sexta-feira, 15 de setembro de 2006

As Feiras Novas são Uma Festa Ímpar

Muitas festas se fazem, algumas perduram durante uns anos, mas, subitamente, finam-se com certeza porque se deterioraram, porque perderam o brilho. Às vezes até acabam por terem sido copiadas com sucesso para um lugar que se veio a mostrar mais adequado. Como se diz agora, foram deslocalizadas.
Muitas festas desvirtuaram-se, adaptaram-se aos novos tempos para além do razoável. Tal tem acontecido um pouco por todo o lado e dado literalmente cabo de muitas das festas tradicionais.
As Feiras Novas, pelo contrário, parecem imunes a estas mutações, estão perfeitamente localizadas, são nossas, de quem se fizer convidado e vier por bem, que é sempre bem recebido. As Feiras Novas são únicas e inimitáveis.
Vêm roulotes e atrelados de todo o lado e a tempo de ocupar os lugares já escolhidos de há muitos anos e que se não trocam, mesmo se as condições são menos próprias. As casas também se abrem fraternalmente a amigos de outros tempos e aos que são trazidos de ocasião.
Vêm pessoas por um dia mas muitas não perdem a festa inteira. O apelo da festa é irresistível para quem já cá veio alguma vez. Vem gente até de onde não lembraria ao diabo. Depois vêm também os curiosos, aquelas pessoas à procura da alegria daquele encontro com quem nunca se encontraram. Mas que, se não for neste, há-de acontecer para o ano.
Os homens nunca se limitaram a manter entre si somente relações de carácter permanente. A vida faz-se de muitos encontros espontâneos e fortuitos, de reencontros e de revivências. Se, nestas festas, muitos encontros são esperados e até programados, ainda há muito daquele imprevisto que dá colorido à existência.
Mas os relacionamentos pessoais circunscrevem-se cada vez mais a círculos fechados, restringem-se em cada caso a motivos certos, específicos, já quase planeadas e previamente definidas. Simplificando, tudo se resume a uma partilha em condições que se preservam e não generalizam.
Cada vez há mais locais apropriados, mais especializados, para que aí se mantenham relações normais de convívio. As pessoas também sabem onde se devem dirigir para simular a participação numa festa. Comercialmente tudo é fornecido e naturalmente explorado.
Também se corre o risco de a Internet passar a ser menos uma janela para o mundo e a ser mais um refúgio num mundo adverso, cada vez menos feito à medida do homem. Na rede mundial, outros mundos se podem criar artificialmente.
Mas estas festas mantêm a velha traça de local para a mais ingénua e pura vivência e para a partilha da alegria. Cada um só trás consigo o que tem de mais genuíno, ou então rapidamente se despe de preconceitos.
As Feiras Novas mantêm o seu brilho próprio e, malgrado algum atentado de que têm sido vítimas, subsistem muitas das características que fizeram delas aquelas festas genuínas, com um ambiente cordial para o negócio e alegre para o divertimento.
Se não vale a pena realçar os seus pontos negativos, também não é necessário escondê-los. Tão só notar que eles se têm agravado. Principalmente nos quinze dias anteriores e posteriores às Feiras Novas, a Vila de Ponte de Lima é tomada literalmente de assalto, é instalado um imenso acampamento selvagem.
Atropelam-se todas as regras, adulteram-se todas as convenções, conspurca-se todo o espaço, impregna-se a atmosfera que respiramos dos cheiros mais estranhos, põe-se no ar ruídos agressivos e inabituais.
Alguns dos cá da casa queixam-se do barulho, mas não fogem mesmo que tenham para onde. Todos nos esquecemos de algum inconveniente, de algum atropelo que sempre aparece, até de algum sacrifício e todos nos juntamos à festa.
Os de fora adoram esta confusão e este rebuliço e chegam-se a eles. É o apelo dos bombos com os seus gigantones, dos gaiteiros e concertinas. São as bandas musicais com os seus acordes, ora suaves ora subitamente retumbantes.
Paramos para os ver passar, para os ouvir, para partilhar. Todos ocorrem aos acordes harmoniosos das concertinas, às danças e às cantigas aos desafio, brejeiras, que se já lá vão os cantadores que invocavam as escrituras sagradas.
Não há ruído que nos perturbe porque só temos ouvidos para a harmonia. Até o fogo de artifício, magnífico e esplendoroso, se assusta e deslumbra, logo coloca uma harmonia radiosa neste aparente caos.
Uns não dormem porque não podem, custa-lhes a aguentar esta súbita alteração da habitual acalmia. Mas outros não dormem porque não querem. Ou dormem a desoras, quando já não houver forças para mais.
Se às vezes a festa parece fraca, logo estará de arromba. Se o sortilégio nos não atinge neste momento, ele nos atingirá com certeza para o próximo. Ninguém quer e ninguém fica de fora.
Houve anos em que choveu imenso e a festa não abrandou. Houve anos em que o rio nos atraiçoou e a festa mesmo assim continuou. O desânimo não nos atinge, não passa por cá.
A festa tocar-nos-á sempre, estejamos nós ou não predispostos a ela. Alguém se encarregará de lançar um rastilho a qualquer momento. Com pouca brasa já se fará um grande braseiro. O fogo da festa a todos vai contagiar.
Para todos haverá a sua parcela da festa para partilhar. Todos, à sua maneira, também vão contribuir para ela. Ninguém cura de saber se é maior o quinhão que dá às festas ou aquele que recebe.
O prodígio das Feiras Novas ainda vem do tempo das festas das colheitas, quando, passado um verão de trabalho, havia que ganhar ânimo para levar de vencida o que neste ano ainda faltava fazer.
Com as festas acumulavam-se forças para ultrapassar da melhor maneira um Outono que se avizinhava e que mais parecia um Inverno. As festas eram um breve interregno revitalizador na labuta de todos os dias.
Com as festas celebrava-se o sucesso de um ano agrícola. Hoje já não é bem assim, mas elas continuam a ser o fim de um ciclo. Vai começar um novo ano escolar, podemos dizer um novo ano económico e de trabalho.
Na festa esconjuramos o espírito do medo, abraçamos decididamente o futuro. Na festa preparamo-nos para os momentos de tristeza, mas abrimos os nossos braços à esperança.
… que para o ano há mais, com mais força e energia, aqui, neste lugar ímpar e grandioso.

