sexta-feira, 26 de outubro de 2007

O cada vez mais difícil mercado da cultura

Uma das estratégias de venda de um produto é apontar para uma das suas possíveis qualidades, realçar o seu carácter decisivo na escolha a fazer. “Compre-me estas flores, olha como elas são belas, dificilmente encontra outras assim.” Se tanto chegar para que o comprador se decida tanto melhor.
Mas normalmente o vendedor preparado não pode ficar só por aí. Ele tem que destacar uma outra qualidade qualquer, por exemplo a robustez e durabilidade, para tornar mais consistente e apelativo o acto de comprar. Isto é, para tornar quase irresistível a intenção de trocar um bem pelo seu dinheiro.
Perante a resistência inesperada, quantas vezes o vendedor ainda tem necessidade de recorrer a mais um ou dois atributos que façam descambar definitivamente a balança para o seu lado. Até porque os anteriormente assinalados podem ter dito muito pouco ao comprador.
Por tudo isto ser vendedor não é tarefa fácil, exige estudo e conhecimentos diversos para seguir uma estratégia coerente e que permita que na hora se não revele qualquer sinal de improvisação. Se o vendedor não está seguro, como o há-de estar o comprador e este precisa de o estar.
Na transacção de bens culturais esta segurança é igualmente decisiva. De tal modo que muitos criadores, que isto de vendedores é para muitos pejorativo, para não correrem riscos desnecessários, se ficam pela primeira etapa do percurso que acima se apontou como necessário. Na verdade tudo tem justificação e não é sem razão que o criador fica por aqui.
Naquele caso a pessoa comprará porque o objecto é belo ou então não compra nada, por mais razões que pudesse vir a descobrir. O vendedor só conhece uma razão e na sua opinião não vale a pena estar a gastar tempo com um fraco comprador que não valoriza os atributos que lhe são propostos e está a menosprezar uma parte não desprezível da beleza universal.
Se o comprador não vê o mundo pelo mesmo prisma seu, também não vê como deveria ver o objecto que ele criou e neste caso a sua posse é pura estragação. Afinal é indigno de possuir um objecto de que não partilha a beleza que ele proporciona. O homem de cultura é arrastado para esta via por uma espécie de fundamentalismo que torna impuros os que olham com indiferença o que ele olha com paixão.
Quem trabalha em primeiro lugar para si é livre de pensar assim e os outros só aproveitam se quiserem. Quem trabalha para os outros tem que aceitar as suas opiniões. Mas mesmo este não aceita esta confusão entre ele e o vendedor normal. Este está disposto a tudo fazer para levar a sua missão avante e ele não tem pachorra para isso.
Sempre lhe parecerá que copiar-lhe os métodos é dar aos seus objectos o mesmo valor que todos os outros que ele vende têm. É rebaixar a sua “mercadoria”. A sua tem o valor que resulta de ele próprio ter ido buscar à beleza uma parte para nele colocar. Facilmente ele se convence ser dos poucos que tem acesso à beleza pura. Outra faceta do fundamentalismo.
Se virmos desapaixonadamente, retirada a parte do papel do vendedor que se refere a obter a maior margem de lucro possível, no restante se trata da mesma função de saber pôr ao dispor do comum das pessoas os bens de que estas necessitam para que a sua vida tenha qualidade em todos os aspectos.
Se o acto de criar foi mais ou menos doloroso, mais ou menos demorado, mais ou menos espontâneo, quem usufrui não está a pensar nisso. Pela criação cultural o homem desempenha um papel único no mundo. Mas se não tiver que “vender” esse produto, no sentido de o tornar útil para os outros, pode estar a “iludir-se somente com as suas capacidades criadoras”.
Analisando um produto sobre várias perspectivas, como o fazem os vendedores, pode chegar à conclusão que, acrescentando-lhe uma outra dimensão, pode obter um produto incomensuravelmente mais valioso, correndo embora o risco de concluir que construiu um castelo na areia.
Os compradores de cultura também se deixam levar em ondas e redemoinhos que permanentemente se formam e aceitam estatutos de criadores cuja consistência não avaliam. Também a cultura lhes deve fornecer armas para separar o trigo do joio.Cada vez mais as pessoas necessitam de estar munidas de meios que lhes permitam obstar à publicidade mais insidiosa e aos seus impulsos mais primários. Na cultura esses efeitos de certo que têm uma base mais secundária mas não deixam de poder ser descodificados. O mercado da cultura é cada vez mais difícil, por mais parecido com todos os outros.

