sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Natal, o reencontro com o menino que há em nós

Meio século atrás quase tudo na sociedade, profissões, comportamentos, amigos, festas, nos era “imposto”. Porém no seu dia a dia a sociedade assumia uma naturalidade bastante consistente que nos levava a uma atitude de aceitação, de vivência das situações com uma certa autenticidade. Hoje andamos ao sabor das circunstâncias, nem sempre aproveitando a liberdade que temos. Ao menos não percamos aquilo que um dia vivemos.
A festa do Natal, inserida num contexto religioso que genericamente não era posto em causa, enquadrava-se dentro daquilo que na nossa vida há de mais genuíno e reunificador. Efectivamente em nenhuma outra ocasião do ano nos sentimos tão próximos das origens, tão impelidos para um regresso. E quase todas as pessoas se sentem mais próximas do seu íntimo, mais despidos de preconceitos, de papéis sociais, de vaidades.
A liberdade não é motivo para rejeitarmos esta herança do passado. Esta é das boas, porque tudo que nos leve a pensar na nossa situação e a reforçar os nossos sentimentos de solidariedade, é benéfico para nós e para a sociedade. É verdade que, por reforçar os laços de família, para quem a não tem e não fez a devida conversão, pode levar a estados indesejados de solidão. Mas também esses podem aceder a uma transcendência que nos deve acompanhar.
Uma Festa, por tão abrangente e virada para o recolhimento, até podia ser entendida como não possível sem imposição. Não ocorreria só com a nossa vontade individual mas mercê de uma ambiente colectivo criado. Sentíamos como que uma obrigação de ir à terra, de nos aproximarmos da família mais chegada, de visitarmos os amigos e conhecidos. A liberdade porém não nos fez esquecer esses sentimentos e muitas vezes até ajudou a reforçá-los.
Todos os movimentos colectivos, mesmo os mais autênticos, transportam porém em si alguma ambiguidade, podem suscitar sentimentos contraditórios. E em certas franjas sociais podem criar sentimentos de alguma rejeição, por exemplo quando uma outra franja qualquer se tenta apropriar da Festa para si. Felizmente o Natal é de todos e contrariamente a outras festas há um esforço para que continue.
O Natal é a época de preferência de reencontro. E digamos a mais apropriada para isso. Os reencontros de Verão são doutra natureza e leva mesmo a interrogar-me-nos sobre a forma como a época é vivida no hemisfério sul. Mas também se o frio, a neve, os dias pequenos e longas noites ajudam, somos nós que criamos a oportunidade para o intimismo da Festa.
O espírito natalício está tão arreigado que a maioria das pessoas sofrem quando se vêm impedidas de dar satisfação a este apelo de se juntar à família, de revisitar pessoas e locais de infância, de reviver referências e momentos que foram marcantes, embora e talvez por isso, muitas vezes já só a imaginação nos leve aos tempos recuados em que tudo tinha uma significado mais sincero.
O problema é que este espírito se pode perder, por não ser transmitido aos jovens de hoje. O consumismo tem aqui uma culpa determinante., a voracidade do comércio encaminha as mentes para se mostrarem enroupadas pelas prendas em vez de embelezadas por sentimentos e actos de generosidade e boa convivência. É a materialidade a inquinar a espiritualidade.
Quando tão mal se diz dos jovens convém pensar no triste espectáculo dos adultos que afinal são as únicas referências que eles têm. O desgoverno dos jovens é tão natural nas condições actuais como o anarquismo mental que tomou conta do pensamento mais em voga. É tão grave os adultos tentarem impor uma doutrina determinada, como só ter a vacuidade para dar.
Se podemos nos não identificar com o Menino Que Nasceu Para Nos Salvar, podemos e devemos identificar-nos com o Menino que nasceu para encontrar um mundo desorientado, dominado por forças incomensuráveis e cujas hipóteses de ser devorado por ele são imensas.
O meu Menino é incógnito, inlocalizável, sem idade e destino determinado. Encontra-se algures no meio duma calamidade, duma peste, duma guerra, subnutrido, ao frio ou ao calor, incapaz de avançar, de recuar ou simplesmente de alertar o mundo para a sua condição indigna e abjecta. O meu Menino não é vaidoso nem egoísta, não se veste de seda, provavelmente anda despido.
Decerto que esse Menino se identifica com todos os meninos que um dia sonharam salvar o mundo, que tudo fizeram para contribuir para isso, que, em reconhecimento de terem chegado a grandes, aplicaram muitos dos seus esforços na procura do entendimento e no reforço da paz. E decerto com esse Menino cujo nascimento no Natal se celebra.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Um bom vizinho é meio caminho

É uma ideia generalizada que a grande construção em altura, típica das grandes cidades, deu cabo das relações de vizinhança. Mas esta constatação é tão só o resultado de nós procurarmos fora de nós mesmos a justificação para todos os factos, inclusive para a existência ou para a eliminação dos sentimentos que vulgarmente nos animam.
Se houvesse vontade para tal, o facto de um prédio ter trinta andares decerto que não seria impeditivo de que se estabelecessem relações de vizinhança, pelo menos entre as pessoas dos andares mais próximos. Se recuarmos cinquenta anos veremos que nos prédios que já nessa altura existiam se estabeleciam relações diferentes das de hoje. A porteira conhecia todos e todos se conheciam entre si.
O crescimento dos prédios tem razões económicas e os mais calculistas dizem que os nossos sentimentos também as têm. Mas mesmo aceitando isso, tal não quer dizer que esses processos tenham uma conexão entre si. As mudanças nas relações de vizinhança têm origem na mudança da estrutura do tecido social, na alteração do cimento que dá consistência à sociedade. Nos prédios, seja qual for a altura, o cimento é o mesmo.
As relações de vizinhança ocupavam um lugar primordial nas relações humanas, quase sempre em importância logo a seguir às relações familiares. Até nas sociedades cujo tecido não era muito homogéneo todos procuravam fazer com que essas relações fossem positivas. Hoje estão relegadas para o final da lista, para o domínio do esporádico e perto mesmo do que é de evitar. Gerou-se um processo de criação de indiferença para com o vizinho, de ignorância do próximo.
As relações de vizinhança integram-se naquele grupo que hoje as pessoas entendem de relações de dependência e portanto rejeitam. Ninguém quer ser, nem sequer se quer mostrar dependente doutrem. Não se importam em perder o sentimento de segurança que derivava da união entre os vizinhos, sendo as pessoas cada vez mais favoráveis a um individualismo extremo suportado por um Estado forte e protector.
A vizinhança era o lugar por onde passava a construção de quase todas as outras relações que se estabeleciam entre as pessoas. Entendia-se que esse era um caminho seguro. Hoje essas relações começam, desenvolvem-se e acabam em domínios transversais que se diluem na sociedade, tem os seus pontos de maior concentração em novos centros de interesse que podem ser longínquos, morar na Internet, raramente na proximidade.
A escolha das relações que nos interessa desenvolver começa hoje num estado de ainda muita juventude e parte-se do princípio que elas podem assumir um carácter muito temporário. As relações de vizinhança são daquelas que, quando se estabelecem, há mais dificuldades e é mais doloroso rompê-las. Pelo que as pessoas entendem que o melhor é não investir muito nelas.
Outrora, além do empenho que a maioria das pessoas tinha em criar e manter boas relações, ao menos algumas, qualquer pessoa estranha, oriunda de outro meio, era absorvida ou, pelo menos, rapidamente se dava ao conhecimento e, num processo de assimilação com mais ou menos sucesso, também acabava por fazer parte integrante da comunidade residente.
Hoje estabeleceu-se um direito de reserva que, é bom que se diga, corresponde em muito à dificuldade de pessoas com percursos diversos e oriundas de diferentes meios têm de se darem a conhecer e de se abrirem aos outros. Hoje todos nós temos percursos com etapas que obedeceram a diferentes perspectivas, com expectativas satisfeitas ou desilusões aceites de modo desigual.
Igualmente temos perspectivas em relação ao futuro que passam muito mais por aqueles centros de interesses em que nós nos vamos ancorando. A maneira como encaramos a velhice também contribui para este alheamento em relação à vizinhança. Talvez quando lá chegarmos nos arrependamos mas também já estamos desiludidos sobre a hipótese de termos o apoio que outrora a família e a vizinhança emprestava aos velhos.
Quase todas as pessoas, mas em particular as que se sentem mais independentes, até por uma questão de gestão do tempo, tentam arrumar a questão e fecham-se à curiosidade alheia. Somos demasiados complexos, com interesses diversificados, cultivando relações precisas e praticamente objectivas desde o seu início. As pessoas podem-nos ser agradáveis, mas não como vizinhos.
As relações de vizinhança, pela generalidade e abertura a que normalmente estão associadas, são as primeiras a serem rejeitadas por se não enquadrarem naquelas mais selectivas que hoje privilegiamos. Esta selectividade entende-se também cada vez mais como dispensa de se estabelecerem relações cruzadas entre as pessoas, devido à inexistência de grupos homogéneos.
As relações de vizinhança de hoje parecem ser mais autênticas do que quaisquer outras. Elas não têm necessidade de hipocrisia e daí a sua aparente crueldade. Elas reflectem tão só toda a complexidade de que são constituídas as vidas individuais, em que o sentimento de partilha já não pode ser o que era. A desconfiança reinante na sociedade não é propícia a confiarmos em quem, por acaso, está em maior proximidade.
Ainda podemos fazer algo para quebrar esse gelo? A proximidade ainda é a melhor condição para estabelecer contactos com pessoas com as quais de outra forma nos não relacionaríamos. Acima de tudo podemos estabelecer todo o tipo de outras relações sociais, mas são as relações de vizinhança que mais dizem sobre o nosso carácter. Quem tem bom carácter é um bom vizinho. Quem o não tem …

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Não estará a TV interessada no debate Defensor-Solheiro?