Um agradecimento à vida

Desculpem-me se, de algum modo, estou a contribuir para manter aberta uma porta para a dor que terá que ser encerrada quando terminar o luto e passarmos à memória.
Dona Carolina Guimarães era uma mulher decidida, lutadora e corajosa que soube, com o apoio do seu marido, manter desfraldada uma bandeira de liberdade, por entre vicissitudes várias a que a foram sujeitando, antes e depois de Abril, no sentido de tentarem arregimentar o seu jornal.
Dona Carolina Guimarães soube reagir, defender-se, encontrar o melhor caminho de independência e isenção, mantendo-se fiel aos princípios que nortearam o seu Pai.
Dona Carolina Guimarães foi um exemplo, como poucos, de coerência, não se deixando levar ao sabor dos ventos ocasionais que, infelizmente, vergaram muita gente mas que por ela passaram impotentes perante a sua postura firme de pessoa consciente que a história sempre acabará por dar razão e por enaltecer o valor daqueles que sobrevivem incólumes às tempestades.A dignidade com que viveu Dona Carolina Guimarães, o empenho com que lutou, a obra que realizou, a amizade que espalhou, são motivo bastante para que expressemos um voto de louvor e agradecimento pela sua vida. Obrigado!

Os residentes no Parque da Peneda-Gerez pedem maior apoio

A Comissão Eventual da Assembleia da Republica para os Fogos Florestais visitou o Parque Nacional da Peneda-Gerez em 12 de Setembro, inteirando-se da extensão e consequências do maior fogo que lavrou em território nacional este ano.
A Mata do Ramiscal em Lordelo constituiu o primeiro ponto visitado, acreditando os técnicos na sua recuperação quase total, à semelhança do Carvalhal do Barreiro em Castro Laboreiro que, conforme se pode comprovar à tarde, se encontra em franca recomposição após ter ardido em 2005.
As paragens no miradouro de Carralcova e no Mezio para além de proporcionarem abordagens pelos técnicos de cada uma das situações, foram também aproveitadas para entrevistas às rádios e televisões e jornais que acompanharam a visita.
Os presidentes de Junta de Cabana Maior e Soajo apresentaram em nome das freguesias afectadas um caderno reivindicativo. Foram prestados esclarecimentos, sugestões e preocupações pelo Presidente e Técnicos do Instituto de Conservação da Natureza, pelo Secretário de Estado do Ambiente e por muitos deputados.
Foi manifestada a preocupação geral perante a possível erosão dos solos, a falta de alimento para as espécies que pastoreiam no Parque, a necessidade de uma reposição rápida das pastagens naturais com sementeiras apropriadas.
Por todos foi salientado a necessidade de reforço dos meios à disposição, eventualmente um meio aéreo, a criação de mais pontos de água, a beneficiação dos caminhos existentes e eventual criação de outros.
Uma maior colaboração entre a Direcção do Parque e outras entidades com interesses na área, como as comissões de baldios, aliás as maiores proprietárias, as juntas de freguesias e os particulares, foi realçada como única maneira de corrigir erros cometidos no passado.
Esta Comissão, de que faz parte o Deputado por Viana do Castelo Abel Batista, muito interventivo e interessado nesta problemática, irá apresentar em Novembro as suas conclusões e recomendações resultantes da experiência deste ano.

