sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Como encarar o medo … sem medo

Não podemos sobrestimar o medo e deixarmo-nos dominar por ele, nem subestimá-lo e negligenciar a sua força. É-nos exigida uma clara noção do que é isso afinal do medo, bem como do nosso enquadramento na realidade para que o medo permaneça de certo modo sob o nosso domínio. O medo resulta sempre de um desfasamento real ou imaginado em relação à realidade.
O medo chega até nós directamente ou trazido por alguém que o sente mais do que nós. Nós podemos não estar a levar a sério os perigos que a realidade comporta. Mas o medo pode ser acentuado indevidamente por quem dele pensa beneficiar através do domínio exercido sobre os outros. Muitas pessoas colocam-se do lado do medo, outras são preparadas pela família e pela sociedade para viverem desse mesmo lado, outros viciam-se nessa vivência em que o medo se exerce sobre os outros e nunca sobre si próprias.
Nem sempre é realista colocarmo-nos ao lado do medo, nem será possível durante muito tempo porque o medo muda mais depressa do que nós. A apatia, a falta de reacção que se junta à falta de iniciativa são atitudes de quem sente o medo e se não sente capaz de o acompanhar. Por seu lado a temeridade, a atitude de quem se coloca à frente do medo, para lá dele, e é mesmo capaz de assumir atitudes provocatórias, não é razoável.
O medo é o maior parceiro da nossa vida, que devemos querer bem perto de nós, que nos acompanha incessantemente, sublimado ou não, intelectualizado ou incrustado no nosso sistema nervoso, nas reacções primárias que já tomamos como congénitas. A nossa preocupação deve ser de vivê-lo naturalmente, sem pânico e sem desprezo, porque o medo, e o estado de alerta que lhe corresponde, são a forma mais sensata de estar na vida e em consonância com a realidade.
Estudar o medo é estudar as reacções a que ele dá origem porque se não há reacção é porque o nosso estado de alerta o não detectou e possivelmente ele não existe. O pior que nos pode acontecer é criar medo artificial ou não ser sensível às suas manifestações reais. Temos porém de ser muito mais confiantes nos nossos filtros do medo do que nos das outras pessoas.
A forma mais desagradável do medo é a personificada por uma ou mais personagens hostis que não conseguimos localizar no seu devido tempo. Podem suceder-se ou manifestar-se em simultâneo criando uma barreira inultrapassável, incompreensível e inacessível que nos persegue. Temos de ter consciência de que estas situações extremas já ocorreram, recriam-se em filme e esporadicamente ocorrem ainda na realidade e são profundamente traumatizantes.
Se necessitamos de filtrar o medo, não podemos fugir a ele. Criar novos contextos, localizarmo-nos noutras situações, esquecermo-lo, pode não constituir a melhor forma de o suplantarmos. Se o medo se mantém omnipresente é porque já o interiorizamos, sabendo-o ou não, não o conseguimos entender e passamos a ter que o aceitar na sua brutalidade. Só através da compreensão do contexto em que o adquirimos pode levar ao seu melhor tratamento e a uma diferente interiorização.
Vivemos numa sociedade que sempre conviveu com o medo e em que o medo era preferencialmente induzido na infância pela família e depois pelo relacionamento social e pelo Estado. A indução do medo era a forma mais eficaz de condicionamento social, de socialização, de educação. Com ele procurava-se evitar a conflitualidade social, limitar a agressividade, criar expectativas idênticas ao mais vasto grupo constitutivo da sociedade.
Hoje torna-se inconcebível que os medos se destinem a uma camada social em particular. Hoje a educação pretende-se igualitária, de modo que a inserção na sociedade seja a resultante de um aproveitamento das mesmas oportunidades por todos. Na realidade nem estas oportunidades são iguais nem o seu aproveitamento pode ser o mesmo com tão diferentes circunstâncias que podem estar no seu antecedente.
Nunca houve uma tão grande diferenciação social, com muitas mais camadas sociais e muito menos distanciamento entre elas, seja em quantidade seja em rendimentos, seja em preparação técnica e humana. Nunca o medo foi tão difícil de induzir porque a receptividade é cada vez mais selectiva. Por isso a procura que insistentemente se faz de outros métodos de educação destinados a diminuir uma agressividade que tem manifestações cada vez mais brutais.
A ausência do medo é considerada uma grave anomalia na formação da personalidade dos indivíduos. Quando um indivíduo já está impermeabilizado em relação ao medo corre o grave perigo de, à falta de uma formação adequada, seguir por caminhos menos adequados. Os temerários que não têm formação chamam normalmente cobardes àqueles que não assumem as suas posições da mesma maneira pretensamente destemida.