Enfim, as coisas começam a clarificar-se, se não com debate entre os protagonistas, pelo menos com o monólogo que Defensor Moura vem mantendo connosco, com todos os alto minhotos, afinal todos interessados nesta questão, que a todos diz respeito. Até achamos importante que estes segredos se saibam pela boca de Moura, que pela dos outros seria já apelidada de lavar de roupa suja.
Defensor Moura fala do seu curriculum com o objectivo declarado de depreciar o do seu antagonista. E este aspecto pessoal é só por si revelador da razão que o move nesta guerra. Parte do seu ódio resulta de ter sido derrotado por quem, segundo ele, é intelectualmente inferior. Velhas questões desta sociedade medieval em que a doutorice tem destas pretensões. Ao falar de subserviência Moura deve saber do que fala, não há sector em que ela se não faça mais sentir do que na medicina.
Sobre esta questão apraz-me dizer que Moura terá sido controlador de tráfego aéreo em Luanda e lá começou o curso de Medicina quando lá foi instalado o início este curso, tendo-o acabado no Continente nos turbulentos anos após o 25 de Abril. No entanto tal percurso não é suficiente para se atribuir qualquer mais valia sobre um ex-bancário que se quisesse tirar um curso superior lhe não faltaria capacidade. Nesta questão entendo que Campelo, com quem Moura se identifica tanto, não desceria tão baixo.
Na política está por arranjar um Órgão que certifique a capacidade e preparação de cada um para desempenhar os cargos a que se candidatam. Naturalmente que nos traria muitas surpresas, dado os lapsos que os nossos políticos vão tendo quando querem ser pau para toda a obra. E não restará a dúvida que Moura teria mais altos objectivos e culpa Solheiro de ser a barreira que o terá tramado e por isso esta vingança servida a frio.
Tal Órgão deveria avaliar as capacidades técnicas, nas quais a maioria destes políticos de trazer por casa ficaria a perder, porque o normal é irem para a prática aprender sem qualquer conhecimento de base. Moura sabia de químicos, Campelo de pastagens, Solheiro de livranças. Não sei porque carga de água as seringas e bisturis deram uma preparação política especial a Moura. Mas o principal era que o tal Órgão deveria passar a pente fino o carácter dos candidatos.
Há quem diga que os políticos devem ser aguerridos, persistentes, teimosos, vingativos, impiedosos. Há quem diga que devem ter a qualidade de saber governar bem a sua casa, sem o qual não saberão governar a sua autarquia. Há quem diga que se um político é bom para gerir uma freguesia será bom para gerir um país inteiro. Há quem diga tudo isto, mas tudo isto é falso.
Para já temos que nos conformar a acreditar na vontade popular. Ainda bem que assim é, porque o tal órgão seria tão só uma ajuda. Um dos problemas com que nos deparamos é que cargos diferentes têm diferentes exigências. Mas normalmente somos guiados por aspectos que tem mais a ver com os valores morais e com a mensagem humana que nos é transmitida. A imagem pode ser falsa, podemos ser enganados, mas ao menos raramente duas vezes.
Este caso extravasa a fronteira de Viana. A posição do Governo sem ser explícita é clara. A posição do PS nacional é o “não ser”. Parece que ninguém quer dar achas para a vitimização de Moura. Mas nós, os que em Viana votam e aqueles que no Alto Minho sofrerão as consequências do desfecho desta questão, exigimos que tudo seja esclarecido quanto antes.
Não restarão dúvidas que a questão tem de começar por ser resolvida no nível mais baixo da política partidária. Por isso um debate Moura-Solheiro não seria despropositado e podia ter interesse nacional. Não haverá um canal de TV interessado, mesmo que da TV Cabo?

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A aposta não proposta dos professores

A proposta em que os sindicatos dos professores apostam, mas que não apresentaram, o decoro parece ainda ser suficiente para eles não avançarem mais nesta galopada infernal, é claramente a autoavaliação. É um método já gasto, que já revelou todos os seus malefícios. Ele é mesmo de rejeitar independentemente da natureza dos próprios avaliadores. E os professores não são de carne diferente de todos os outros.
É uma maravilha quando cada qual diz o que vale e ninguém vai contra isso. Para quê as pessoas se vão chatear se disso parece não vir mal ao mundo, ao pequeno mundo como é o dos professores nesta questão envolvidos? Poucos terão a ousadia de se acharem prejudicados no processo. Beneficiam-se os velhos, acomodam-se os novos, os alunos ficam por ser irrelevantes no contexto.
Sabendo da desonestidade intelectual que por aí paira esta suposta proposta nem mereceria comentários. No entanto, não fosse o Ministério aceitá-la, os sindicatos resolveram retroceder e não a apresentar. Eles entenderam apostar agora a fundo na discussão da verdadeira fonte da sua insatisfação e ir sugerindo que sem a queda das cotas e das categorias entre os professores não vale a pena propor nenhuma avaliação. É mais sincero mas arriscado também.
0u então reservam a proposta da autoavaliação para mais tarde, se virem que não têm força para avançar decididamente no que agora sugerem. É que se o Governo cedesse em matéria de cotas e categorias o caso já estaria resolvido há muito. Neste jogo do gato e do rato os sindicatos têm receio em abrir o seu verdadeiro jogo e o Governo não cederá no essencial, vai cedendo no acessório que não comprometa a avaliação, essencial também para consolidar o conjunto.
A autoavaliação não serve para diferenciar as pessoas pelo extremado cariz pessoal que assume. A avaliação só se consegue por um processo de distanciamento, que de preferência obedeça ao princípio da hierarquia, mas não excessivo. A avaliação deve ser feita por quem está pelo menos um nível acima e não mais que dois e tenha estatuto que torne o avaliador imune a retaliações. Porém é provável que os sindicatos queiram voltar àquele sistema da autoavaliação e vale a pena analisar a sua consistência e os seus resultados:
Há muitas pessoas que até se têm a si próprias em fraco conceito mas que nas horas de verdade não descuram que lhes dêem a boa imagem a que têm “direito”. E quando se trata de verter para o papel a merecida classificação não será a obtida pelo seu conceito não confessado mas aquela que é fornecida pela outra imagem que interessa cultivar. Ninguém se vai auto diferenciar para se prejudicar.
A maioria das pessoas até dirá que isto é o legitimo espírito defensivo a vir ao de cima e ninguém o levará a mal. Cada um trata de si e o Sindicato de todos. Claro que haverá alguns ensandecidos, daqueles que estão mesmo convencidos que não são tão maus como os possam julgar, antes pelo contrário, será difícil encontrar melhor. Nunca se coibiriam de dar a si próprio as melhores classificações. Com razão ou sem ela que se fiquem todos pela mediania.
Mas nem só os ensandecidos são vítimas neste processo. Pode haver transposição de um efeito psicológico proveniente doutro contexto, doutra vivência, mas também pode ser genuíno, originado nesta situação e circunscrito a ela. Nós facilmente nos esquecemos que há mais mundos para além do nosso e que eles não são concêntricos, não giram à nossa volta. Porém há mesmo situações que nos podem ultrapassar, quando involuntariamente nos abstraímos desses mundos ou somos obrigados a isso.
Um dia prestei prova de aferição do 12º ano em Geografia e fiquei estupefacto com o 12 que me colocaram na pauta. Queria recorrer mas era Agosto e a minha professora não estava na Escola, claro. Estava de merecidas férias. Só me informaram que poderia recorrer a outro docente, mas não tive outro remédio se não ser eu mesmo o avaliador e fazer o recurso.
Foi manifestamente difícil porque, analisados os livros de apoio, os meus apontamentos e fazendo mesmo apelo a outros conhecimentos que eu já tinha adquirido antes, concluía que nas minhas respostas não havia lacunas significativas. Parecia-me uma falsa modéstia atribuir alguma valoração a falhas de pouca monta que houvesse, porque achava ter compreendido aquilo que me tinha sido transmitido e se estava errado a mim se não devia.
E vá de me atribuir 20 valores. Claro que levei 17 e já fiquei satisfeito, tão satisfeito como se fora à primeira vez. Eu não tinha pretensões a saber tudo e faltava-me a clara noção do limite, daquilo que me poderia ser transmitido se o professor fosse outro, a escola fosse outra, o contexto outro. Por natureza os limites têm que nos ser transmitidos por outrem, fixá-los nós é pura hipocrisia.
Os alunos sabem das imensas contingências, seja quando são avaliados pelo seu docente, seja quando avaliados por outro e principalmente quando este é quase ou mesmo desconhecido. Os professores sentirão os mesmos problemas. Quando se trata de avaliarem outros professores sentir-se-ão inibidos. Mas se os professores desconfiam dos seus próprios colegas, o que dirão os alunos do professor que lhes tenha ganho raiva, daquele que desconhece o seu contexto?
Uma pessoa isolada, pensando o seu saber, poderá estar consciente das suas limitações, se já teve provas anteriores para isso, mas nunca é tão estúpida para as fixar. Pensará que, na dúvida, é melhor valorizar-se do que passar por parva. Deixar que eu e todos os outros nos valorizemos a nós próprios não dá garantia de qualquer equidade. Mas neste jogo do gato e do rato o mal estará sempre em as pessoas pensarem que ao rato tudo é permitido.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A falta de maioria em Caminha não favorece ninguém