terça-feira, 12 de setembro de 2006

A Sr.ª da Peneda tão longe e tão próxima de nós

O que levará tantas pessoas, presume-se que há oitocentos anos, a calcorrear monte e vales, serras e rabinas, penhascos e desfiladeiros, para chegar a tão recôndito, inacessível e monumental lugar?
Os de Ponte de Lima muito têm contribuído para este sortilégio. Desde logo porque há quem atribua a um criminoso das nossas bandas a façanha de ter propiciado o milagre.
O homem degredado para as montanhas, desesperado, pronto a deitar-se a um precipício, arrepende-se no último instante por instigação divina. O remorso pode ter outro apaziguamento e o arrependimento outra saída.
E as várias edificações religiosas se foram construindo para assinalar tal episódio e possibilitar um melhor contacto do humano com o “sobrenatural”.
O templo actual, construído há cento e cinquenta anos por gente de todos os lados, teria somente a sua finalização, por artistas limianos, há quarenta anos, chefiados por Mestre António Lopes, de Bertiandos, Ponte de Lima.
Alguns dos que trabalharam na Peneda estão ainda vivos, entre os quais o também Mestre Hermes “Periquito”, de célebre família de canteiros. Construíram, entre outras coisas, a torre do lado direito de quem olha o Mosteiro da Peneda.
A Peneda sempre atraiu gente de todas as redondezas, incluindo de terras espanholas. Ao lado religioso esteve sempre ligada à festa da dança e da música que, agora que os romeiros andam de carro, continua a cá trazer imenso povo.
A Peneda é destino obrigatório para quem vê na magnificência da natureza uma manifestação não prosaica de escondidos desígnios e da pequenez das nossas angústias.

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

Um retrato histórico da Vaca das Cordas de Ponte de Lima

A nossa Vaca das Cordas continua a ser motivo de investigação, de obras literárias e de algumas polémicas. LUÍS DANTAS acaba de publicar A VACA DAS CORDAS EM PONTE DE LIMA numa bonita edição da colecção Baco.
Luís Dantas logo nos surpreende pela sua visão global, inserindo a Vaca das Cordas numa tradição mais vasta, que associa festa e sacrifício religioso. Mas a verdade é que, se alguém esperava uma fotografia linear da nossa Vaca, estava enganado.
A sua pesquisa incidiu sobre o fenómeno local e o fenómeno à escala das nossas origens civilizacionais greco-romanas. Em particular sobre as “fiestas de toros com cuerda” na nossa vizinha Castela e noutras regiões espanholas.
Luís Dantas questiona-se sobre o problema religioso que deu origem à proibição das touradas em 1567 e à possível razão da existência da Vaca das Cordas, como forma de contornar a obediência à bula papal de Pio V.
Este Livro não é um livro de tese, mas reconheçamos que fica lá perto. Fornece elementos numerosos, quiçá suficientes, para isso. Mas o Autor ou não quis tirar conclusões ou não achou os elementos bastantes.
Eventualmente poderemos considerar a nossa Vaca das Cordas uma forma mais benigna de outras práticas tauromáquicas que facilmente se inserem dentro de fenómenos religiosos com prática de sacrifícios à moda de outras tradições ditas pagãs.
E Luís Dantas vai até lá, mais longe no tempo, passando pelas festas de Corpus Christi e chegando às festas em honra de Baco ou Ceres que descreve com pormenores curiosos e divertidos.
Lacunas, que reconhece haver, na reconstituição histórica não são esquecimento dos historiadores, mas resultam de silêncios históricos dificilmente penetráveis, como diz o Autor.
O trabalho diligente de Luís Dantas é exemplar, porque se coíbe de especulações que as vastas fontes que ele conseguiu agregar poderiam permitir, pelo ponto de vista dum historiador menos exigente.
Que existem ligações históricas isso é evidente, que os fenómenos não nascem por geração espontânea é verdade. E têm sempre uma evolução gradual, uma repercussão não negligenciável nos acontecimentos futuros.
Mesmo quando houve grandes mutações religiosas, nunca foi possível romper, em absoluto, com o passado. Aos homens sempre foi difícil separar hermeticamente o profano e o sagrado.
Além do mais Luís Dantas traz-nos excelentes relatos de todos estes acontecimentos em diferentes períodos históricos, sejam da sua lavra ou oriundos da vasta bibliografia que nos fornece para complementar a sua Obra.
Esta Obra apresenta ainda excelentes ilustrações, obras de escultura e desenho, fotografias de autores anónimos e belos trabalhos de Amândio de Sousa Vieira.
Este livro de Luís Dantas não é superficial, tem a gravidade de um livro bem estruturado, bem documentado, sobre um assunto não leviano, mas que remete para os aspectos mais profundos da nossa alma limiana, melhor dizendo humana.
Este livro está longe de nos interessar somente a nós. A partir de agora qualquer outro estudo que se faça sobre os assuntos ligados às “festas bravas” e às suas variantes mais soft terá de contar com esta valiosa contribuição.
A partir de agora será mais difícil a alguns rejeitar liminarmente uma festa que nos está no mais íntimo: eh! Toiro! Forma de exorcizar medos, de dar nobreza a um animal que merece ser respeitado na sua força e destreza.