O simples facto de não partilhamos os medos uns dos outros é suficiente para que uns se sintam como não vivendo em mundos iguais ou semelhantes ao mundo dos outros. O desenraizamento que podemos experimentar, a estranheza que os outros nos podem provocar deriva de não vivermos os mesmos medos, de não lhes darmos a mesma importância relativa.
Cada geração tem os seus medos e o papel das gerações mais velhas deveria ser não incutir medos antigos mas procurar saber de que medos são agora os jovens portadores. Se nós conseguíssemos transmitir aos filhos os medos que nos manietam poderíamos conseguir estabilizar a civilização mas decerto penalizaríamos o progresso. O que ganhamos nós com que Salazar o tivesse conseguido durante mais de quarenta anos?

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Como é difícil o caminho da intervenção política!

Durante várias décadas não tivemos liberdade, mas as motivações económicas só por si foram-se diluindo e passou-se a um situação de resignação generalizada. Dado o longo período de ausência de liberdade criou-se porém uma grande ansiedade. As motivações para a intervenção política afinal não faltaram. A abertura democrática era o grande objectivo independentemente do que cada um queria para o dia seguinte.
Os partidos políticos são as estruturas que enquadram dentro de perspectivas possíveis as variadas opções pessoais e logo depois do 25 de Abril surgiram em catadupa. Também não faltou quem pensasse que era melhor regressar ao dia anterior, mas já no dia seguinte era impossível que isso acontecesse. E não tardou muito que tudo fosse irreversível.
A muitos custou abandonar a ideia de um Império que nunca teve o poder que se lhe quis dar. Mas também a outros custou não levar a revolução até onde queriam. A custo desistiram do comunismo à séria, puro e duro, projecto secreto que sempre alimentaram, como o reconhecem todos os dissidentes.
Ficamos reduzidos ao nosso território natural e condicionados como nunca tínhamos estado. Esvoaçaram sonhos imperiais e sonhos de pôr em prática velhas ideias comunistas que acreditávamos nunca tinham tido os intervenientes adequados e sabíamos estarem a claudicar em todo o lado. Também aqui haviam de falhar que a massa humana não é afinal significativamente diferente.
Os mentores do 25 de Abril, temerosos de um povo que tinha sido manietado durante tanto tempo, criaram expectativas irreais e ainda por cima colocaram-nas como realizáveis, como se elas pudessem ser o resultado de atitudes grosseiras tomadas por pessoas cuja personalidade tem esse traço como o mais marcante. O bom senso levou porém a que as pessoas entendessem resolver de modo mais pacífico as suas divergências.
Com mais ou menos relutância, lá fomos adaptando as práticas das famílias políticas europeias com que mais nos identificávamos. Com o passar do tempo e o amadurecimento dos partidos e de todas as instituições, a maioria afinal recuperada do regime anterior, foram-se criando barreiras a que muitos se não adaptaram e a falta de transparência tomou conta da vida política.
Se analisarmos a nível de ideias vemos que a coberto das grandes foram as mais pequenas e mesquinhas que foram triunfando. Em vez de pôr em prática qualquer projecto consistente foram-se adoptando soluções de curto prazo, atirando remendos para o corporativismo herdado de Salazar.
A Previdência Social foi servindo para fins políticos e só recentemente se instituiu um sistema alternativo e consistente de Segurança Social. À metade herdada referente à saúde deram o pomposo nome de Serviço Nacional de Saúde que cresceu desgovernado mas cheio de buracos. A governação tem sido no geral executada sem profissionalismo, com a atenção virada para assuntos imediatos. A competição eleitoral faz-se a um nível de verbosidade desligada da realidade, fazendo com que a pratica governativa se afaste significativamente do falado.
As desilusões foram muitas, e muitas pessoas se sentiram desenquadradas num regime político com bases demasiado movediças. Em compensação muitos viram os seus interesses particulares satisfeitos, mesmo que para tanto se tivessem que reposicionar na acção política. À política foram trazidos toda a espécie de oportunistas e de gente sem escrúpulos e que ainda por cima foram corrompendo alguns mais puros que lá estavam.
Com a democracia solidificaram-se os aparelhos partidários e as preocupações dos seus membros passaram a ser essencialmente de conservação e defesa das posições adquiridas e transmitidas segundo regras que eles foram manipulando. O essencial passou a ser estar no momento certo, no lugar certo, com a teia de relações adequadas para beneficiar da ocasião.
Se os partidos políticos, tão essenciais num regime democrático, deveriam estar abertos e serem receptivos à participação daqueles que assumam a defesa dos seus valores fundamentais, como será que se consegue isso sem que invejas, desconfianças, vaidades venham ao de cima e sem que se possam defender dos oportunistas que aderem no momento mais apropriado aos seus interesses?