É velha a questão dos poderes dos Presidentes da Câmara. Tão velha pelo menos desde que há dinheiro, praticamente desde que entramos na Comunidade Europeia. Discute-se se, para ter algum poder de iniciativa, não serão poucos os seus poderes. Além de poder não ter a maioria dos vereadores a seu lado, tem que fazer uma escolha anterior às eleições e para quatro anos quanto a aceitar os membros que o acompanham, normalmente em listas partidárias.
Formada a Câmara cabe ainda ao Presidente escolher aqueles que ocuparão lugares de vereação a tempo inteiro e distribuir os pelouros que lhes darão a superintendência em órgãos e serviços camarários. Será legitimo que o Presidente de Câmara tenha por Lei que se responsabilizar por todo o trabalho da Câmara sem poder substituir os vereadores nas suas funções?
Respondendo o Presidente por todo o executivo parece que deveria residir em si todo o poder de escolher os colaboradores e de delegar neles conforme o estilo de liderança que lhe é próprio. Podendo demitir de funções um vereador sem poder colocar no seu lugar outra pessoa, resta-lhe distribuir essas funções entre si e os outros vereadores, o que pode não ser prático.
Por outro lado, tendo já surgido tantos casos de abuso e de utilização abusiva de poder, este modelo parece que iria promover a proliferação de sacos reais e virtuais, pessoais, partidários ou promocionais, azuis mas sempre opacos. Não é seguro que assim seja, embora exija uma lealdade maior por parte dos seus colaboradores, não exige que as pessoas sejam subservientes.
Houve um projecto do PS e do PSD de Marques Mendes no sentido do reforço dos poderes presidenciais que seriam contrabalançados com o reforço do poder fiscalizador dos membros eleitos das Assembleias Municipais. A oposição passaria a ser feita aí e não no executivo em que existiria sempre uma maioria favorável ao Presidente.
Qualquer incompatibilização entre o Presidente e um membro da sua maioria permitiria que aquele propusesse a substituição deste. Os vereadores da maioria presidencial podiam não ser todos eleitos pela mesma lista, nem ser empossados por ocuparem certo lugar na lista. Esta forma permitiria tornar o Executivo mais coerente, complementar melhor a competência dos seus membros. Aumentaria o poder do Presidente, mas em simultâneo aumentar-lhe-ia as responsabilidades e clarificaria os papéis de cada um.
Filipe Menezes rasgou este acordo. Manuela Ferreira Leite não ata nem desata. O caso de Caminha, por acaso ocorrido entre as hostes do PSD, talvez a faça pensar. Se um Presidente não deve ter poderes absolutos, também não pode estar nas mãos de um vereador qualquer. Digo qualquer porque na verdade quando há eleições só o candidato a Presidente é visível, os vereadores como se escondem debaixo da sua capa e raramente se lhes conhecem ideias.
A democracia tem que começar muito cá para baixo e principalmente há necessidade de fazer das Assembleias Municipais órgãos democráticos, de discussão, de acompanhamento e fiscalização. Lá em cima, no Executivo, não há necessidade de haver tricas, salvo as naturais e suportáveis diferenças de opinião, mas que não pode dar origem a acções divergentes. Se o Presidente e qualquer um dos vereadores da sua maioria se já não suportam, só há um caminho, a reorganização do Executivo.
Por este caso de Caminha se vê que não há maior transparência adicional só porque uma Presidente retirou os pelouros a um vereador e este mudou de campo. Ou mais propriamente a roubar à oposição o papel desta. Ninguém esclareceu nada. Se esse vereador tivesse sido substituído ganhar-se-ia em clareza, teria que ser mais explícito se quisesse sobreviver.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Que professores haveríamos que ter?

O conflito que opõe actualmente pessoas e estruturas do sector do ensino básico e secundário ao Governo não se insere na típica luta de classes, não é o proletariado a querer tomar o poder, é a luta de um grupo de privilegiados a querer garantir um modo de vida excelente, até porque privado de responsabilidades.
No sector do ensino as condições de trabalho confundem-se com a própria natureza do trabalho em si. Assim os sindicatos arrogam-se o direito de interferir em todos os aspectos que têm a ver com a natureza do trabalho, conteúdos, avaliação, estruturação do tempo, etc., porque eles afectariam as suas condições de trabalho. Ora os sindicatos não se podem opor à evolução do ensino.
Com mais ou menos custo o Governo lá foi pondo em funcionamento horários completos, aulas de substituição, estruturação de carreiras, aumento da idade de reforma, aqueles aspectos que, pela sua evidência, por revelaram uma desigualdade iníqua, tiveram o apoio da opinião pública e a que os sindicatos se tiveram que vergar.
Poder-se-á perguntar porque é que os professores tiveram que ceder em direitos que tinham adquirido depois de desenvolveram lutas com esse fim. Mas também se poderá perguntar porque é que os sindicatos cederam tão facilmente. Com certeza porque então não tinham razão, porque houve Governos que aceitaram ser chantageados, porque houve fraca noção do interesse nacional. E hoje o Governo viu-se num beco sem saída, atentas as suas responsabilidades e vá de tirar regalias que injustamente outros tinham concedido.
Era necessário que o Governo realçasse as extravagantes condições de prestação de trabalho dos professores para puder vir a alterar a própria natureza do ensino, que é aquilo que verdadeiramente interessa, aquilo de que o País já está à espera há décadas. Para um ensino diferente, em que é a sua própria natureza o factor a alterar, a alteração das condições de trabalho é pura consequência.
Perto do fim do ano lectivo de 2007/2008 os sindicatos, perante a união perversa que tinham conseguido no universo dos professores, aceitaram uma trégua e no sentido de consolidar a sua influência e distenderem o clima tenso e adverso gerado na opinião pública, tentaram entretanto reforçar a ligação a outras eventuais lutas ou contestações.
O certo é que, se alguém pensou em apresentar reivindicações na praça pública, estruturadas e com suficiente apoio, nada apareceu de substancial. Estes novos tempos estão para os poderosos, para as grandes corporações de professores, médicos, juízes, etc. Só alguns poucos destes grupos têm poderio e estrutura para se apresentar no palco deste estranho assalto ao poder, não para o exercer, mas para dele se aproveitar.
Sem espanto algum apareceram agora, no início do ano lectivo de 2007/2008, sindicatos plenos de pujança a congregar debaixo da sua capa, não quem compartilhe das ideias dos seus dirigentes, mas que dos comunistas têm aquela visão utilitária de que é para isto que eles servem. Agarraram-se a esta questão da avaliação porque aparentemente é a mais inócua e fácil de passar na opinião pública. Afinal ninguém gosta de prestar contas do que faz.
Cada professor tem o seu pretexto, a sua causa de insatisfação e perante a facilidade com que até aqui tudo lhes era concedido é natural que os mais ingénuos alinhem. Mas alinham também aqueles que um dia se entregaram de alma e coração a uma ideologia de direita e integram esta luta na sua luta mais geral contra a esquerda.
Alinham ainda aqueles cuja retórica não vai além da do populacho, do bota abaixo mesquinho e invejoso. Um amigo meu, professor, dizia-me que as críticas aos seus colegas utilizavam no geral uma linguagem demasiado popular, cheia de lugares comuns. É incrível como eles, pela sua parte, usem o mais reles argumentário político para achincalhar os governantes.
A ganância levou o nosso professorado a vender a sua velha e honesta imagem por um banquete à custa do orçamento e um plano de férias à maneira. Uma professora já disse na televisão que detestava o ambiente de trabalho que imperava agora na escola. É degradante o espectáculo que nos é dado por uma classe social fulcral para o futuro.
Na verdade ela transmite do nosso passado o mais fidedigno dos testemunhos, que nós sempre fomos assim, com um verbo verrinoso sempre pronto a disparar em todas as direcções e sem uma retórica consistente, perdoe-nos Camões e mais uns tantos. Mas esta gente só aprendeu a dividir orações dos Lusíadas e nunca fez um esforço para ir mais além.
Sempre atribuímos à escola do passado um conjunto de erros, mas nunca nos resolvemos a pegar neles a fundo e ainda por cima os problemas aumentaram com a sua mudança para escola inclusiva, que aglutina alunos de todas as origens. Nenhum plano para resolver as questões acumuladas será consistente se não começar pela mudança orgânica e funcional da escola. É importante mas não chega dar de comer aos alunos, dar-lhes transporte e o Magalhães para navegar.
O Governo está a querer implementar condições de trabalho ainda talvez desnecessárias na escola de hoje mas essenciais na escola do futuro. Também é natural que os professores de hoje se não sintam elementos da escola do futuro. Com o nosso passado, que professores haveríamos que ter? Fracos decerto. É certo que homens brilhantes cresceram no meio de tanta vulgaridade. Mas com o nosso futuro podemos e devemos ter bons professores.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Uma injecção apropriada para diferenciar a molhada?

