-lo a alguém do que ocupar o vazio. Este é aproveitado pelos mais perversos que o utilizam como justificação não de um poder específico e limitado mas de um poder geral, suficientemente lato para permitir todos os sonhos de poder. Invertendo a questão dá a teoria de “ou nós ou o caos”. Nesta situação o deslumbramento é quase inevitável.
Quando temos consciência de que haverá outras pessoas prontas a exercer o poder com uma eficácia semelhante à nossa, quase automaticamente somos levados a exercê-lo com mais cuidado, de forma mais participada, de modo a suplantar por essa via todos os outros possíveis utilizadores. A democracia só avança se houver um número cada vez maior de pessoas habilitado a exercer o poder e se um maior número tiver uma participação genuína no poder.
A desculpa de muitos, que nos é apresentada a nós e também de certeza a eles próprios, é que as alternativas seriam bem piores do que a sua. Há realmente casos em que as alternativas sobram, no entanto de duvidosa qualidade, mas geralmente escasseiam e é nestes casos que a porta está mais aberta a todos os oportunistas. Porém este facto não dá direito a ninguém de excluir os outros da participação na gestão da coisa pública.
É o querer a exclusividade na gestão que leve muitos a não fomentarem qualquer tipo de participação. Quando a preocupação pela defesa do poder suplanta a preocupação pela sua melhoria permanente e pela sua partilha o resultado é sempre desastroso. A opção adoptada por muitos é a teimosia com recurso a argumentos laterais, o prescindir do aperfeiçoamento próprio, a exclusão do contributo dos outros. O poder torna-se um vício e o deslumbramento é o elemento viciante.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Seremos ainda uma sociedade conservadora?

Normalmente associa-se o Minho ao conservadorismo, a um atraso atávico, onde não entram ideias modernas, nem inovações. Há um certo erro nesta visão porque, paralelamente à formal, sempre no Minho se desenvolveu uma cultura de transgressão em muitos aspectos do comportamento. O Minho não é uma sociedade imóvel, apática. Só que as referências parecem não ter mudado e a transgressão não significa mais nada além disso mesmo, não representa uma vontade de mudança
Para caracterizar esta sociedade podemos recorrer a um aspecto da vida, um domínio de acção a que se possa atribuir a responsabilidade por todos os outros? Será de atribuir o conservadorismo à religião? Com certeza que a religião está associada a alguns comportamentos de contenção e sobriedade mas que as pessoas assumem também levadas por outros motivos. De certo que quem associa religião a conservadorismo também associa modernidade a excesso, o que é excessivo.
Haverá sempre alguns aspectos da vida que voluntariamente ou não assumem temporária e conjuntural a prevalência sobre outros. Qualquer domínio da actividade humana pode mesmo assumir uma importância desmedida e até alterar certezas tidas por absolutas. As forças e fraquezas próprias surpreendem-nos por vezes. Para sabermos se um domínio da actividade trava ou acelera a mudança exige-se um olhar sobre o que lhe é intrínseco e sobre o exterior hipoteticamente afectado.
O grande travão do desenvolvimento económico tem sido os próprios factores económicos. É a economia que se mostra incapaz de gerir convenientemente as suas insuficiências e os seus excessos. O grande travão do desenvolvimento cultural tem sido a própria cultura que não controla as suas próprias fontes de financiamento. Também o grande travão ao desenvolvimento político democrático são as próprias forças instaladas que condicionam a nossa visão das relações sociais, do ambiente e mesmo das formas de economia possíveis.
Não somos atrasados, entendemos é mal toda a organização social que extravase o domínio da nossa aldeia. O nosso mundo vivencial pode aumentar mas o conhecimento relacional mantém-se. De tal modo que gente que hoje é erudita, cultivada, cosmopolita, mas que tem a sua origem nesta terra, cultiva ainda essa visão estreita que lhe ficou da infância e para não perturbar as relações cá vividas assume, quando cá está, essa forma de comportamento reservado e obsequioso que nos caracteriza.
Tais pessoas são capazes de se baixarem ao nosso nível, embora usando uma visão estereotipada e essa sim ultrapassada, mas nós somos incapazes de nos elevar até eles, de colocar os problemas que eles colocam, porque para nós tudo se resume a uma realidade trivial e a alguns medos que a imprensa nos trás. A nossa visão do mundo desenvolveu-se com muito pouca formação, pouca mais informação e está condicionada pelo passado, pelo presente e pela falta de uma visão esclarecida do futuro.