As motivações pessoais são no geral legítimas. É muito complicado definir aquelas que se não enquadram dentro dos princípios defendidos por um dado partido político? Pode-se recusar a participação política de alguém que é ambicioso? Tal não pode servir de desculpa para que os partidos estejam na prática fechados. Por sua vez a opinião pública não mostra ter critérios precisos para definir quem deve exercer cargos públicos.
Muita da aversão que os políticos criam na população em geral deriva da barreira que se estabelece à entrada nos partidos políticos. As pessoas desconfiam do que se passa no interior dos partidos e preferem políticos desbocados, anti-sistema, tipo “que põem tudo em pratos limpos” mesmo que sejam corruptos. Quem se queira ter uma honesta intervenção política terá que ter motivações muito fortes, para se não deixar enredar em esquemas pré-concebidos.
Por mais contraditório que possa parecer, a opinião pública acolhe os políticos pela retórica e não pela ética, pela qualidade técnica, pelo profissionalismo. Os políticos referem-se às qualidades que não têm, sentimentos que não partilham, virtudes que não cultivam, é igual. As pessoas apreciam-lhes um certo ar de intelectuais que sobrevoam superiormente o nosso pobre mundo.

Falta uma base sólida ao PS-Ponte de Lima

Na primeira metade do regime democrático sempre o P.S. conseguiu uma representação mínima nos órgãos autárquicos, mesmo tendo em geral menos votos que nas legislativas. E quando o P.S.D. e o C.D.S. formaram a A.D., o P.S., por ser o único partido da oposição, conseguiu mesmo dois mandatos e uma votação significativa.
No mandato de Francisco Abreu Lima, eleito sem maioria pelo C.D.S., sucederam-se os ziguezagues que levaram ao descrédito da linha política do P.S. e conjuntamente do P.S.D., partidos apostados em obter as boas graças da Presidência e que se digladiaram sem princípios e sem valores. Em Ponte de Lima todos dizem mal do poder e todos querem ter lá um pezinho a qualquer preço.
O P.S. prestou-se inicialmente a muleta do C.D.S., mas as desavenças internas levaram Manuel Cristino a abandonar o C.D.S. e à perca da maioria desta coligação contra natura. O P.S.D., o partido em princípio mais contestatário da personalidade presidencial, aproveitaria a situação e coligar-se-ia com os dois elementos que ainda restavam ao C.D.S., teoricamente pelo menos.
O que se passou na prática foi uma destituição do C.D.S. da Câmara Municipal. O P.S.D governaria a Câmara durante cerca de três anos. No entanto o P.S.D. não conseguiria levar avante o seu propósito de ganhar a Câmara nas eleições de 1989. Mas a situação criada com equilíbrio entre P.S.D e C.D.S. em renhida disputa levaria também o P.S. a perder o seu mandato tradicional por efeito do voto útil, e adivinhem em quem, no C.D.S.
Começou aí uma longa travessia do deserto do P.S., entalado entre duas forças políticas que de inicio se equilibravam. No entanto Daniel Campelo haveria de desequilibrar em seu favor, destruindo a base social de apoio do P.S.D. Por sua vez o P.S. haveria de recuperar o seu mandato.
O mandato socialista foi exercido nesta fase de modo quase clandestino, dando a Daniel Campelo, também por força da greve de fome do queijo limiano e do seu voto em dois orçamentos de Guterres, todo o palco mediático. Nas últimas eleições haveria de “aparecer” porém Montenegro Fiúza a querer tirar o P.S. deste marasmo e a reivindicar uma voz mais activa na política local.
Montenegro Fiúza afastar-se-ia deste processo por necessidades pessoais. Tendo substituído a actividade empresarial que vinha exercendo pela actividade de administrador universitário da Universidade Lusófona que exerce principalmente na Guiné-Bissau, deixou a bandeira entregue a Jorge Silva, que entretanto se elegeu como líder concelhio e manteve uma voz activa no panorama político local.
O P.S. apresentou-se como que a única alternativa ao poder instituído, como o único partido capaz de recuperar e alargar a sua base de apoio. Com a fluidez da mistura de voto centrista e social-democrata e a escolha do candidato ou candidatos da direita dependente da conjuntura nacional, resta ao P.S. assumir de novo o encargo de constituir sozinho a oposição.
O P.S. de Jorge Silva é ambicioso e sabe que tem que fidelizar o seu voto tradicional e ir para além dele, para a área social-democrata. Para além do programa eleitoral, a visibilidade da lista contará muito. A idoneidade, a capacidade profissional, a disponibilidade para assumir atitudes cívicas sem interrupções e sem intervenção dos interesses particulares, a abrangência dos nomes, podem ser os trunfos a apresentar.
Conseguir a adesão de valores seguros na área social democrática é tão problemático como na sua própria área porque eles não sobram, pelo menos a olho nu. Infelizmente gente capaz gasta o seu tempo a reproduzir os debates desenrolados a nível nacional sem entrar em qualquer discussão do que lhe está mais próximo e que lhe afecta mais o seu dia a dia.