A escola pública é uma construção dos dois últimos séculos mas que em Portugal só na última metade do século XX com a escola primária abrangeu o território nacional e que só depois do 25 de Abril teve uma implantação abrangente a nível do secundário. Por isso a sua conotação ideológica e política.
A escola primária pensada para o “Ler, Escrever e Contar” foi em tempos “O Quanto Baste” para que nós nos sentíssemos integrados na civilização. Salazar, o Conde de Autora e outros assim pensaram, e só tarde Portugal acordou. Quanto as professores de então eles eram no geral, independentemente até de serem ou não do regime, de um autoritarismo atroz. No entanto agradecíamos.
As promessas de um bom ensino corresponderam à necessidade de acompanhar a evolução que nesse domínio tem tido os Países Europeus, de habilitar as pessoas com capacidades de se integrarem numa economia em permanente desenvolvimento, com o uso de novas tecnologias, e de alcançarem bons níveis de cultura cívica e integração social.
Porém tarda que Portugal alcance no ensino um patamar de razoabilidade. Todos ralhamos embora as nossas perspectivas sejam medianas e tenhamos encrostada no nosso espírito a velha ideia de que, chegado o momento decisivo, lá nos desenrascaremos e se for necessário pagamos, que haverá sempre quem esteja disposto a vender diplomas.
O facilitismo nacional teve um dos seus expoentes máximos no Guterrismo que pariu o célebre Despacho Regulamentar 11/98 que permitiu que os professores se acomodassem na infeliz avaliação com “Satisfaz”, bem característica da nossa mediocridade ancestral e que muitos se aprazem em manter.
Mas valha-nos que em Ponte de Lima há quem se não queira ficar por este Despacho, talvez porque ouviu dizer que na Madeira, mercê da benevolência do Inimitável João, todos receberão um eloquente “Bom”, atribuído administrativamente à revelia da nova legislação, mas aproveitando-lhe o título.
Então foi o Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de António Feijó dar à luz uma Carta Aberta à Ministra da Educação, aquele “Senhora” é hipocrisia, protocolo, termo imposto pela burocracia, a propor que aquele despacho do “Satisfaz”, em boa hora revogado, digo, fosse repescado e injectado com um factor de diferenciação, prevê-se, suficientemente inócuo para não produzir efeitos.
Grande contribuição intelectual, e principalmente cívica, para quem quer que a elaboração das fichas de avaliação, sem imposição de parâmetros, se faça na sua esfera de competência. Quando se quer abrir a escola à comunidade e que esta tenha uma palavra a dizer, tenha uma participação na avaliação, seja directa seja através dos órgãos eleitos, esta proposta é perfeitamente descabida.
A Escola viveu muitos anos fechada dentro de si, não respondendo a ninguém pelos seus custos e pelo rendimento obtido do seu trabalho. Fosse bom fosse péssimo, tudo era escondido detrás das suas paredes e quem mais sofreu com isso foram os filhos da população mais desfavorecida, a qual não é incentivada a melhorar a sua condição.
Os endinheirados socorrem-se das explicações generosamente pagas a professores que fogem da Escola como o Diabo da Cruz. Aqueles que se empenham em que os filhos tenham aproveitamento lá vão dando voltas ao orçamento para tornar possível a melhoria que fará a diferença. Porque não se saber que diferenças existem entre os professores?
Os alunos são expostos a todos os vexames sociais. A Escola funciona hoje como o maior factor de diferenciação negativa, de segregação social, de exclusão social. Frequentar a Escola é para muitos alunos um suplício, uma sujeição a uma descriminação que impunemente lhes é feita, um ferrete que lhes é aplicado para toda a vida. A Escola não pode ser uma fábrica de despojos.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Quem anda a pôr em causa a imagem dos professores?

A ideia dos professores participarem em sucessivas manifestações contra a política de educação do Governo passa por tentar suprir por essa via, compensar pela afirmação, a má imagem que eles têm na opinião pública. Os mentores destas movimentações chamam ao de cima, como estando em causa, o orgulho e o brio profissionais.
Os sindicatos pretendem que essa má imagem foi criada pelo Governo, mas nunca poderia ser assim. O Governo tão só terá tomado a iniciativa de lançar algumas críticas e isso foi suficiente para trazer ao de cima todas as razões de queixa que a população vinha acumulando. Esta incapaz de particularizar, levada pelas achegas vindas da economia, da cultura, da educação, da comparação com a estranja, deu largas a uma imagem genericamente negativa.
Digamos que o Governo deu “autorização” para que se dessacralizasse uma classe profissional até aí intocável. As pessoas perderam o medo de tocar naquilo que parecia destinado a ser abordado só por espertos, porque colocado num patamar superior ao da discussão pública. Isso levou a que a velha e agradável imagem, que muitos talvez tenham merecido, esteja agora definitivamente perdida. Os professores perderam a polidez e subtileza que os caracterizava.
Num País Democrático não pode haver vacas sagradas, mas o certo é que os professores eram uma dessas vacas, um dos sustentáculos de um regime democrático débil que, à medida das suas reivindicações, apoiadas na promessa de uma melhoria do ensino, lhes iam aumentando os salários, as benesses, as excessivas regalias comparadas com as do “povo miúdo”. Muitos dirão hoje que, porque nunca lutaram pelos aumentos que tiveram, não têm responsabilidade nisso, agora é a luta pela dignidade que os move.
A força dos professores deriva de serem uma classe profissional que se não importa de que transpareça para o exterior uma homogeneidade que não existe no seu interior. Lá existe trigo e muito joio. E a sua força deriva também de ocupar a grande maioria de um dos maiores organismos do Estado. Os professores monopolizam todo o sector de ensino, desprezando todos os outros que para ele contribuem. Muitos professores até não estão cientes dessa sua força, limitam-se a obedecer.
Perante a necessidade imperiosa de mudanças no ensino, o Estado vê-se com uma pesada máquina nas mãos e que se serve de todos os pretextos para se não deixar mover, modificar, dinamizar, flexibilizar. O Estado tem contra si poderosas forças que se aproveitam deste movimento, que mais é caracterizado pela inércia, para se lhe encostarem, sangue sugarem, para beneficiarem das suas lutas para fins diversos do socialmente aceitável, para a anarquização do Estado, para a destruição das suas débeis estruturas.
Esta inclinação autofágica, para a aniquilação da memória colectiva, deriva de cada um a seu modo se sentir incapaz de responder pela sua contribuição para a colectividade. À generalidade dos professores bastar-lhes-á irem para casa com uma boa reforma, sem que tivesse vindo agora um governo apoquentar-lhes a consciência com um dever por cumprir. A maioria dos professores é intolerante perante o remexer da memória.
No meio deste colectivo de professores, que quanto mais maciço é, mais é revelador das suas debilidades, há decerto gente boa, gente honesta, que não deu mais porque as circunstâncias o não permitiam. Mas também há muito crápula, muita gente que se arrasta na dependura dos outros, mas querendo que estes se não sobressaiam demasiado, se não distanciem e os deixem sós perante a sua incapacidade e indolência.
A dignidade da função docente não pode estar na benevolência dos pares, no distanciamento doutros grupos, na reverência daqueles que se dizem subalternos, na dignidade colocada em razão inversa do trabalho. Ela passa por um desempenho que revela a eficácia dos professores através do sucesso dos alunos. A integração social, o derrube das barreiras mentais, o exemplo da aplicação ao trabalho, são aspectos importantes na aferição do valor do ensino.
Sempre vi a maioria dos professores empenhados em reproduzir os processos do passado, a cometerem sempre os memos erros. Por isso vemos meninos a dizer que querem ser professores, veja-se pessoas senhoras de um lugar, de um estatuto, encrostadas numa organização que se desenvolve alheada da sociedade.
Não se preparam pessoas para enfrentar a vida, o trabalho, a dureza, o imprevisto, o contingente, para serem solidárias, colaborantes, frontais no essencial, flexíveis no acessório, empenhadas em missões e serviços, leais sem serem subservientes. Os professores afirmar-se-ão através da qualidade daqueles em cuja preparação para a vida colaborem.
Este movimento de professores a que líderes partidários, sindicais e de opinião pretendem dar alguma substância em termos valorativos só tem servido para aglutinar hipocrisia, má educação, destempero moral, diarreia intelectual. Os professores dignos não se podem deixar levar por esta torrente de lama, não procuram reconhecimento social através destes caminhos em que impera a pior vulgaridade.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Cada vez há menos vagas para empresários