Contra a insolente defesa da pena de morte

A vida perde-se estupidamente por vezes, deliberadamente noutros, criminosamente nalguns. No primeiro caso quando se deve ao desleixo, à negligência, ao desprezo pelas normas de segurança, ao voluntarismo, à indecisão. Nestas situações a “culpa” tanto pode ser de quem morre como dos “outros”, mas normalmente fica solteira.
No segundo caso a pessoa, conscientemente ou não, decide pôr termo à vida. Normalmente porque no seu espírito se instala um conflito insanável, para as solitárias forças do próprio, entre aquilo que ele pensa ser ou ter direito a ser e aquilo que a vida lhe reserva. É uma demissão perante o mundo quando esse conflito com o exterior está de tal modo interiorizado que lhe parece irresolúvel. Ninguém se mata por ter fome mas por achar que tem todo o direito a não ter forme e não encontrar solução que a sua própria dignidade admita.
No terceiro caso uma pessoa é privada da vida contra a sua própria vontade. As situações mais numerosas são aquelas em que alguém vê na eliminação do outro a única maneira de atingir os seus próprios objectivos ou fugir a uma punição eminente. Mas cada vez surgem mais situações em que alguém elimina os outros por vingança ou crueldade, mesmo quando não seja capaz de assumir o resultado e até se suicide em seguida.
O sentido de justiça humana tem lutado pela fuga à lei do olho por olho, dente por dente. Nós portugueses fomos dos primeiros a instituir um sistema diferente da pura réplica do crime de sangue. Isto chegaria tão só para justificar que continuemos a condenar a pena de morte.
Outra justificação é os muitos erros cometidos na atribuição da autoria de um crime, na gradação dos motivos que podem ir do mais fútil ao mais humanamente “justificável”. Somos emocionalmente inseguros e intelectualmente fracos para nos atribuirmos funções de juízes em matéria de tal gravidade.
Dir-se-á que, como vivemos em sociedade, delegamos esse poder no Estado e num sistema de justiça devidamente preparado. No entanto em todos os Países este se revela influenciável por pessoas e por ideias feitas, carregado de ineficácia na averiguação, na análise, na constatação da relevância social do crime, no julgamento propriamente dito.
Embora os sistemas de justiça sejam fracos e se desacreditem a si próprios pelas incoerências, pelas contradições, pelos vícios de que informam, isto não dá uma justificação para que deixemos de neles delegar, certos de que eles sempre farão melhor esta incumbência do que nós próprios a faríamos se entendêssemos fazer justiça por nossas mãos.
O que não podemos admitir é que o sistema se auto justifique. Temos que lhe impor sérios limites à arbitrariedade. Nunca lhe podemos permitir que prive da vida mesmo quem eventualmente se ache merecedor de pôr a cabeça no cepo. Aqueles que, dentro ou fora do sistema judiciário e judicial, pugnam pela pena de morte manifestam a leviandade de quem se acha infalível no julgamento dos outros. Há uma clara diferença entre ser juiz e justiceiro.
Os nossos impulsos, como resposta a agressões alheias, só são justificáveis em autodefesa e mesmo assim nunca nos livramos de que a situação se possa vir a revelar contraditória. Se nos for dado um momento para pensar, a não ser que a insolência tenha tomado conta do nosso espírito, já nos podemos achar suficientemente magnânimos para perdoar, mesmo que tenhamos a certeza que a ideia de alguém era aniquilarmo-nos.
Ao homem que lhe é dado esse momento para pensar, se não for capaz de ser digno dele, perde todas as características que o distinguem duma brutal fera.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Em defesa do Nobel da Paz