Há pessoas muito “sabidas” a nível de política nacional mas que a nível local são uns autênticos amadores perante os únicos profissionais da política que temos: os protegidos de Campelo e Abel Batista. A oposição em Ponte de Lima é envergonhada, irresponsável pelo futuro, temerosa de ver atingidos os seus interesses imediatos, de assumir roturas que se possam revelar insanáveis.
Depois há pessoas que vão passivamente para as listas, pessoas que gostam de aparecer nas fotografias mas que não acreditam nos seus próprios méritos para lá estar. O P.S. está apostado em corrigir estes erros e lutar contra políticos profissionais com gente activa, moderna, confiante, capaz de abrir perspectivas de futuro.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

O real e o simbólico na nossa vida

Todos vamos precisando de símbolos para nos relacionarmos intelectual e afectivamente. Muitos interiorizamo-los e assumimo-los como nossos, a quase todos vamos utilizando sem conhecer o seu criador. Muitas pessoas antes de nós já sentiram a sua necessidade e promoveram a sua criação. Nós já herdamos símbolos de alta complexidade, mas não podemos dizer que ficaremos por aqui. Outros se seguirão e uma pessoa só é tida por moderna se acompanhar esta sucessiva re/criação.
Um símbolo tem a subjectividade de quem o cria, mas que é depurada por quem o aceita e usa. O símbolo ganha solidez à medida que ganha precisão, sem que se possa dizer que ganha verdade. Este processo de que ninguém em particular é responsável corresponde a uma decisão que foge bastante ao conceito democrático. Mas a todo o tempo podemos aferir da adequada representação simplificada de um acontecimento, da mitificação de uma pessoa particular, da repercussão de uma data, da influência de um local.
Um símbolo consistente, que vingou, com certeza que não se vai diluir facilmente no tempo, na terra. Pode perder o sentido, ser substituído, deixar de ser utilizado, de ter defensores e apologéticos, mas permanece onde foi criado. Já não será verdadeiro, mas em última hipótese será o símbolo duma mistificação. Por isso quando se trata de um símbolo vivo há dificuldade de quem foi um símbolo de qualquer coisa, e não uma mistificação, deixar de o ser e regressar ao antecedente.
Estamos pois muitas vezes a criar problemas ao tornar certa pessoa como símbolo, sabendo que ela não vai suportar sê-lo toda a vida ou simplesmente é impossível que o seja, porque as suas características se vão alterar. Mas estes símbolos pessoais têm quase sempre uma alternativa, seguindo aquela máxima de que não há insubstituíveis. Simplesmente esta via quase sempre não tem sido seguida, o que tem dado origem a retrocessos e anacronismos.
Compreende-se a necessidade de criarmos símbolos, de os usarmos, mas não de nos apropriarmos deles. A realidade mostra-nos que, quando alguém pretende ser a personalização de um símbolo ou ter a sua representação, não conta com a relatividade das coisas e entra no caminho penoso de se achar a razão de ser do próprio símbolo. Para o compreendermos, para nele acreditar, temos que o limpar dessas apropriações que são uma dificuldade acrescida.
Mas existem símbolos que se criaram mesmo com o propósito de serem adoptados pelas pessoas. Muitos estavam ligados ao exercício de profissões mas com o seu declínio também os símbolos foram ficando para a história. Muitos tinham o intuito de transmitir a autoridade e destes temos um que persiste: O agente da G.N.R. de bigode e semblante grave faz com que o agente se sinta possuído das virtudes ou maldades simbolizadas.
Há símbolos desagradáveis de que gostaríamos de nos ver livres, porque já não dizem nada à nossa sensibilidade. Esta por sua vez já exigiria outros símbolos mais adequados à realidade de hoje. Com muitos dos antigos já não conseguimos pensar a realidade. As tentativas para criar novos símbolos quase sempre não vão além disso numa realidade tão mutante. Há uma dificuldade muito grande em a perseguir, em aceder-lhe e torná-la inteligível ou pelo menos aceitável através da simplificação de um símbolo, que tanto facilitaria a nossa vida.
O nosso passado tornou-nos dependentes dos símbolos. Sendo a principal preocupação a subsistência, havia pouco tempo para o estudo e até para o simples olhar para a realidade. Por isso os eruditos tinham tempo e imaginação para adequar a realidade às capacidades de entendimento dos que tinham que trabalhar para a sua subsistência e da sua intelectualidade. Um dos seus problemas é que, como quem os criou queria que a situação de subalternidade se mantivesse, os símbolos transmitem essa dependência.