Constatamos que num longo período desde a Idade Média houve uma evolução linear na maneira de encararmos a nossa inserção na actividade económica. Com o progresso da liberdade em geral também houve progressos na possibilidade de escolha do nosso lugar na economia. Claro que houve em períodos curtos retrocessos à mistura, que há sempre umas almas retrógradas que pretendem puxar a história para trás.
Até à Idade Média sedimentou-se um sistema de corporações no qual aos filhos quase só restava seguir o mesmo caminho dos pais. Lentamente e por força da satisfação de novas necessidades principalmente nas cidades burguesas, por força do desenvolvimento do comércio e da indústria artesanal lá se foram diversificando os caminhos dos filhos, sem fugir muito do figurino dos pais.
O comércio a longa distância, a indústria manufactureira, o desenvolvimento no domínio da arte e dos saberes permitiu novos rumos, novas perspectivas, sem que ao grosso da população se deixasse de aplicar muitas limitações na mobilidade, no acesso profissional, na liberdade de escolha. Só com o liberalismo muitas das velhas amarras se estilhaçariam.
Portugal seguiu nos séculos dezoito e dezanove, nuns casos com avanço noutros com manifesto atraso, a evolução dos países europeus. Mas devido ao fraco desenvolvimento industrial muitos modos de vida ancestrais permaneceram, e até, uma vez terminada a servidão, surgiu um sistema tipicamente português assente na subserviência.
Com Salazar houve um retrocesso evidente, mas com o 25 de Abril todas as forças se libertaram. Enquanto uns pugnaram pelo colectivismo, não faltaram aqueles que ambicionavam dedicar-se a actividades independentes e que lutaram pelo fortalecimento da iniciativa individual. Mas também estes se não libertaram do pecado original da dependência do Estado.
A ideia de que o Estado deve dar o empurrão inicial, deve apoiar quem quer ser independente e ter iniciativa tem-se vindo a fortalecer proveniente de outros modelos mas que em Portugal adquiriu laivos de fanatismo. O problema é que a tendência da estruturação da economia não caminha neste sentido. O Estado não nos pode garantir o lugar que desejamos, até porque há mais.
Porque entusiasma qualquer um, difundiu-se a ideia de não sermos empregados de ninguém. Não aturar toda a vida patrões e encarregados, não se conformar o nosso comportamento a maneiras de ser invasivas, não condicionar demasiado o nosso tempo a interesses alheios parece ser vantajoso para nós. Haverá melhores perspectivas de gratificação e valorização humana e profissional, panoramas mais aliciantes e promissores?
Os exemplos de sucesso vão surgindo um pouco por todo o lado, uns mais espectaculares que outros, sendo que algum deles se enquadrará melhor no nosso caso particular. E não faltará, para dar fluidez à imaginação, a explanação de todos os processos ilícitos, marginais que podem ser usados, e será estúpido não aproveitar, para garantir o sucesso. As pessoas parecem aceitar levianamente que os empresários não tenham obrigações similares aos empregados
Hoje na escola, um pouco a destempo, procura-se incentivar a expansão de uma cultura de iniciativa. Só que falta o enquadramento numa cultura cívica que tenha a ver com limitações éticas, objectivos pessoais conjugados com objectivos sociais, respeito pelos direitos alheios e não comprometimento do futuro. Não chega uma Lei punitiva ou orientadora se prevalece uma cultura de desenrascanço.
E quando se passa da escola para a realidade, para a política, vemos os políticos da oposição a falar de empreendorismo, iniciativa e risco mas a exigir do Governo ajudas e mais ajudas e pelo contrário os políticos do Governo a defender que todas as iniciativas a apoiar têm que ter só por si uma garantia quase absoluta de sucesso até porque o dinheiro não chega para todos.
Provavelmente ninguém tem toda a razão e andamos nós a ser empurrados de um lado para outro de modo, a ficarmos tontos. A um jovem não lhe restará outra alternativa se não procurar emprego. Se teoricamente um mundo de possibilidades se encontra aberto, são cada vez menores as condições económicas, sociais, profissionais para que um jovem sem experiência vença sozinho. Um empresário falhado arrastará esse anátema toda a vida.
A actividade económica é cada vez mais complexa, mais exigente em conhecimentos, capital, organização e mercado. Competir com quem já está instalado exige uma grande dose de inovação, uma visão apurada das oportunidades, uma determinação consistente. Muitos obstáculos são de tal ordem que sem uma grande conjugação de esforços é inútil lutar. Mas precisamente a obtenção de aliados é uma das qualidades para os empreendedores.
De uma coisa nos temos que convencer sem que isso deva constituir para nós uma derrota. As proporções de empregados, de trabalhadores por conta de outrem, são no conjunto do trabalho cada vez maiores. Em muitos ramos só as grandes organizações vencem, há sempre uma dimensão adequada em função do domínio, do local e do momento, mas que está sempre em crescimento.
Se nos prepararmos bem para sermos bons empregados e podermos ser bons empreendedores teremos vantagens evidentes. Se nos convencermos que temos de ser empreendedores a qualquer custo e não encontrarmos lugar adequado na organização económica, sofreremos uma grande desilusão e viveremos sempre decepcionados. E as vagas são cada vez menores.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A cultura, o dinheiro e a sua função social