Tal como o fazem com as aldeias os meios de comunicação social também vão criando e mantendo os seus estereótipos que falam daquilo que se desenrola nas grandes metrópoles, no sexo, na política e nalguns outros sectores mais especializados, mas que em nada nos ajudam a perceber a realidade. Limitamo-nos a ser caixas de ressonância, repetidores de umas vozes mais tonitruantes que por acaso se façam ouvir.
Ter voz própria nunca aqui foi uma ambição particularmente sentida. Há uns loucos que de vez em quando despontam e falam em dissonância com todos. Mas aí o discurso é incoerente e repentista. E como podia deixar de ser assim, como é que se poderiam desenvolver vozes personalizadas e com suficiente ligação à realidade nesta terra de fundos caminhos, altos muros, espessos bosques, culturas exuberantes?
Faltam-nos as grandes planuras, horizontes largos, visões diversificadas? Mas também nós podemos subir a altos miradouros, vislumbrar de lá planícies verdejantes, outros montes mais longínquos, ainda e sempre barrando-nos a paisagem. Só que não podemos permanecer lá tanto tempo quanto queríamos. Temos a beira-mar, essa imensidão líquida de que não nutrimos medo, antes nos atrai sempre. Faltam-nos os barcos para nos fazermos ao mar.
Podemos sonhar, só que os nossos sonhos não coincidem com os sonhos dos outros. Estes, aqueles que têm acesso à largueza da mundividência, têm os seus sonhos construídos noutra base, assentes em pilares de outra flexibilidade, movimentam-se melhor, aspiram a outros céus. A nós até este verde persistente e sombrio nos enche, não deixando espaço para outras cores, para outros odores, é um travão aos nossos sentidos. Somos duros, de cintura firme, de imaginação paralítica.
Não está em causa a beleza do local, a ternura da paisagem, a amenidade da aragem, o vigor que brota do próprio solo. Está em causa a saturação, o excesso, a asfixia, a necessidade de subir ao monte para respirar, evitar a paralisia, o atrofiamento, o definhamento e a necessidade de exercitar a voz. Principalmente exercitar a voz quando as vozes dominantes são monocórdicas. E conservadorismo existe quando isto acontece.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Votos contados, vale a pena falar?

Votos contados, não vale a pena falar, dirão os mais cépticos, dirão também os mais arrogantes. Vale sempre a pena falar, diremos nós, porque estamos a falar do homem, do seu modo de encarar a vida, os outros, e porque devemos alertar para o desdém com que alguns inteligentes serão tentados a encarar quem os produziu e para os abusos que alguns serão tentados a cometer sobre os mesmos.
Votos contados, vamos ao trabalho, que não querem ouvir falar mais em votos, dirão os mais fracos, dirão também os mais apressados, desejosos de pôr em prática aquilo que congeminaram à revelia dos eleitores. Vale a pena deixar trabalhar quem tem obrigação disso, mas também vale a pena aproveitar para pensar porque as coisas correram assim e não doutro modo qualquer.
E valerá a pena ser oposição, mas convenhamos que aqui deveríamos ter uma conduta mais comedida. Nas eleições nacionais é comum fazer-se oposição logo a partir do dia seguinte à eleição, sem um balanço feito, sem uma autocrítica, muitas vezes sem ter em conta as consequências dessa posição. Tanto nas locais como nacionais impor-se-ia que um balanço completo fosse feito porque o idealismo político de cada um comporta decerto alternativas mais flexíveis dos que as mostradas durante as campanhas eleitorais.
Porém mesmo quem se propunha trabalhar com os vencedores não pode ou não deve abdicar assim de rompante das suas ideias e passar a partir da derrota a perfilar outras, só porque aparentemente saíram vencedoras. Pelo menos haveria que ver se foram as pessoas ou as ideias que venceram, porque estas só parcelarmente são tidas em conta., e, se uma pessoa está bastante convencida da validade das suas, mais se deve empenhar na sua defesa.
Afinal o que faz as pessoas votarem? O que faz as pessoas mudarem de voto de umas eleições para outras, como acontece tão drasticamente em Ponte de Lima? Será apenas um benefício imediato, nem que seja só um bom relacionamento com os poderosos, que levará tantos milhares de eleitores a redireccionar nas autarquias os votos em relação ao que se praticara nas legislativas?
Mas as pessoas também gostam de se olhar ao espelho e de olhar do mesmo modo o seu grupo, a sua aldeia, a sociedade em que se integram. Será apenas o benefício mediático que levará a entregar a gestão da imagem àqueles que contribuem para projectar a imagem básica do concelho, mas também, reconheça-se, acrescentaram a essa imagem, para o bem e para o mal, algo da sua lavra?