A evolução da humanidade não tem sido linear, seja qual for o prisma por que se veja. Há mais de dois mil anos que nós já vimos civilizações deslumbrantes protagonizadas por quem se tinha libertado da dependência da terra. Isto é, conseguiu-se que a terra produzisse o suficiente para o sustento dos que a trabalhavam e uma parte já substancial da sua produção sobejasse para que um grupo vasto não precisasse de lutar na terra para sobreviver.
Tais civilizações produziram saberes práticos e especulativos que nem sempre se preservaram. Por mais Impérios que se tenham construído à volta desses focos civilizacionais, eles não resistiram às hordas ditas selvagens, grupos em expansão em busca de espaço vital para os seus membros ou em consolidação dos seus próprios domínios.
Os grupos que adquiriram o controle desses vastos espaços quase sempre fizeram tábua rasa de tudo o que havia sido construído pelos que os antecederam nessas terras. Muitas vezes a vaga destruidora era tal que, para além da ignorância dos valores espirituais, sejam literários, musicais, religiosos ou outros, era o próprio património físico, arquitectónico que era ignorado.
Alguns, quando se aperceberam do valor do que tinham subestimado, já o fizeram tarde demais. Entretanto tinham desenvolvido a sua própria urbanidade, a sua própria cultura, o seu próprio estilo, a sua própria civilização. Beneficiando embora de alguma experiência acumulada que tinha sobrevivido, nem sempre conseguiram ultrapassar o patamar em que a anterior já se encontrava colocada.
A nós, tenhamos ou não avançado mais do que quaisquer outra civilização, interessa-nos saber tudo o que se passou no passado para não repetir os mesmos erros, seguir os mesmos caminhos sem saída, chegar aos mesmos bloqueios e estagnações.
Mais do que um fio condutor na história encontramos um fio de contas que empenhadamente vamos juntando, mas que nem sempre conseguimos segurar, que por vezes perdemos, que penosamente reconquistamos e recolocamos. E quando nos reposicionamos na história sofremos ao detectar falhas e descontinuidades que a imaginação não corrige.
Houve um retrocesso sempre que uma civilização agrária se sobrepôs, reestruturou os mecanismos sociais tendo por base os seus pressupostos e limitações. Demorou por vezes séculos a que novas forças, similares àquelas que tinham sido submetidas, conseguissem emergir de modo a poder estruturar uma sociedade independente e suficientemente forte para se não deixar regredir ciclicamente.
Podemos dizer que hoje há um patamar que a custo foi atingido, mas que está longe de estar livre de perigos, dado que a aparente estabilidade geopolítica assenta em critérios de força que nem todos aceitam.
Evidentemente que esta relativa estabilidades só existe porque os blocos mais fortes possuem ou compartilham o suficiente espaço vital para as suas necessidades. Há uma evolução global convergente que garante que, sem quebra de reciprocidade, se caminhe em direcção a um futuro mais solidário, sem conflitos dilacerantes.
Num mundo tão diverso, em que o homem se desenvolveu beneficiando ou sujeitando-se a uma tão grande diferenciação, as condições agora criadas, sem serem ideais, deixam-nos uma réstia de esperança de que esse futuro é possível.
Ao fazermos com que a evolução científica e técnica incida eficazmente no mundo rural, ao libertarmos daí forças para outros fins, ao chegarmos a que cada Estado dependa apenas dum restrito espaço agrícola para alimentar os seus membros, ao este negociar e permutar outros espaços vitais, estamos a caminhar no sentido da paz.
Se cada Estado vai ficando cada vez mais seguro do que lhe não vão subtrair a sua parte do espaço global já não podemos estar assim tão certos que a natureza o não faça. Por isso, antes que a natureza nos obrigue a invadir o território dos nossos vizinhos, negociemos com ela um futuro previsível para a humanidade.
A consciência dos perigos globais a que a vida na Terra está sujeita não nos pode passar despercebida e a atribuição do Nobel da Paz a quem se preocupa com este problema é sinal revelador da urgência com que ele tem que ser pensado. A ecologia entrou definitivamente nas questões que é necessário integrar e que sejam pensadas em conjunto e a nível global.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