São os factores culturais que determinam a nossa atitude perante o dinheiro, como parcela da riqueza ou isoladamente considerado. Esta atitude é mesmo parte integrante da nossa cultura e até a sua parte mais visível aos olhos do comum dos mortais. Cultura no sentido mais amplo, não sei se aceitam falar assim, que há quem atribua à cultura âmbitos bem restritos.
Uma pessoa pode saber tocar piano, falar fluentemente o francês, navegar sem sobressaltos na Internet, cultivar o gosto continuamente, ser culta a seu modo ou culta numa visão mais generosa mas menos formal, seja qual for a perspectiva pela qual veja o mundo, tem sempre o malvado dinheiro a condicionar-lhe as principais decisões e também a forma de dar e receber cultura.
No geral entende-se que uma pessoa culta convive bem com a riqueza e mal com o dinheiro. Havia mesmo a noção de que o homem culto estava tão bem para o ócio como o inculto para o negócio. O ócio pode ser cultivado pelo rico mas o negócio, a lida promíscua com o dinheiro, era deixada a quem, como modo de vida, se não importa de com ele se sujar, de quem quer enriquecer.
Porém hoje a cultura já é um mundo de trabalhos. São mais numerosos e importantes os trabalhadores da cultura que os cultos. O homem culto já é uma raridade em vias de extinção. Já ninguém se pode entregar tão levianamente como outrora ao ócio e o ocioso para ser culto tem que se dar a muito trabalho, a muito estudo. O homem da cultura já se encontra tão imiscuído na economia de mercado como qualquer outro e as suas atitudes não se diferenciam das do homem comum.
Assim, se outrora a riqueza era algo que livrava o homem culto de outros trabalhos, hoje integra-o no mundo mercantil. A diferença quanto à sua natureza entre riqueza e dinheiro é um preciosismo difícil de comprovar, um artifício mental para agradar ao espírito farisaico tão difundido na sociedade ocidental. O que interessa conhecer, não com espírito inquisitório, mas como necessidade evidente do saber, era a sua influência efectiva em quem o tem.
Está por determinar o efeito que o convívio com o dinheiro ou com a sua ausência produzirá no nosso restante posicionamento em relação ao usufruto da vida. Pressupondo que devemos manter uma relação pacífica com o dinheiro, estamos a reconhecer que ele nos afectará sempre, principalmente se o temos em excesso ou em claro desfavor. Se algumas das formas que em tempos se utilizavam para a acumulação de riqueza caíram em desuso, o dinheiro é hoje a forma mais universal, embora, como vamos ver não totalmente aceite.
Antes da nossa atitude para com o dinheiro está a nossa opção por uma determinada estruturação básica da sociedade. É com esta opção, apoiada na nossa cultura, que determinamos a forma de encarar a nossa integração na economia mercantil. Na diversidade das nossas atitudes chegar-nos-á destacar as quatro basilares que delimitam todas as outras.
Se a nossa cultura nos encaminha para o fundamentalismo moral então o dinheiro causar-nos-á aversão. Ele será a causa de todos os males, devido à qual sobressai a ganância, a avidez, a soberba, todos os sentimentos em que está presente um impulso irresistível, um desejo insaciável de posse. Sem dinheiro o mundo seria outro, bem melhor, entendem os que assim pensam.
Se a nossa cultura nos leva em sentido oposto em direcção ao fundamentalismo liberal então valorizamos tudo o que dá dinheiro e este como a fonte de toda a felicidade, de toda a satisfação. Através dele todos os bens são acessíveis e a ele se podem sacrificar todos os valores humanos. Se houver competição sem regras, capitalismo selvagem, tudo é relativizado. A posse do dinheiro tudo justifica e tudo garante, pensam os que adoptam esta posição.
Como posição intermédia num sentido mais economicista temos o liberalismo moderado que reconhece a utilidade do dinheiro e o avanço que constitui a economia mercantil. Se a posse do dinheiro é legítima, a sua utilização é muito mais do que isso, é meritória. O dinheiro posto à disposição da dinamização económica trará benefícios para todas as pessoas envolvidas, mas reconhece-se que não compra tudo, não deve ser usado indiscriminadamente em qualquer negócio. A economia deve estar ao serviço do homem, afirmam os seus adeptos.
Num outro sentido, mais humanista e como posição intermédia entre os extremos, temos na outra ponta do quadrilátero aquela posição que, um pouco impropriamente, se pode chamar de socialismo moderado. Efectivamente o socialismo começou por se identificar com a primeira posição extremista e tem evoluído para uma posição mais liberal. Mas realça ainda o papel do Estado como estruturador das relações económicas, moderador e corrector dos desvios que possam ocorrer.
O dinheiro é inevitável mas não pode modelar com ele todas as relações entre as pessoas. A acumulação de capital é necessária mas não deve ser utilizada em prejuízo da sociedade. A usura deve ser combativa e a especulação controlada. O Estado deve ter os meios suficientes para que a solidariedade seja, com todos os defeitos que possa ter, exercida quando o não pode ser por outro meio. Em suma, na posse do Estado ou de particulares, o dinheiro deve executar a sua função social, pensam os defensores deste ponto de vista.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Referendo com meio aval Constitucional

Na política estamos habituados a confusas discussões e até a convites em ocasiões menos próprias para tomarmos decisões cujas consequências nos fogem. A Lei deu aos Municípios a faculdade de se associarem, mas para o fazerem terá que ser nos precisos termos que por ela são definidos.
Têm que ser os Municípios a conformarem-se com a definição prévia das áreas em que a associação é possível e isto no pressuposto evidente que tem que haver uma articulação com as próprias estruturas descentralizadas da Administração Central. Só assim haverá a colaboração imprescindível.
Assim Viana do Castelo só tem como hipótese entrar na Comunidade Intermunicipal do Minho-Lima, não havendo escolha de parceiros. É nesta área que muitos problemas comuns se podem resolver, aqui se podem estabelecer complementaridades e sinergias que possam potenciar o desenvolvimento.
Como o Presidente da Câmara de Viana do Castelo se acha prejudicado na partilha de encargos e poder, como acha que Viana do Castelo até não necessita da colaboração de ninguém, o mar tudo lhe trás, a terra atrás de si pode ficar deserta, resolveu colocar a sua adesão à Comunidade em referendo.
Chamado a pronunciar-se, o Tribunal Constitucional achou que a pergunta a constar do referendo seria demasiado extensa e pouco clara para o entendimento médio da população. Na verdade para o entendimento do que está em causa, a adesão ou não à Comunidade Minho-Lima, a referência a NUTS, Leis específicas e Concelhos envolvidos é perfeitamente despiciente.
Como porém o Tribunal deu razão de ser ao referendo, se se fizer o devido acerto à pergunta, o que aliás já está assegurado, vamos ter mesmo referendo. É necessário que os democratas lutem agora para que seja assegurado que o eleitorado não utilize esta votação para fazer juízos históricos doutra natureza ou eleições autárquicas antecipadas.
Segundo o Tribunal num referendo tem que estar garantido que as respostas possíveis sejam dicotómicas e que se saibam com precisão quais as ilações a tirar se se disser Sim e quais se se disser Não. Não se podem tirar do referendo consequências que não derivem da Lei.
Porém tudo está já a ser feito para que este referendo não seja honesto e leal. As ameaças de demissão de Defensor Moura, caso a resposta ao referendo seja favorável à adesão, não se enquadram no tipo de consequências que é legítimo considerar e portanto não devem ser levadas em linha de conta pela população. Esta só se pronuncia sobre o que estiver expresso no referendo.
Claro que Defensor Moura é livre de tirar as suas próprias ilações do referendo, mas não é correcto fazer chantagem com elas. Seja qual for o resultado, a situação em que Defensor Moura se coloca não é de modo algum confortável. Como irá justificar a sua permanência no cargo caso ganho a Não adesão? Como se articulará com a Administração Central e a Comunidade Europeia em termos de financiamentos comuns e não comuns aos outros Municípios?
O Secretário de Estado da Administração Local já veio dizer que não vai haver interlocutores privilegiados. O que houver para contratualizar com as Associações de Municípios e que só com elas o possa ser, segundo a Lei, assim continuará a ser. Quem não estiver nessas condições não beneficiará de comparticipações estatais ou comunitárias.
Somos um povo condescendente, que volta a trás quando não deve, que perde imenso tempo à mesa a discutir o sexo dos anjos. Felizmente que nos abrimos já um pouco a outras maneiras de ver, abandonamos a mesquinhez de alguns artifícios que permanentemente inventávamos para deitar areia na engrenagem do que presumimos ser o progresso. Não voltemos atrás!

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Como antecipar o futuro sem comprometer o presente?