Ou serão tão só as pessoas, umas com que nos identificamos porque elas se identificam connosco, e votamos nelas, e outras com quem não temos ligação, que nos são avessas, indiferentes ou fracamente apelativas e que não merecem o nosso voto? Afinal de que tipo de pessoas gostamos mais, aqueles que se identificam mais com o nosso estado de espírito, ou daqueles que nos dão ânimo para enfrentar o futuro?
Desde finais dos anos oitenta, desde que entramos na Comunidade Europeia e dela começamos a sentir a influência, desde a queda do muro de Berlim, que a política deveria ter deixado de ser vista com o empirismo de outrora. O relacionamento político pode estar enfim a um nível diferente do relacionamento social, inter-pessoal, familiar mesmo. A política pode dar um contributo para a dignificação humana que a própria família, abandonada à sua sorte, é incapaz de dar.
Quem votou neste ou naquele candidato a autarca deve ter para nós a mesma dignidade, mesmo que vejamos que houve factores que influenciaram o sentido do voto, sejam efeitos psicológicos ou materiais, do âmbito da coacção ou do constrangimento, da chantagem ou da sedução. Se houve quem se deixasse “levar” isso só revela a nossa falha política quando nos propomos defender os direitos e a dignidade dos outros.
Afinal o ser indefeso, que pode ser vítima, mas também o abutre pronto a cair sobre a presa, é o princípio e o fim de toda a actividade política. Elevar a dignidade do homem é também colocá-lo em situação de ser elemento de uma relação aberta, leal, igual entre quem é chamado a trabalhar na organização do Estado e quem tem que delegar em alguém as funções que ele próprio não pode ou não quer executar.
Quando há muito poucos a queixarem-se, há, do outro lado, muitos a rejubilar, porque é sempre bom estar do lado dos vencedores. No entanto a liberdade é suficiente para que possamos atribuir culpas próprias aos que se queixam e nenhum valor aos que enaltecem a vitória porque o seu contributo poderá ter sido nulo.
Aqueles que perdem fazem bem em repensar o seu enquadramento e a sua intervenção política nesta sociedade que, não os tendo escolhido, não formula desta forma qualquer juízo explícito de valor. O que não podem é ignorar, querer teimosamente persistir no erro e arrastar as organizações em que se inserem para um abismo permanente. O eleitorado perdoa melhor àqueles que são fracos mas ganham e não perdoa aos que perdem, mesmo sendo um pouco mais fortes. Ou será que só são teimosos?

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Dados lançados…votos à urna!

Depois das legislativas as eleições autárquicas serão subestimadas, dirão pouco a muitos, só alguns as relevarão, a esses dirão muito mais. O apelo interior ao voto, que cada um de nós sente nestes momentos, será nas autárquicas menor, sem dúvida, o apelo exterior com que a toda a hora nos acometem será nas autárquicas quase sempre maior, a proximidade produz os seus efeitos. O mais relevante do que se espera será que em muitos sítios as opções sejam outras.
São outras as funções a cumprir pelos eleitos autárquicos, outras são as qualidades exigidas, as expectativas criadas são doutra natureza e são estes factores que teremos que analisar e avaliar de modo a tomarmos uma decisão, porque ela nos é imposta. Mas levantar-se-á sempre o problema de como é possível que uns partidos não consigam pessoas de qualidade, disponíveis e empenhadas em exercer funções autárquicas “a tempo inteiro” e para outros parece sobrarem as pessoas e o seu problema é a escolha.
Como é possível que uns que até têm bastantes votos nas legislativas se desunhem para arranjar candidatos que concorram sob a sua bandeira e não os conseguem, senão à última hora, e outros agreguem a si com tanta facilidade pessoas de diferentes origens, prontas a desfilar sob bandeira alheia? Como é possível que uns nem com a preocupação de qualidade consigam as boas graças do eleitorado e outros nem precisem de preocupar com ela porque alberguem sob o seu manto gente de qualidade muito díspar e conseguem o apoio popular?
Essencialmente porque uns aparecem esporadicamente nas campanhas eleitorais, antes delas votam os eleitores ao desdém, depois do desastre enterram a cabeça na areia à espera que o flagelo passe. Para que é que eu me meti nisto, dizem os mais desiludidos pela sua fraca prestação. Má hora a que não resisti à vaidade de aparecer numa lista, dizem aqueles que nunca se deveriam ter metido, por não terem a humildade bastante.