A Feira dos Ciganos

Povo nómada, poucos de nós se lembrarão e não muitos deles talvez, do seu passado ainda recente. Com a sua carroça, puxada a uma azémola ou a um burrito fracote, os cães a trás, os filhos em cima e eles ao lado, se o terreno dos caminhos não eram propícios para irem também em cima.
Mas os tempos mudam e eles, os ciganos, foram aderindo ao sedentarismo, assentando arraiais, ora em barracas, ora em bairros sociais, alguns também já em casa própria.
O seu ofício é o mesmo de sempre, é o ganha-pão dos que nós por cá conhecemos: o comércio. Antes vendiam pelas portas bonitas colchas e roupas vistosas. Hoje alguns já têm lojas mas a maioria ainda anda de feira em feira. A Feira de Ponte é uma das suas preferidas.
Têm um espaço e vendem um pouco de tudo, de preferência, claro, roupa. Logo pela manhã a maioria das mulheres que vêm à feira não deixa de visitar, em primeiro lugar, a Feira dos Ciganos, à procura das últimas novidades.
Aqui por pouco dinheiro se compra muita roupa. Roupa interior, roupa para as crianças, mas também muitas “senhoras” cá se vestem. A Feira dos Ciganos é o supermercado mais fornecido e divertido para comprar aquilo que se usa todos os dias e em casa tem de estar mais à mão.
Aqui tudo é a preço fixo, não se regateia. Há roupa para todas as carteiras e para todas as freguesas. É só escolher. È pró menino e prá menina. Para a senhora bem e menos bem.
A qualidade está à prova e ninguém é enganado. Todos podem pegar nas peças de roupa, virar e revirar para comprovar a valia dos tecidos. E todos vão satisfeitos porque para a feira cá voltarão.

As Feiras Novas são uma festa “Única”

Os cavalos no imaginário da minha infância

Na minha infância as Feiras Novas tinham o prodígio dos cavalos. Não eram só mais uma feira. Eram uma feira diferente, tinha cavalos. Cavalos de ferro e pau mas fundamentalmente cavalos de carne e osso como nós.
Na véspera já os preparativos iam adiantados, já havia carrossel e carrinhos, dizia eu à minha mãe que me acordasse bem cedo que eu queria ver os cavalinhos.
E assim era, ainda era noite e já eu os ouvia no seu suave trote a descerem a nossa avenida. E não mais conseguia dormir, à espera que a minha mãe se levantasse para que eu pudesse sair para os ver cavalgar a caminho da festa.
Logo que podia, esgueirava-me para cima do muro, onde ficava extasiado, que já me não apetecia sequer o pequeno-almoço. Este era um espectáculo único que eu sabia que só se repetiria dali a um ano e que eu não podia perder.
Eram belos os cavalos mas mais belos ainda os seus potros pequenos. Os seus relinchos encantavam-me. Tanto me apetecia saltar do alto do muro para cima de um deles e ir também com eles para a festa.
A alegria era tanta que eu pensava que eles gostavam da festa tanto como eu. Eram tantos potros que vinham do lado da Serra de Arga que todos passavam por aqui. Todos estavam contentes mesmo os que não traziam consigo a mãe.
Só depois troavam nos ares os foguetes dando início à festa. Petardos poderosos acordavam os mais distraídos, que não era o meu caso. Tivesse eu a liberdade destes cavalinhos para ir já para a festa.
A minha primeira visita ao chegar às Feiras Novas é, e sempre foi, à feira dos cavalinhos. Para mim o nosso duro e submisso garrano é uma referência obrigatória nas nossas festas anuais.
Estes garranos ainda hoje andam livres todo o ano nas serras à nossa volta. Juntam os aqui neste sábado de Feiras Novas para fazerem as suas trocas e lhes dar novo destino. Este cavalo há-de continuar a ter um lugar no nosso futuro.
Hoje raças mais elaboradas, de uma outra beleza, são trazidas para a feira. Raças que antigamente eram raras e que quando apareciam eram motivo da curiosidade geral. Hoje há quase uma inversão dessa atenção, o curioso é o que subsiste.
Se também a variedade dá colorido à feira, nenhum outro cavalo ainda conseguiu retirar o lugar e ofuscar o papel da nossa maior atracção: o bravo garrano. As suas qualidades são únicas e há quem lute pela sua preservação.