Um símbolo será sempre uma aproximação à realidade mas pode ser mesmo uma mistificação da mesma. Quando a mente humana se preocupa mais com este aspecto não raro encontra discrepâncias exageradas e acha-se manipulada. Umas vezes achamos que os estamos a usar com uma certa inocência mas às vezes até nos sentimos perseguidos pelos símbolos de uma realidade que, se alguma vez existiu, já jaz estagnada.
A simbologia é um mundo à parte, que adquire cada vez mais autonomia à medida que cada vez menos podemos ver a realidade nua e crua, como ela eventualmente será. Passamos séculos a lutar contra certos símbolos para chegar à conclusão que não podemos viver sem esses ou outros. Mas vá lá que conseguimos vencer a pretensão de certas correntes de opinião que caminham pelo sentido inverso: Criam símbolos e lutam por adequar a realidade a eles.
Os diferentes símbolos não têm que ser coerentes por semelhança ou antagonismo nem podem ter mais valor que a realidade. A sua comparação é relativizada pelo tempo e pelo espaço. Mas de qualquer modo, mesmo que uns símbolos nos digam pouco ou nada, nós não os podemos ignorar e temos que procurar o seu sentido, ainda existente ou já perdido. Pormo-nos à sua margem não é de todo possível, nada conseguiríamos compreender dum mundo só por eles inteligível.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

A dificuldade do PSD-Ponte de Lima

A força política mais votada em Ponte de Lima em eleições legislativas tem sido sempre o P.S.D. Essa supremacia manteve-se, embora esteja ultimamente em declínio. Nas eleições autárquicas nunca se traduziu porém numa votação que lhe permitisse deter directamente a Presidência da Câmara.
No entanto o P.S.D. teve durante a primeira metade deste período democrático uma influência preponderante na política camarária, através principalmente de Josias Barroso e João Barreto. Isto quer tenha sido por via da A.D., quer tenha sido por via da situação minoritária do C.D.S. logo após o 1º. ano do mandato de Francisco Abreu Lima e o afastamento do Manuel Cristino.
Nas eleições de 1989 o P.S.D. tudo fez para, indo buscar os elementos C.D.S. do executivo que já controlava e concorrendo com eles à frente da sua lista, vir a ganhar a Câmara Municipal, o que, por força de uma larga aliança do eleitorado de todos os partidos descontente com essa situação, não aconteceu. O C.D.S. com votos até da extrema-esquerda e principalmente dos eleitores do partido socialista, recuperou a Câmara que tinha perdido na secretaria.
Fruto da sua política atabalhoada e sôfrega, que sempre se manifestou, embora nos anos de 1985/1993 com mais evidência, o P.S.D. de largamente maioritário nas legislativas, chega a minoritário nas autárquicas, onde, como é evidente, aquelas suas características estão mais próximas e mais se fazem sentir.
O conhecimento do passado será a melhor indicação para o que nos espera no futuro. Mas a sua política serpenteante não permite tirar ilações precisas e analisar na totalidade as implicações que a nova legislação por si apoiada vai trazer à política autárquica e às suas opções no contexto limiano.
Tempos antes das autárquicas de 2005 tudo esteve encaminhado para que houvesse a replicação em Ponte de Lima da aliança de governo de então entre P.S.D. e C.D.S. O P.S.D. local estava decidido a aceitar resignado a liderança do C.D.S. Também era uma forma de retirar a Daniel Campelo qualquer veleidade de concorrer contra o seu C.D.S., numa altura em que as suas relações com a direcção não estavam ainda totalmente normalizadas.
A queda do governo P.S.D./C.D.S. que revelou o quão pouco sólida era esta coligação, e o afastamento de Paulo Portas permitiu a Daniel Campelo impor a sua estratégia pessoal, descalçando o P.S.D. Este com Manuel Trigueiro apresentou-se às eleições de 2005 sem alma, sem estratégia, que, se não fora aqueles acontecimentos externos, tudo já estava vendido por dois pratos de lentilhas. Em contrapartida elegeu um só vereador, o pior resultado de sempre.
O P.S.D. só conseguiu estabilidade a nível nacional com chefes fortes como Sá Carneiro e Cavaco Silva mas mesmo nesses tempos as suas tentativas para se unir em Ponte de Lima esbarraram sempre em alguém. Seria despiciendo estar a referir todo o género de divergências entre as figuras mais marcantes e especular sobre a sua natureza. Honra seja que não se vislumbram grandes conflitos de interesses especulativos, mas possivelmente interesses mesquinhos, de carreira.
Todos encontrarão razões para o insucesso na actuação dos outros e, quando as coisas correm mal a nível nacional, o panorama local é pior ainda. Por isso, maugrado a recente eleição de uma comissão política concelhia, parece prematuro adiantar qual será a linha vencedora na hora exacta em que for necessário indicar os elementos que disputarão as próximas eleições.