Os Experts das Finanças, os Magos dos Negócios espatifaram regras elementares da matemática, imaginaram progressões infinitas sem percalços de regressões inevitáveis, iludiram a população crente na infinidade do crescimento, na bem-aventurança do Liberalismo, na magnanimidade dos Banqueiros. Aliás no seguimento de todas as ideias de progresso contínuo, com mais ou menos sobressaltos, que se defendem desde a revolução industrial.
Muito Ilustre Economista agiu e transmitiu a ideia de que o mercado, por se ter globalizado, se tinha tornado infinitamente elástico e sempre se encontraria um lugar onde vender tudo o que fosse imaginável e em particular os produtos virtuais que a Banca criou para dar crédito à sua função de financiamento. Criou a ilusão de que todas as modalidades de financiamento eram convertíveis.
As maiores Estrelas da Gestão, por se ter entrado num mundo de convertibilidade quase absoluta das moedas dos principais países, passaram a ideia da imensa plasticidade da moeda, do seu carácter virtuoso na resolução de todos os processos financeiros, da sua maneabilidade pela sua artificiosa engenharia, por mais rebuscada que fosse.
À maioria da população restou olhar deslumbrada para um Firmamento tão brilhante. Se o dinheiro era tudo, os homens do dinheiro, aqueles que o sabem manusear, seriam os supremos detentores das chaves do futuro. De tal maneira focou ofuscada por tanto esplendor que ainda hoje, já vividos uns bons dias desta crise crescente, ainda argumenta essencialmente com base nos mesmos princípios que levaram a esta falência em escada mas que será global do sistema.
Normalmente os dirigentes que trouxeram a situação até aqui só são acusados de terem sucumbido à ganância pessoal, não atendendo as pessoas ao facto de essa ganância já ser sistémica e de nós próprios já estarmos dela possuídos, mesmo que só através de formas subtis. Muita da nossa inveja deriva de não podermos usufruir dos mesmos artifícios financeiros que permitem a outros mais poderosos que nós que obtenham lucros exagerados.
Mas os mais acusados são sempre os políticos, afinal aqueles que dão a cara, que muitos financeiros e especuladores poucos os conhecerão. No geral, mesmo quando os políticos servem com mais evidência os interesses dessa gente, são por ela mesma acusados de não serem suficientemente permissivos para que eles possam fazer o que lhes aprouver, que será em benefício da população. Têm-se visto! Qualquer regulamentação é para eles um aperto.
O normal para o comum das pessoas é meter tudo no mesmo molho, que eles são gente que se entende, e há uma má vontade da parte do capital e dos dirigentes políticos mundiais quanto à satisfação das solicitações de consumo da parte da população. Essas pessoas pensam que só não há mais casas porque não querem que haja, só não há mais carros porque os poderosos querem ser os exclusivos usufruidores das grandes máquinas que se produzem.
Na realidade há uma perda evidente da noção do que é razoável e daquilo que é perfeitamente supérfluo. Na verdade as casas sobram e os carros são mais que muitos. O sistema revela-se tal como está estruturado perfeitamente ineficiente porque produz bens cuja rentabilidade é absolutamente negativa. Se a crise só existe quando afecta as necessidades básicas de uma larga fatia da população, a verdade é que muita contestação se faz na ausência de satisfação do supérfluo.
A existência de massa monetária cria a ilusão de que todas as necessidades podiam ser satisfeitas, só o custo do dinheiro impede que isso aconteça. Se o dinheiro fosse posto à disposição de toda a gente a um preço razoável, todos poderiam usufruir de imediato de todos os bens de que necessitam. Seríamos todos colocados a trabalhar ou a procurar de qualquer outra forma obter recursos para pagar os empréstimos obtidos.
O problema é que é para estes, para aqueles que já comprometerem anos e anos do seu futuro, que as necessidades estão sempre a crescer, que o aperto se torna cada vez maior, já que não investiram em bens que possam gerar lucro mas aplicaram em bens de puro consumo. E em simultâneo há cada vez maior acumulação do capital em poucas mãos, cada vez há maior usura, cada vez há menos investimento directo e mais especulativo.
A previsibilidade da economia está cada vez mais posta em causa. Isso tem que levar os cientistas da economia a rever as formas de financiamento a longo prazo face à banalidade em que se tornou uma convertibilidade quase imediata entre o crédito a curto, médio e longo prazo. A nossa ambição é antecipar o futuro, na ânsia de também lucrar à sua custa.
Em primeiro lugar o que se pretende é que sejam os outros a correr os riscos e não nós. Mas, e ainda bem, nós estamos num sistema fechado e aquilo que de mau pode acontecer aos outros pode vir a cair-nos em cima. Que seria de nós se o mundo fosse gerido por um imenso fundo de pensões que pretensamente nos garantiria o futuro mas que quando lá chegássemos estivesse sugada pela voracidade do sistema financeiro que o teriam transformado em títulos sem valor?
O essencial da reconversão a fazer é transformar o sistema financeiro num conjunto de organismos capazes de assegurar os meios de intermediação nos negócios e os meios de financiamento da produção e de forma limitada do consumo. O sistema financeiro não pode estar focado no saque da economia, na alta remuneração dos seus homens e no imediatismo dos seus processos. A política tem que reassumir a credibilidade que esta gente delapidou.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Do Areal ao Tribunal de Haia

Enquanto olhamos expectantes para a crise que se desenrola no mundo, na qual, à primeira vista, nos parece que é dinheiro que devora dinheiro, mas no fim da qual alguém há-de ficar mais rico, entreguemo-nos à vivência das nossas crises caseiras, locais e regionais, que aqui, se não há ameaças de que homens comam homens, há um clima doentio, vá lá aberto, em que as congeminações de gabinete parece já não surtirem efeito.
Defensor Moura já não sabe aliás para onde há-de apelar, se Sócrates lhe não deitar a mão, e é bom que lhe não deite. Ora chama o povo a votar, dizendo que ele vai decidir, ora ameaça com tribunais, seja cá, seja em Haia, na rua ou no gabinete, em algum lado, este homem cada vez mais só, pensa ganhar. Mas quem pagará depois os prejuízos?
A nível da Comunidade Minho-Lima houve a eleição da Presidência e, contra todas as expectativas, Daniel Campelo não assumiu uma vice-presidência. No entanto a alternativa é bem melhor e Daniel Campelo não acrescentaria nada ao seu singelo voto. O lugar que lhe é mais apropriado parece ser mesmo este de uma espécie de oposição interna, dado que à semelhança de Defensor Moura vê mais competição que complementaridade em relação aos restantes municípios do Alto Minho. Daniel Campelo não está lá de coração, está de máquina registadora.
Por cá temos o Gaspar Martins, vereador e velho companheiro de Daniel Campelo, a botar na imprensa as suas angústias existenciais. Depois de anos de fiel apoio a uma política de que nem sempre se mostrou adepto, anda agora um pouco à deriva perante a tradicional reserva daquele quanto à sua candidatura à Presidência da Câmara de Ponte de Lima. Pelo sim, pelo não, há que avançar e tentar consolidar espaços de influência, garantir algum naco da herança.
Não há afloramentos de ideologia, que a ocasião não é propícia para isso, não se prevê que Paulo Portas perca as próximas directas que convocou na sequência da pequena vitória dos Açores. Porém, à semelhança do que aconteceu nas últimas eleições centristas, era neste domínio que Gaspar Martins nos poderia apresentar ideias mais inovadores e que podiam ajudar Daniel Campelo a projectar-se mais como político de âmbito nacional.
Perante o esgotamento da ambição nacional de Daniel Campelo, do fracasso da sua última tentativa para ser ouvido para além do Neiva, do esvaziamento do efeito Queijo Limiano, que se ficou pelo lado hilariante do caso e pela repercussão negativa junto do empresariado, Gaspar Martins virou-se para o seu pelouro favorito, o do Trânsito, que o das Feiras já se foi à muito quando Daniel Campelo, velho amigo, o apunhalou ou antes deixou sem apoio.
Com tempo para estudar agora melhor as suas propostas, Gaspar Martins fala do futuro que ambicionava para Ponte de Lima e para aquilo que fará se lhe derem tempo para tal. Uma clara melhoria é a sua proposta para a jóia do nosso património, que não sendo edificado, é mais importante que qualquer outro, o areal, como parte mais espectacular da nossa marginal ribeirinha. Depois do alcatroamento ou cimentação agora só se propõe uma compactação com uma gramíneas a disfarçar. E os carros que lá continuem.
O nosso areal, em terreal transformado, vai por este andar estar sujeito às mais maquiavélicas ideias que possam existir. Não se estuda o que é primordial, como a circunvalação do Centro Histórico, a localização e delimitação da Feira, os espaços de estacionamento que garantam a habitabilidade do Centro Histórico e antes vemo-nos sujeitos à voracidade dos fotógrafos de ocasião.
Cultivar o gosto da fotografia bonita pode ser uma faceta de qualquer um, mas querer montar cenários para o fazer à custa dos outros é irracional. Desertificar o Centro Histórico para encher de Gondomarense no domingo à tarde é loucura. Destes nos livrem.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A moeda na economia, na riqueza e na crise