A importância da feira do gado nas Feiras Novas

Mas nós também temos outra feira de gado, mas que se realiza todos os quinze dias: a feira de gado bovino. Feira milenar, já foi o sustentáculo de todas as feiras, o entreposto de toda a riqueza. O gado era o mealheiro dos ricos e dos menos pobres.
Predominavam as vacas piscas, com os seus grandes cornos, luzidios se o dono era esmerado. Eram às centenas, perfiladas na devida ordem para que se pudessem ver bem pela frente e por trás. Eram motivo de bons negócios, mas também de grandes rixas quando alguém se sentia traído.
Há muito tempo que nas festas há um concurso para estas e outras raças e os mais belos animais das redondezas aparecem para a competição. Predomina agora o gado galego mas vêem vacas barrosãs e também cachenas e outras de proveniência exótica.
As cachenas são, na minha ignorância, uma espécie de subespécie das piscas, do género barrosão, características por serem mais pequenas, com cornos afiados, por se criarem nos montes com facilidade e produzirem pouca carne e crescerem com a lentidão que as caracteriza. Mas o resultado é fabuloso.

A animação matinal nas Feiras Novas

Vistos os cavalinhos e o desfile dos melhores bovinos há que continuar a festa. A manhã é mais dedicada ao comércio, mas os bombos, os gigantones e as bandas de música vão criando o ambiente, a animação que há-de contagiar todos no resto do dia.
Gigantones e cabeçudos são velhos amigos. Sempre a mexer, sempre a rodopiar, com as gaita-de-foles e concertinas a acompanhar, segurando uma grande cabeça e roupa a condizer, também eu gostava de lá estar.
Bombos de todos os tamanhos e feitios, grandes maças a bater, caixas a ressoar, é um barulho ensurdecedor, de harmonia precária mas cujo ritmo desperta os mais distraídos e atrai multidões.
Juntam-se no Largo de Camões ao meio-dia e há que dar o máximo, que pode estar em causa o contrato para o ano e é necessário sacudir aqueles que ainda não tenham apetite para o almoço.
Bandas de música, das melhores do País, que no inicio da manhã se saúdam em pleno Largo de Camões, antes de subir aos respectivos coretos, mais apropriados para os seus acordes. Apresentam-se com os seus melhores trunfos perante este “júri” exigente, de gente experiente e que vem de todo o lado.
No bulício geral a harmonia da sua música parece-me, por vezes, um desperdício, mas os mais aficionados acercam-se dos coretos quanto podem para não perder pitada destes concertos. O sucesso das bandas medir-se-á, claro, pelas palmas que recebem. Mas também aqui há claques organizadas.
Entretanto, enquanto ainda esperamos pelos bombos, também podemos dar uma volta pela feira, ver as novidades que sempre aparecem. Em cada ano há sempre algo mais apelativo que nos leva a gastar algum dinheiro que também é obrigatório deixar cá algum.
Há partes da feira em que é bem melhor pensar em lá ir de manhã para escolher as novidades, antes que tudo se misture. O aperto vai sendo muito, que a festa já começou. No primeiro dia ainda se encontra muita gente que passou a noite anterior a dormir.
Com o estômago vazio, principalmente se assistimos ao troar incessante dos bombos, uma boa sarrabulhada é o melhor manjar para o aconchegar neste dia. Se o sarrabulho for à minha moda melhor, mas convenhamos que isso não é fácil. Então, se não tiver sido convidado por um amigo, vá a um restaurante, não lhe vou dizer qual, mas há muitos de qualidade.
Podia ter continuado a falar da minha infância, mas seria um pouco insípido agora que estamos na ocasião de saborear um bom verde tinto da região. Que, se eu o não bebia nessa idade, corria sem dúvida em maior quantidade do que hoje. Mas ainda há quem resista ao império da cerveja.