De certo que o P.S.D. não vai querer repetir nenhuma candidatura do passado. Das duas vezes que o tentou a derrota foi maior na segunda que na primeira vez, com Gaspar Castro e Francisco Abreu Lima. Muito menos repetirá qualquer dos dois últimos candidatos, um que desapareceu, Mota, outro que se mantém persistentemente presente, Manuel Trigueiro, mas que não tem qualquer perfil para líder camarário.
Os velhos da A.D. ainda esperarão por uma aliança a nível nacional e estão prontos a ser aguadeiros do C.D.S. Os mais desesperados propõe mesmo uma lista conjunta com o P.S. que salvaria a sua honra mas se não justificaria de nenhum dos lados. Como não vejo estratégia permitam-me opinar.
O P.S.D. tem que se procurar afirmar de modo independente de qualquer outra força, o que nunca fez de modo duradouro, manter lideranças credíveis e não apresentar soluções erráticas. Como aliás outros partidos, não devia estar à espera de paraquedistas mas deveria preparar pessoas para exercer funções públicas de modo politicamente honesto e minimamente habilitado.

Não será também a ganância um pecado capital?

Os teólogos católicos que se debruçaram sobre este tema dos pecados, e de que conhecem opiniões, elaboraram uma lista de sete com poucas diferenças entre si. Os nomes talvez variem somente em função da época em que viveram e das circunstâncias que os rodeavam. Nas três principais dessas listas surge a Vaidade (2), Orgulho ou Soberba, a Inveja (2), a Ira (3), a Preguiça (2) ou Melancolia, a Avareza (3), a Gula (3) e a Luxúria (3).
Se de seis dos pecados se pode dizer que são os extremos do mesmo defeito humano que falta definir, porque será que a preguiça corre sozinha? A mesma força que determina o sermos vaidosos parece ser a mesma que impulsiona os invejosos. Também a gula e a luxúria parece terem a mesma raiz. A avareza está na mesma linha da ira. A preguiça está aqui sem companhia e não há dúvida de que ela é característica de uma realidade de certo modo estagnada.
Faltará acrescentar mais um pecado porque haverá uma força que não dá só preguiça, caso contrário, todos estaríamos para aí inclinados. No mundo actual podem-nos acusar de tudo menos de preguiçosos, que os há também principalmente se subsidiados. Cada vez é dada maior importância à ambição mas há quem se empenhe para além do que seria razoável em ver crescer o seu património pessoal. É o açambarcamento excessivo de bens.
Se eu fosse teólogo, e tivesse a preocupação social que hoje se impõe, concluiria que esse comportamento é gravemente lesivo do equilíbrio social. É natural que em tempos que já lá vão só se reparasse na falta de mão-de-obra e se subestimasse a ganância. Mas hoje, embora seja ainda complicado, já será possível definir um ponto a partir do qual toda a ambição é desmedida e toda a apropriação excessiva é pecaminosa.
Mesmo sem constituir um pecado mortal estabelecido nos cânones da religião, a ganância era no entanto um dos comportamentos humanos que há uns anos atrás mais chocava as pessoas. Infelizmente parece ser mal que se terá espalhado tanto que deixou de ser mal visto. Pelo contrário há já forças que acham a ganância tão importante para a economia como o é a produtividade.
Se houver empenho numa participação equilibrada da grande maioria da população na vida da comunidade não serão as grandes ambições pessoais que vão constituir a alavanca necessária para o desenvolvimento. O facto de haver hoje uma avidez desmedida, uma sofreguidão insaciável não é um sinal da força mas da fraqueza de uma sociedade com uma enorme desigualdade.
O ganancioso é um açambarcador sem escrúpulos que até pode ser bastante austero no gasto, ou pródigo na caridade, não sofrer de qualquer outro defeito, mas que tem um prazer especial em acumular de modo amoral bens, independentemente do seu usufruto. É sempre um indivíduo com poder bastante para colocar outros a amealhar para si.
Um movimento no sentido de tornar menor a apetência das pessoas por se apropriarem em excesso, isto é, gananciosamente, daquilo que lhes está à mão, porque ninguém pode ser dono absoluto de nada, seria bem-vindo, mas creio que, mesmo com os altos patrocínios que se lhe referem, esta causa não alcançará facilmente os seus objectivos.
Já muitas personalidades se referiram aos altos proventos dos gestores de topo em todo o mundo, questão que em Portugal assume um aspecto mais escandaloso dada a disparidades de rendimento. Cavaco Silva já a vai abordando com certa persistência em sucessivas ocasiões parecendo estar decidido a manter o assunto na agenda política até uma melhoria na situação.