E porque há outros que já ocuparam quase todo o espaço, que conseguem dar a ideia de que há falta de necessidade de haver no terreno outras organizações além das que os próprios controlam, que procuram convencer os outros de que são capazes de conciliar o interesse de todos. Para esses quem surge de forma meteórica não está interessado em defender os interesses de ninguém a não ser de si próprio. Quem procede desta maneira e é portador de tal estado de espírito não vai a lado algum. Vai passar o resto do tempo a olhar para si.
Então será que “ Os dados já estão lançados”? No geral nas autarquias os dados são mais antigos e os votos mais previsíveis. Quase tudo se passa como se o processo de decisão já esteja concluído há muito e como se tudo o que ocorreu depois não seja suficiente para abalar a decisão já tomada. As eleições são periódicas e, sejam quais forem os resultados esperados, deveriam obrigar-nos a uma reflexão mais ou menos longa. Porém a nossa preguiça mental não nos leva a tal, muito menos a reconsiderar votos feitos.
Se formos benevolentes é sempre tempo de dizermos que podemos fazer escolhas, que nem tudo está previamente decidido, que se não nos deixamos condicionar pelos outros também não nos devemos deixar condicionar por nós mesmos, que escolhas antes feitas nos não devem condicionar agora, que tanto nos podemos ter enganado então, como podemos estar enganados hoje. Sermos capazes de recolocar a indecisão e avançar a partir dai para as decisões é uma qualidade e não falta de coerência, como por vezes se diz.
. Quer dizer que o importante é sabermos como tomar as decisões. E neste aspecto o mais importante ainda é o sabermos que o que foi importante, o que pesou há anos pode-se revelar hoje perfeitamente irrisório, assim como podemos estar seguros de que o que nos parece importante hoje se pode revelar amanhã como um conjunto de pormenores ridículos que só foram levados em conta devido ao nosso “agrado” de momento.
Se nós adoptarmos um bom método de tomada de decisões podemos enganar-nos mas não temos razões para nos sentirmos diminuídos. Mas será que nos podemos decidir correctamente se a toda a hora nos surgem novos candidatos, novas caras ou então pessoas que nós conhecemos com outra roupagem? Será legitimo que nós nos deixemos levar por aqueles que já conhecemos há muito, que de algum modo nos acompanham, que de alguma maneira nos ajudam a superar este sentimento ambíguo de orfandade? Ou será melhor entregarmo-nos a um desconhecido, por mais méritos com que o cubram, e por mais convencido que ele esteja que nós o conhecemos?
Ninguém toma decisões sem “pensar”. Se muitas vezes não usamos todo o capital intelectual e tomamos reacções rápidas é porque o ritmo de vida adoptado nos convida a não gastarmos muito tempo a pensar e às tantas convencemo-nos mesmo que já sabemos tudo e decidimos pelo gosto de momento, pelo agrado, pelo mimo que nos é feito. Para os intelectuais o valor das nossas decisões depende da leviandade com que as tomamos, isto é, da maneira como nos deixamos impressionar por leves sentimentos ou por simples emoções de agrado.
Qualquer acusação de manipulação social não tem fundamento. É tão legítimo lutar pela manutenção de um ascendente já conseguido pelo apelo constante àquelas impressões leves, como o é o apelo a sentimentos fortes e cujo deslocamento até é muitas vezes mais do que evidente. Assim as nossas decisões não devem ser contestadas pelo seu valor, mas são os políticos que devem ser realistas e criar os laços que possam ser mais fortes do que os do adversário.
Se nas autarquias um partido tem uma votação interior à votação nas legislativas é porque os seus candidatos locais não têm o valor correspondente ao dos nacionais. Ou tão só não têm a persistência, não se querem submeter à exposição a que todos os políticos estão obrigados. Não se queira que a população veja da mesma forma um meteoro e um satélite geostacionário. Alguns laços ou pelo menos a disponibilidade para os estabelecer são elementos essenciais nas eleições locais. Não chega passar, olhar, andar por aí, nem chega sequer ter boas ideias, é preciso estar de alma e coração cá, com a gente de cá.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Teremos caciquismo em Ponte de Lima?

Veio à luz do dia uma ideia controversa sobre a existência de caciquismo, fenómeno que não é decerto exclusivo nosso, mas que, segundo alguns, adquire em Portugal uma dimensão desmedida. Essa ideia, só pela sua originalidade de referenciar o caciquismo na Madeira, nos Açores e no restante Pais e por excluir Ponte de Lima desse cenário, é uma injustiça que nos leva a abordar este assunto.
O caciquismo provém dos primórdios da política em Portugal quando se digladiavam progressistas e regeneradores em plena Monarquia, continuou com republicanos e democratas na Primeira República, teve um interregno de 48 anos com a ditadura, em que foi substituído pelo controle institucionalizado, e refloresceu com a democracia de Abril, talvez porque os excessos extremistas levaram ao extremar de dois campos, que entretanto se foram movendo e recentrando continuamente.