O tempo da natureza, do trabalho e da festa

A proletarização da população portuguesa é um fenómeno relativamente recente. Proletarização no sentido mais lato de desvinculação da terra, de deixar de depender desta para o seu sustento, de fuga ao carácter cíclico da natureza, de chegada a um mundo de total dependência do exterior.
A maioria dos homens passaram a trabalhar para um indivíduo ou para uma organização em regime de exclusividade e sem outro pagamento senão o dinheiro. Alguns com mais sorte podem beneficiar com o trabalho dos outros se tiverem engenho e arte para os organizar sob a sua dependência.
O trabalho rural, seja de auto-subsistência, seja de assalariado, tem agora o carácter residual que em tempo era assumido pelo trabalho industrial. Este, associado ou integrando novas formas de trabalho, tomou o lugar primordial em termos qualitativos e quantitativos.
Podemos verificar que entre as novas formas de trabalho se pode incluir a gestão e a administração, o trabalho técnico e o operacional, o de investigação e o de manutenção, o aprovisionamento e a limpeza, genericamente todos são prestados da mesma forma do trabalho industrial.
O tempo em que o trabalho rural era entendido como o espaço normal das pessoas está quase definitivamente abandonado. Procurou-se durante demasiado tempo com medidas irrealistas, não apropriadas que o trabalho não agrícola não destroçasse o equilíbrio existente entre o homem e a natureza.
Cultivou-se um bucolismo serôdio para lutar contra a inexorabilidade do tempo. Criaram-se situações, como o sacrifício da unidade familiar, cujo corpo maior era mantido naquele espaço rural e o homem era destacado para essa actividade industrial, que não podiam perdurar sempre.
Uma ilusão se criou também para os mais favorecidos e se difundiu como verdade assumida: Seria possível disseminar toda a indústria e serviços pelo espaço rural de modo a que a família não fosse obrigada a desmembrar-se para exercer o seu trabalho e pelo menos alguns dos seus membros se pudessem manter pelo trabalho em contacto com a natureza.
Tomava-se como exemplo as indústrias de mão-de-obra intensiva, como o calçado e a confecção, facilmente instaladas no meio rural para aproveitar a mão-de-obra excedentária da agricultura. Mas esta situação revelou-se transitória e se aumentou os rendimentos de modo a reter alguma população não alterou significativamente a qualidade do trabalho e manteve a procura de trabalhos melhor qualificados e remunerados.
A tentativa de conciliação entre trabalho rural e não rural na mesma família, de modo a não a separar, mesmo que temporariamente, deu origem a uma desigualdade familiar insuportável. A interdependência é cada vez mais rejeitada, antes se busca a igualdade através da criação das mesmas possibilidades de obtenção de recursos.
Cada vez mais se caminha para o delimitar dos campos de actuação dos indivíduos e das unidades familiares, com a junção dos elementos da família no mesmo espaço de vida e de trabalho. Um dos efeitos evidentes, imediatos e irreversíveis é o abandono dos campos, a desertificação do interior.
A atractividade da vida urbana vai fazendo o seu percurso e embora continue a haver uma manifesta desigualdade nos rendimentos dos géneros, por habilitações literárias, por sectores, há uma vida social urbana que vai fazendo esvanecer essa diferenciação.
Os movimentos de regresso à terra, que por vezes se esboçam, não têm dimensão, não representam fenómenos de massas, não têm carácter definitivo, são, pelo contrário, manifestações ostentadoras, com carácter temporário, que se esboroam com o tempo.
Mesmo os investimentos que o Estado faz, cada vez menos directamente e mais através das autarquias, não tem efeitos práticos visíveis. O investimento não é reprodutivo, parece que todo se esvai no ar como o fogo de artifício das festas que cada vez mais proliferam por todos os cantos e esquinas deste País.
Afinal que maior felicidade podemos almejar que esta. O melhor do tempo é aquele que se passa a festejar, já que o resto sempre teremos que o passar a trabalhar e aí qualquer disposição serve. O trabalho é sempre um sacrifício e se podermos acusar alguém da sua dureza parece que ficamos mais aliviados.
Aquilo de que nós mais podemos acusar os políticos não é de estragarem o dinheiro, seja em festas, seja em sumptuosidades inúteis, antes é de desconhecerem o futuro ou, o que será pior, de o ignorarem deliberadamente. A economia faz o seu percurso quase autónomo e, se o Estado não nos alerta para ele, não somos nós que temos meios para o descobrir.
O homem, hoje liberto do ciclo das colheitas, não tem referências que não seja o dinheiro que possa angariar em confronto com o dinheiro dos outros e o grau de segurança que o Estado lhe possa dar.No fundo como acreditamos pouco em nós próprios, como ignoramos as subtilezas da economia, como associamos segurança a riqueza, entregamos alegremente o futuro nas mãos dos políticos e vamos à festa.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