Mas foi José Sócrates que identificou claramente o vírus provocador, a ganância, só que não chega, ficamos com a questão no domínio da ética. É necessário que na economia se diga que a ganância não faz qualquer falta, que as pessoas podem trabalhar com afinco e determinação quando têm outros valores como seus guias. Muitas vezes até o ganancioso, com o objectivo de controlar tudo, excede-se no esforço pessoal e não deixa lugar para outros.
Estamos no domínio do rendimento pessoais mas também valeria para as empresas que, com o fim de obter lucros desmedidos, exploram as condições de dependência do cliente em relação a si para o explorarem quanto podem. Aqui ganham os gestores mas também os sócios ou accionistas. As desculpas com a necessidade de serem empresas competitivas, de se defenderem da aquisição por estrangeiros, ainda mais vorazes do que elas, não as eximem de culpa.
Se mesmo na gestão das empresas as qualidades humanas dos seus gestores são importantes para determinar um comportamento social digno, é no benefício pessoal que aí possa ser auferido que reside a incoerência com o fim social da propriedade defendido por qualquer pessoa honesta. O aspecto pessoal é assim o mais indecoroso, desleal, pecaminoso em qualquer perspectiva ética. Impõe-se que se avance no sentido de sermos mais comedidos e solidários.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A política de hoje só é compreensível pela economia

Hoje em dia o poder da política não lhe é adquirido por direito próprio ou atribuído por outras forças mas é dado pela economia. À política compete configurar e administrar o poder mas a razão da sua existência, a base da sua manutenção é a economia. A economia assumiu um papel preponderante que já faz esquecer a identidade, a segurança ou outros aspectos tidos até aqui como fulcrais na estruturação das sociedades e na vida social.
O papel da economia sempre lá esteve mas como as nossas sociedades antigas como que paralisaram durante séculos, só se realçava o seu papel passivo quando havia movimentações, alterações provindas normalmente de factores externos, de invasões, domínios e libertações. A economia só passou a ter um papel activo nas cidades burguesas que se desenvolveram na Europa Ocidental.
Nós andávamos como que anestesiados e ainda atribuímos todo o papel activo ao poder e pouco desse papel à economia. Neste ponto a nossa Idade Média só há pouco terminou. A economia era tão só uma vítima do poder que a mantinha imóvel para se garantir a si próprio. A economia, mesmo com tantos dos seus principais agentes ligados ao poder, começou a ter necessidade de se libertar.
É certo que nem Salazar conseguiu manter uma imobilidade total pelo menos à volta das grandes cidades. Ainda que sob a orientação dos seus planos de fomento, e maugrado as leis de condicionamento industrial, a economia foi desempenhando em Portugal um papel cada vez mais activo. O 25 de Abril constituiu uma libertação para todas as forças económicas.
Nenhuma transição consegue ser linear e como todas também esta trouxe ao de cima as muitas contradições existentes. Numa economia débil muitas contradições tornaram-se insanáveis, isto é, não resolúveis sem a derrota de uma das partes ou sem que o Estado patrocinasse a manutenção de um equilíbrio instável. O mais dramático é que custou à maioria dos agentes económicos assumir um papel mais activo que lhes competia numa economia liberalizada.
A entrada na Comunidade Europeia criou muitas expectativas mas também as destruiu depressa ao promover uma transformação enorme na base económica e social em que assentava a estabilidade deste País. Os remédios não foram aproveitados, se é que isso era possível. A abertura ao comércio mundial veria a acentuar todos os processos de desagregação da economia tradicional.
É só ver como as forças mais conservadoras, também economicamente mais passivas, eram contraditoriamente as que tinham menos rendimentos e mais contribuíram para a não realização de mudanças drásticas. Se muito esperaram, menos receberam. Muitas estão definitivamente arredadas do progresso por não terem sabido assumir o papel activo que lhes podia caber. No fundo acabou por se instituir uma mudança radical que processos violentos nunca teriam conseguido.
A política deixou cair muito do seu anterior poder e a economia tem que saber aproveitar esta ocasião para se impor no seu papel central na estruturação da sociedade e na vida social. Não a favor dos ricos ou dos pobres, dos favorecidos ou dos remediados, mas a favor do desenvolvimento harmonioso das suas potencialidades de modo a que todos beneficiem.
Não há muito tempo a economia era vista com ciência fora do nosso alcance, própria só para iniciados. Os entendidos sempre a restringiam a um conjunto de normas e métodos que só eles estavam em condições se manipular. Havia, é certo, uma economia de pacotilha reduzida a fórmulas simples, própria, sem desprimor, para domésticas e merceeiros. No meio era o deserto.
De resto a maioria da população emprega todas as suas energias na labuta diária. A ansiedade por uma melhoria pessoal não deixa tempo a especulações sobre um tema tão esquivo. Os que se sentem com a vida estabilizada até acham mesmo despiciendo, os que não tem a vida estabilizada já têm por isso mesmo preocupações bastante para que lhe dediquem algum tempo.
