sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Tratado de Lisboa, o tratado que se exigia?

Estava em estudo, em elaboração, em discussão, um tratado bem mais ambicioso do que o de Lisboa. No entanto a pressão do momento, os problemas do alargamento, as surpreendentes reticências das opiniões públicas dos mais sólidos esteios da Comunidade Europeia, levaram a este tratado minimalista. E se este responde minimamente aos requisitos exigidos para alterar a organização da U.E. no sentido de lhe dar mais funcionalidade, já não responde à necessidade de lhe abrir novas perspectivas.
A lógica do Mercado Comum, instituída para os seis países fundadores, mantém-se. Esses países tinham estados de desenvolvimento, recursos humanos de qualidade idêntica, tão só divergiam na posse de recursos económicos, em especial energéticos e minerais. Acordada a igualdade do acesso a estes recursos, não foi difícil prosseguir um desenvolvimento mais harmonioso e solidário.
Esses países fundadores entenderam que a sua organização deveria estar aberta a outras adesões, porque isso seria vantajoso para si, para a paz na Europa e por consequência para o mundo. Ora os países que se seguiram já tinham experiências diferentes e níveis de desenvolvimento claramente desiguais. Para agravar a situação, os muitos países da antiga zona de influência russa aderentes na última fase acentuaram a desigualdade e criaram novos problemas.
Provenientes de uma região de economia centralizada, não concorrencial e muito atrasada, em especial na produção de bens de consumo, chegaram à União Europeia por razões políticas numa altura em que esta ainda não tinha resolvido os principais problemas derivados das anteriores adesões, acentuados pela criação da moeda única europeia, a que nem todos os países aderiram, em especial a Inglaterra, país travão em relação a vários processos de integração.
Entre o Tratado de Roma e o novíssimo Tratado de Lisboa vários outros se fizeram, no sentido de ajustar o primeiro, dar resposta ao crescimento da Comunidade e aprofundar as políticas já preconizadas desde o início. O que maior repercussão teve foi o Tratado de Maastricht que instituiu a criação da moeda única, mas paradoxalmente permitiu pela primeira vez que uma decisão tão importante tenha sido tomada sem obrigar todos os países.
Não tendo sido global a adesão à moeda única, os países não aderentes são aqueles que aplicam na sua economia elementos de ponderação em muitos aspectos de forma diferente dos países do Euro. Estes sujeitam-se a uma gestão centralizada dos factores que influenciam a relação entre a sua moeda e a outra moeda universal, o dólar, e entre a sua moeda e a sua economia. Nestas relações não se aplica a versatilidade de que os países de fora da zona Euro desfrutam.
Os políticos europeus tudo fazem para disfarçar a diferenciação estabelecida, para omitir do panorama político a ambiguidade criada no espírito dos europeus. Mas na realidade eles meteram os países aderentes ao Euro num colete-de-forças, cuja elasticidade, por mais boa vontade dos países ricos, não é suficiente para deixar respirar os países pobres. Uma moeda tão forte não se coaduna com a economia de países que ainda têm de competir com China, Índia e outros países em fase de desenvolvimento acelerado.
Muitos sectores económicos dos países mais débeis dos que aderiram ao Euro não são competitivos, subsistiram durante algum tempo à custa dos baixos salários, com um diferencial de lucro que não suportou a alteração das condições em que operavam. A impossibilidade de desvalorizar a moeda só podia ser substituída pela descida dos salários e doutros factores produtivos, o que é de todo impraticável. Já os países não aderentes ao Euro beneficiam duma alternativa, o mercado encarrega-se mesmo em certas circunstâncias de fazer os acertos respectivos. Desvalorizando a moeda, vendem mais barato.
O Mercado Comum, ao caminhar para a unificação monetária e política, arrastou atrás de si a ideia subjacente de que era irrelevante o local onde se produzisse, transaccionasse e consumisse. Na realidade esse logro levou muitas pessoas ao engano, inclusive o nosso António Guterres. Muitos países prescindiram de produzir muitos bens primários agrícolas e outros, obrigaram os seus produtores a mudanças de ramo profissional e, enquanto isso foi possível, as repercussões nas economias nacionais foram sendo subestimadas.
Qualquer tentativa de recuperação naquelas áreas impõe logo investimento que não estão ao dispor dos antigos produtores. Torna-se ainda mais difícil a produção de produtos secundários se tivermos que recorrer à compra no exterior dos produtos primários. De qualquer modo a mais valia introduzida é cada vez menor. O custo do trabalho não é estável. Para agravar o problema as contas exteriores deterioram-se a cada dia. O Estado e os particulares, através do sistema bancário, recorrem cada vez mais ao crédito exterior para gastos improdutivos.
O crescimento da nossa divida externa só significa que a moeda única só agravou os problemas estruturais da nossa economia. O abandono da moeda única levar-nos-ia a um choque terrível com a realidade, mas talvez possibilitasse a manutenção por mais uns anos daqueles sectores em fuga, como a confecção seja de têxtil, de calçado, de estofos e quejandos da indústria automóvel. Embora se não veja outra possibilidade de obter de imediato trabalho, ninguém quer assumir derrota tão clamorosa.
Há uns tempos atrás o Tratado de Lisboa tomar-se-ia como um passo em frente. Nas actuais circunstâncias significa apenas um reordenamento interno de poder, sem qualquer repercussão nos sectores chave a ter em conta na governação da Europa. Em particular este Tratado não interfere na divisão internacional do trabalho, e o trabalho é o factor que tudo condiciona. Sem dinheiro, sem trabalho, o futuro português não se mostra fácil. Como recurso, resta-nos a solidariedade europeia, tão importante e que tanto menosprezamos.

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