A etnografia elemento maior das Feiras Novas

Bem comidos e bebidos a preceito, vamos ao desfile etnográfico que ganhou há muitos anos o lugar mais nobre dentro da festa de sábado. Mais elaborado ou menos, sempre mostrou muito do que são as tradições desta terra magnífica. É a melhor forma de recordar distracções, afazeres e misteres que por força do progresso técnico se vão perdendo.
Já se não vai de cântaro à fonte, nem de bilha de leite para namorar, não se malham os cereais ou o feijão na eira, não se fia e cultiva o linho, não se vai de carro de bois carregar mato ao monte, não se oleia a chiadeira e se aparelham as vacas com a chieira de outrora.
Isto é reviver uma harmonia perdida em que as pessoas se enquadravam de modo mais ou menos perfeito e consentido numa estrutura que só em momentos de crise era pesada, que tinham o seu prazer em vir à feira de balaio à cabeça, coberto com a sua toalha de linho.
Muitos e muitos mais aspectos da vida rural nos surpreendem, uns que ainda subsistem em pequenas comunidades, mas em vias de extinção, outros já irremediavelmente perdidos. Quando já se não fazem as coisas na vida real, é necessário um grande esforço para dar naturalidade a esta representação, para que ela não descambe também no artificialismo.

O Desafio e o Remate de um dia de Feiras Novas

A festa continua no arraial e com a noite, por todo o lado, surgem concertinas, normalmente em grupos, rusgas preparadas por amigos, tocadores a acompanhar cantadores que não faltam à chamada, que o apelo é forte.
Aqui é melhor voltar à infância, porque aqui, se a tradição se mantém, não há representação mas já há muitas diferenças. Pela perspectiva da quantidade até há um reforço significativo derivado da acção de muitas associações na expansão dos instrumentos musicais mais difundidos, como a concertina e o cavaquinho.
As diferenças residem mais no canto, que aqui não acompanha esta evolução quantitativa e tem uma regressão qualitativa. Não só no canto ao desafio, naturalmente mais difícil, mas até no simples canto das velhas canções tradicionais. Não fora o cantar da Serra de Arga e já estávamos no ponto zero.
Na minha infância havia os cantadores profanos e aqueles outros, cujas referências que faziam às escrituras pressupunham haver neles alguma cultura de seminário. Estes cantadores davam um toque mais sério para aquilo que não pode ser brejeirice gratuita.
E havia grupos de cantadeiras habituadas a cantar no campo, enquanto executavam os trabalhos agrícolas, e que, acompanhadas às vezes por uma só concertina, já velha e fraca, ainda assim conseguiam encher a atmosfera de um canto sublime. Cantava-se muito pelos caminhos.
Como não tenho jeito para cantar, aqui deixo o desafio a outros porque é necessário vontade, saber e voz para levar adiante uma verdadeira recuperação da genuinidade das nossas cantorias, em especial de desafio. Enquanto vamos guardando o pouco que ainda temos.
A noite já corre para a madrugada e nós vamos assistir ao fogo de artifício, que, também por força da técnica, é bem diferente, agora mais esplendoroso que no passado, mais estridente nos seus petardos, mais luminoso nas suas cores.
Depois vem a noitada, um pouco de desvario, uma noite mais viva que em tempos idos, menos ingénua, mais participativa. Mas faltam os estabelecimentos abertos, o convívio mais familiar, os dançares de outrora, houvesse chuva ou frio.
O remate era um café de saco e chocolateira. O braseiro estava sempre bem vivo, pronto a ser reavivado a pedido dalgum cliente. Mas havia também um hidromel ou um bagaço puro daquele que aquece bem o estômago e o coração. Os mais fracos em qualquer lado procuram o seu agasalho numa velha manta ou cobertor.
Amanhã há mais. Com este ou com outro melhor remate. Com este ou outro melhor aconchego. Mas sempre com a ideia que o importante é o encontro e a partilha. E nada mais se pode exigir a alguém. Em cada momento, cada qual partilha só o que pode.