Mas a actual situação é mesmo como que uma Nova Oportunidade, talvez a última para que as forças económicas, em vez de se digladiarem permanentemente entre si, passem a ter o papel activo que afinal lhes advém de serem a fonte criadora de toda a riqueza “visível”. A economia tem que ser capaz de dizer ao Estado que se remeta às suas funções institucionais, jurídicas, que trate da economia “invisível”, o ensino, os bens sociais e faça a redistribuição dos rendimentos. Isto sem resvalar para o liberalismo selvagem.
Também os órgãos de informação deveriam contribuir para transmitir uma visão da economia para todos os que não são entendidos. Ressalvando falsas interpretações, porque quando se fala de economia ela é referida a um pretenso cidadão médio nos rendimentos, nos conhecimentos, nos gastos e nas ambições.
Ao falar de economia cria-se sempre um estereótipo a que muitos dos leitores ou espectadores aderem facilmente. Pois devem ser advertidos para que, se não lhe corresponderem, se não deixarem passar por ele. Cada um deve saber com a possível exactidão o seu papel no todo da economia. Por exemplo, não podemos ser pobres para umas coisas e ricos para outras.
Não só as interpretações da economia são decisivas para entender o passado, o presente e principalmente o futuro, também elas nos dão uma melhor noção da maneira como havemos de entender, de actuar sobre o poder político e em última instância de como exercer esse poder.

A área do C.D.S. de Ponte de Lima ainda não lançou todas as cartas

A alteração já acordada na legislação sobre eleições autárquicas determina que o Presidente da Câmara, a Vereação e os Membros da Assembleia Municipal saiam de uma só lista. As implicações que este facto determina são vastas e merecem ser analisadas no que se refere ao panorama eleitoral limiano.
Daniel Campelo já tinha posto de parte, avisado talvez que estava, a hipótese de repor a “A Nossa Terra”. Esta lista formalmente independente tinha-lhe permitido em 2001 concorrer à Câmara Municipal e deixar ao C.D.S. o encargo de elaborar uma lista partidária para a Assembleia Municipal.
No próximo ano, ou Campelo se submete ao capacete protector de Paulo Portas e aceita integrar a lista do C.D.S., ou concorre separadamente com nova lista independente mas que agora terá que disputar conjuntamente a composição dos dois órgãos autárquicos e deixa ao C.D.S. o ónus de ir contra ele ou de abandonar definitivamente o seu eleitorado.
Como Abel Batista já disse que se Campelo avançar ele não avançará, presume-se que seja mesmo que não consiga integrar Campelo na lista C.D.S.. Neste caso o C.D.S. desistiria mesmo de apresentar qualquer lista, com ou sem Abel Batista, mas ainda falta saber se oficialmente os seus correligionários e ele próprio integrariam ou não a lista de Campelo.
Mesmo que Daniel Campelo integre na sua lista elementos do C.D.S. conotados com a linha oficial do partido, estes jamais terão a possibilidade de constituir qualquer força autónoma dentro dos órgãos camarários. Tal não seria uma derrota pessoal para Abel Batista porque se sacrificaria por um amigo, mas não deixaria de ser uma clara derrota política e de ter repercussões negativas em relação a um partido cuja única amarra ao poder local é Daniel Campelo.
A última hipótese é mesmo Campelo não aceitar integrar a lista do C.D.S. e não se dar ao trabalho de formar a sua própria. Teremos então Abel Batista a avançar, a dar a cara pelo seu partido, o que como princípio será louvável, mas a aceitar a liderança de Paulo Portas, tão contestada em Ponte de Lima e em evidente decadência no País. As suas hipóteses de eleições serão muito menores, até porque nem será seguro que Daniel Campelo lhe retribua o gesto.
O que não se coloca como hipótese viável é surgir nesta área política um outro candidato que, perante a desistência de Daniel Campelo, entendesse avançar com ou sem o seu apoio explícito. Primeiro porque nunca teria o apoio de Abel Batista já que das declarações deste se subentende que, a não avançar Campelo, avançará ele.
Segundo porque se o apoio explícito de Daniel Campelo ainda daria um impulso a essa candidatura e levaria os apoios económicos a pensarem em dividirem-se por dois candidatos em vez de se entregarem a um, o que manifestamente lhes não agrada, a verdade é que seria uma atitude suicidária e veríamos duas máquinas bem alicerçadas no terreno a digladiarem-se.
Em terceiro lugar porque, sem o apoio explícito de Daniel Campelo, uma candidatura nessa área seria, como a de Carmona Rodrigues em Lisboa, uma forma de dar azo a uma vaidade particular, não seria politicamente correcta nem pessoalmente digna e, como isso é normalmente detectado pelo eleitorado, seria penalizada por isso. Nem todas as cartas estão pois lançadas.