O vinho, a última resistência na nossa economia rural

Se duas pessoas fazem negócio é pressuposto ficarem ambos a ganhar. Um porque prescinde daquilo que lhe sobra para ele próprio poder vir a adquirir aquilo que lhe falta e outro possa ficar com aquilo de que necessita. Quando esta última exerce um papel de intermediação estamos perante um profissional do comércio, um negociante.
Se duas economias fazem negócio entre si passa-se o mesmo que entre duas pessoas. Mas se duas economias se interpenetram as consequências são bem mais vastas e mercê das diferentes etapas do desenvolvimento de cada uma podem provocar alterações estruturais irremediáveis.
A nossa economia rural sempre negociou com a insípida economia industrial e quase sempre em clara desvantagem. A verdade é que os agricultores sempre se arrogaram um papel decisivo na economia, afirmando categoricamente que sem eles a restante economia não avançava. E foram mantendo um certo equilíbrio graças à política agro-industrial de Salazar, que foi adiando a catástrofe.
Só que a economia global em que agora estamos inseridos não se compadece com a falta de produtividade que temos na nossa agricultura. O sector industrial e de serviços são o expoente desta nova economia que assenta sempre em produtos agrícolas baratos. Por isso contribui a seu modo para fazer evoluir o mundo rural, até porque também precisa deles para os transformar e vender, usurpando-lhe assim os dividendos.
O papel primordial, motor, da economia rural está hoje totalmente ultrapassado por essa confluência de interesses que lhe são adversos. A abertura da economia a zonas de maior rentabilidade conjuga-se com a alteração de hábitos de consumo e leva a um contínuo declínio do sector na economia total.
Hoje a economia rural está absolutamente dependente, sem poder de negociação, sobrevivendo em muitos caos com o apoio estatal nem sempre benéfico ou sequer recebido pelos seus verdadeiros destinatários. Há muito dinheiro que se perde pelo caminho, porque o agricultor está sempre em desvantagem.
A economia rural não consegue impor quaisquer margens de lucro. Embora sujeita às contingências do tempo, das calamidades, das pragas, não lhe é permitido, como outrora, repercutir isso nos preços. Não raro a agricultura é obrigada a vender abaixo dos custos de produção. Na zona de minifúndio em muitas situações não se fazem contas aos ganhos e perdas que ocorrem nesta actividade.
A economia procura “impingir” aquilo que é na sua fabricação mais barato e dá mais lucro. A cerveja por exemplo. Como a sua margem de lucro é exorbitante, ela poda ser utilizada na sua promoção, através dos mais diferentes meios mas que visem preferencialmente a fidelização do cliente.
Como há-de o vinho lutar contra tão forte oponente, entre outros? A economia não brinca, não tem caprichos, nem sentimentos ou gostos. Tem números, exigências, resultados. Produzir pelo menor preço, impor o consumo subvertendo os gostos e os hábitos.
Nós não estávamos acostumados e não nos preparamos para este mundo. Salazar tolheu-nos as pernas, o aventureirismo pós 25 de Abril cortou-nos as asas. Mas também nós fomos culpados por ter contribuído para o desenvolvimento da economia. É neste sentido que nos temos que convencer em que não podemos atribuir todas as culpas aos outros.
Também nós, como culpados, temos de contribuir para a solução deste problema. Se procuramos outros modos de vida haveríamos de saber que as velhas maneiras estavam irremediavelmente condenadas à perdição. Não o fizemos, como noutros tempos, pela pressão demográfica e pela fome mas sim pela redução comparativa de rendimentos e pela chegada até nós dos inconvenientes e de nenhuma vantagem de uma nova civilização.
O mundo rural não mais será igual na zona do minifúndio. Zonas há que vão resistindo mais do que outras ao impacto da economia mas todas acabarão por soçobrar se não houver mudanças e apostas acertadas. A economia rural entendida só como complemento não tem futuro garantido. A economia familiar constrói-se hoje na base de outros princípios e valores.
O número daqueles que são só e exclusivamente lavradores diminuiu drasticamente. Mas nem esses têm o futuro garantido porque lhes falta capital para resistir. Até estes se terão que convencer que a vulnerabilidade do sector rural não é hoje maior ou menor que qualquer um dos subsectores industriais ou de serviços, mas os meios são diferentes, na agricultura não há deslocalização e as reconversões são difíceis e morosas.