O caciquismo que existe em Ponte de Lima só se particulariza porque é válido em termos de eleições autárquicas e não tem a mesma expressão nas eleições de âmbito nacional. Casos semelhantes poderão existir noutro local, mas não é a regra genérica no País. O facto de cá haver um tão grande deslocamento de votos só pode resultar de um caciquismo particularmente egoísta, agressivo e persistente. Só o caciquismo pode manter uma tal hegemonia política, consegue impedir a alternância
Aqui não se trata de uma caciquismo global, absorvente, idêntico ao existente na Madeira porque aí é válido para todas as eleições e abrange mesmo outros aspectos não directamente políticos, afecta a vida corrente e todo o relacionamento social. Em Ponte de Lima não vamos tão longe, embora o panorama existente logo após o 25 de Abril não fosse muito distinto daquele que ainda existe na Madeira.
Houve em Ponte de Lima uma evolução que tentou acompanhar aquilo que se desenrolava a nível geral do País. Não está garantido que tenhamos evoluído menos do que os outros. Efectivamente os outros, aqueles que estão afastados de Ponte de Lima há muito ou os que sempre estiveram, têm quando vêm a Ponte de Lima, quando cá se instalam ou mesmo só quando a Ponte de Lima se referem o mesmo comportamento, a mesma forma de estar, as mesmas ideias que cá se propagam.
Então será que estas pessoas também são vítimas do caciquismo, que este tem um braço gigante? E que portanto o caciquismo já hoje se não exerce sorrateiramente, no “porta a porta”, no convívio desportivo, cultural, familiar, no caso extremo no confessionário? Pois teremos concluído que o caciquismo de hoje não prescinde dos velhos métodos, mas tem novos contornos, é uma influência de diferente natureza, exerce-se de forma indirecta, pela comunicação social, pelo acesso aos meios de informação.
Classicamente o caciquismo era exercido por duas forças que se digladiavam no terreno com altos e baixos mas com um certo equilíbrio a prazo. Esse caciquismo clássico não tinha substância intelectual, era uma influência exercida sem convencimento. Era um caciquismo primário que se desenvolvia pelo ascendente adquirido à base do poder económico, com dádivas, apoio e protecção e ponha em confronto dois “senhores”.
Hoje não há tanta ostentação do poder económico, obtém-se aquele ascendente através da ostentação do poder político, do poder de influência, dos bons relacionamentos. Os senhores da autarquia estão sempre presentes e espalham a sua influência, criam a sua rede de ligações. Porém nada mais legítimo se não fora este sistema ser baseado no uso e abuso do poder autárquico o que leva ao fim de um certo tempo a que uma só força política possa exercer o caciquismo, consiga arranjar pessoas que no terreno dêem a cara, exerçam a influência e controlem a situação.
O cacique de hoje tem que intervir no apaziguamento dos conflitos, no encaminhamento das energias dispersas, na criação de um clima de suficiência e satisfação para que se crie a onda, para que a comunicação social a tenha que levar ao seu destino. Este caciquismo moderno pode prescindir do existente na Madeira onde o regime é de maior constrangimento, mesmo de coacção institucional.
Aqui como lá o caciquismo está em permanente actividade, aproveita todas as oportunidades para dizer que existe, mas reconheçamos que cá só aparece para cobrar o pagamento devido nos períodos eleitorais, tem algum pudor em se exercer institucionalmente. A comunicação social facilita a sua vida, encarrega-se de manter viva a chama, mas o caciquismo sabe que não é seguro confiar nela e aqui é que pode haver coação ilegítima.
Se no geral o caciquismo intervém a todos os níveis e em todos os terrenos, mas fundamentalmente ao nível mais básico, actua logo na primeira instância do relacionamento social e aproveita toda e qualquer dependência que possa existir entre as pessoas. Se estas pressões podem ser imorais, só serão ilegítimas se exercidas sobre os meios, como a comunicação social, que devem estar disponíveis a todos os sectores sociais e políticos. De qualquer forma o caciquismo é condenável.
O caciquismo imiscui-se até nos relacionamentos familiares, mas não promove directamente a exclusão a não ser em casos extremos. O caciquismo lava as mãos sobre os efeitos dessa intromissão, não se preocupa que as pessoas, na sua vulnerabilidade, ponham em causa valores que deveriam defender dentro da família, dentro do grupo, na sociedade. Por isso não haverá evolução enquanto na política se não defender a promoção da liberdade, independência, da solidariedade, da partilha.