Em crises passadas houve corridas ao ouro, aos bens de consumo, aos bens imóveis, em especial à posse da terra, mas nunca à moeda, isso era coisa que se rasgava, sem valor. O Estado usava mesmo a desvalorização da moeda para retirar valor à moeda possuída pelos particulares, aumentando assim a cotação dos outros bens e permitindo que o Estado fizesse a emissão de nova moeda temporariamente com mais valor. A economia asfixiava por falta de moeda de troca.
Hoje tudo se parece passar ao contrário, não há qualquer corrida aos bens e a moeda é entendida como o alicerce de toda a actividade económica. É o bem que todos desejam ter, os mais ignorantes em papel-moeda, os mais modernos aceitam-na em moeda escriturada, qualquer registo informático que subsista lá por algum banco que nos atribua o direito a uma conversão num qualquer outro bem. A riqueza é moeda ou tudo aquilo que nela se possa converter.
A moeda, como todos os outros bens, está sujeita a variações no seu valor. A moeda é o referencial das trocas, mas, podendo ser amealhada, pode ter outras utilizações que a podem fazer apreciar-se ou depreciar-se. Também as moedas dos vários países alteram o seu valor conforme o valor da economia em que se inserem e a especulação que à sua volta se faça.
Hoje a nossa moeda, o Euro, é das mais fortes do mundo. No tempo do nosso escudo este poderia ser desvalorizado em qualquer altura em relação às outras moedas. E era-o quando isso poderia favorecer a economia. Hoje o Euro não é passível desse tipo de operações. Só o mercado determina o seu valor. Normalmente as pessoas só o trocam se houver outras moedas que se tenham por mais seguras. De momento parece não haver.
Mesmo sujeita a flutuações, a moeda, sendo controlada pelo Estado (Banco Central) e não estando dependente de nenhum outro bem em particular, é a base referencial de toda a economia. Normalmente guardamo-la quando não achamos oportuno gastá-la, em particular quando se está a desenvolver uma crise de consequências imprevisíveis. É certo que também podemos ter outros bens, porém, como o seu valor é determinado em moeda, parece mais seguro ter esta.
Para guardar a nossa riqueza poderíamos apostar noutros bens que não a moeda. Poderá haver bens cujo valor aumentará sempre, nada impede que acreditemos nisso. Porém será problemático apostar num bem que nós não sabemos se virá um dia a ser substituído na sua função por outro muito mais barato. No entanto até lá poderá haver flutuações de valor que os especuladores e os produtores de bens derivados poderão ou não aproveitar.
A moeda desempenha pois uma função primordial na economia. À medida que toda a actividade humana e os bens naturais existentes no universo vão sendo integrados na economia mercantil mais meios de pagamento são necessários e mais central é o seu papel. A economia mercantil para se desenvolver necessita da existência de moeda disponível em quantidade razoável.
Nenhum outro bem é tão valioso como a moeda porque nenhum outro assegura a mesma liquidez e a mesma mobilidade e sustentabilidade, não garante um valor tão fixo e mais: uma rentabilidade semelhante. Além do mais, além de estar garantida pelo Estado, a moeda tem por único referencial o constituído pelas expectativas de lucro que o seu empréstimo pode proporcionar.
É a moeda que permite que haja empréstimos para serem utilizados em transacções que em princípio proporcionarão um retorno que integre algum excedente de lucro. Ou para ter os meios de pagamento suficientes para garantir a junção de vários meios de produção de modo a colocá-los a executar a sua função e obter desta maneira algum lucro. Ou para antecipar um consumo, isto é consumir agora aquilo que só estará assegurado por um rendimento futuro. A não ser que tenhamos intenção de não pagar os empréstimos contraídos.
Quando a sociedade consegue acumular moeda o normal seria guardá-la para gastar no futuro. E porque não gastá-la já? Isto é, obter algum proveito próprio e emprestá-la para incentivar a economia. Porém o que poderá acontecer se aqueles a quem emprestamos não são capazes de satisfazer as suas obrigações de pagar os juros respectivos ou proceder à sua remissão? Podemos sempre esperar reaver os nossos valores a não ser que o empréstimo tenha sido feito a um intermediador que vá à falência.
O sistema bancário, por onde transita a grande maioria da massa monetária, incentiva a sua mínima retenção fora do sistema e a sua utilização preferencial como empréstimo. O sistema bancário tudo faz para dar uma aplicação a essa moeda. Mas só uma diminuição dessa massa monetária permitiria o seu melhor controle e aplicação, diminuindo a especulação.
Se a moeda fosse somente utilizada como instrumento de troca não necessitaria de sair do sistema para produzir os seus efeitos, mas manter-se-ia sempre disponível. Mudaria de proprietário e/ou de Banco, mas pronta a ser reutilizada de imediato na mesma função. Mas depois duma troca o novo proprietário pode não estar disposto a gastá-la. A única saída é o empréstimo ou aplicação em meios de produção.Na realidade nem com o empréstimo nem com a participação em negócio a moeda sai do sistema. Em relação a quem a cede é que a sua reversibilidade pode ser a tempo definido ou sem momento previamente determinado. O certo é que, pela mesma mão ou por outra, a moeda voltará ao sistema a qualquer momento. Actualmente entre a liquidez a disponibilidade efectiva há uma curta distância.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Falta argumentação a Defensor Moura

Em política raramente a argumentação vem em primeiro lugar. O normal é alguém que detém o poder fazer tudo para o alargar, sem se preocupar com justificações estruturais. Fá-lo por entender haver merecimento para isso, sem se preocupar com o patamar a que esse ambicionado poder deve ser exercido, sem se perguntar se terá estaleca para isso.
Defensor Moura acha que se valorizou o suficiente para ambicionar outros voos. Mas não procura em si a razão do seu falhanço na expansão do seu poder. Ora essa razão está somente na maneira abrupta, intempestiva, agressiva que adopta para fazer valer as suas razões puramente pessoais. Defensor Moura manifesta-se incapaz de assumir responsabilidades regionais.
Defensor Moura está agora numa procura ansiosa de argumentos para se justificar, para se armar em vítima, que é sempre aquela imagem que maior aceitação tem. Mas, à falta de argumentos válidos, é o lado ridículo que vem ao de cima, quando se afirma líder de uma comissão de apoio a si memo. No entanto uma comissão de apoio ajuda sempre ao folclore.
A implantação de uma plataforma logística em Valença merece-lhe agora uma contestação a destempo, despropositada. Mais uma vez a dificuldade de partilha com o restante Alto Minho dos benefícios que se podem obter pela simples existência de Viana do Castelo e do seu porto de mar. A estreiteza de vistas dificulta-lhe a análise da questão.
Defensor Moura apoquenta-se porque só lhe querem dar um em dez votos e quereriam que ele pagasse um terço das despesas mas isso é falso. No que se refere a encargos da Comunidade Intermunicipal do Minho-Lima com pessoal, se estipula no seu artigo 26º que “As despesas efectuadas com o pessoal da Comunidade são assumidas em partes iguais pelos Municípios associados e relevam de igual modo para efeitos do limite estabelecido na lei para as despesas com pessoal do quadro desses Municípios.”
Só no que se refere a endividamento os estatutos da Comunidade estipulam na alínea 4 do artigo 35º que “Os Municípios são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das dívidas contraídas pela Comunidade, na proporção da população residente.” Este subsidiário quer tão só dizer que não são responsáveis directamente mas apenas em última instância, no caso de não ser possível atribuir a responsabilidade da dívida doutra forma.
Para dar brilho às suas teses, Defensor Moura apresentou à sua volta um conjunto de pessoas que o apoiam. Todos os políticos têm na sua órbita quem se prontifique a estas causas e se mostre mesmo disposto a comprometer os seus próprios méritos. Mas os políticos deveriam ter maior escrúpulo em utilizar as pessoas quando estas estão numa situação de dependência.
Esta dependência assume muitos aspectos, mas é o económico que mais chama a atenção. Quando há dependência funcional depressa se chega à dependência intelectual e política e à suspeita sobre a possibilidade de o apoio só ser dado pela existência de um poder disciplinar, o que tira todo o valor a estas manifestações.
E Defensor Moura sabe disto? Claro que sabe, ninguém põe em causa a sua capacidade de entendimento. O que está em causa é a perversidade do seu raciocínio, o mau emprego das suas energias, que podiam ser utilizadas a favor do Alto Minho e do engrandecimento de Viana.
A pergunta que com mais insistência fazemos é como é possível este homem se deixar enredar em interesses tão mesquinhos, tão limitados, vistos de um ângulo tão reduzido, quando o miradouro de Santa Luzia até permite ver mais além.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Como nos podemos defender da crise

“Andamos por aí” há anos, talvez há décadas a falar de crise. A voz “popular” falava em crise porque entendia que as suas necessidades e eventualmente muitos dos seus caprichos não estavam satisfeitos. Mas eis senão quanto uma crise verdadeira, daquelas que nos tira a voz, nos bate à porta.
Ela aí está, corrosiva tanto quanto uma crise que se preze deve ser. Uma autêntica crise tira-nos algo daquilo que já foi nosso e não nos tira aquilo que afinal nunca tivemos. Uma mudança que nos faz diminuir as expectativas não é uma crise mas tão só um reajuste provocado pelo cair de algumas ilusões.
Há séculos uma crise ficava-se pela fome e pela miséria, que isso de expectativas era para pitonisas, corroía-nos a carne e até nos levava os ossos. Uma peste, uma chacina, faziam a limpeza do excesso demográfico para o grau civilizacional da altura e tudo se reajustava durante mais um tempo em que haveria um sábio equilíbrio entre o trabalho e o ócio. Os poderosos continuavam poderosos, ninguém lhes tirava a riqueza a não ser que:
Houvesse uma invasão, uma revolução em que de qualquer forma os papeis se invertessem e aqueles que vinham de pé descalço rapidamente encontravam calçado para o seu pé. Os que já não tinham lugar como poderosos, mas também não serviam como trabalhadores, eram chacinados e pronto…por uns anos havia uma acalmia social. Se havia moeda escriturada era ignorada. A má moeda era eliminada.
A crise de hoje é bem outra até porque a estas soluções já não recorreríamos. Neste caso a mudança de mãos da riqueza já é anterior à crise e afinal esta vai atingir aqueles que julgavam ser ricos e ficaram com um saco de “papéis” sem valor. Hoje o que está em causa é a perca de valor do que se tem e não mais a perca do que se tem. Como tal é uma verdadeira crise corrosiva quanto baste. Já não só crise nas expectativas, mas a que se pode repercutir de imediato nos bolsos e na moeda que se não irá escriturar a nosso favor.
O dinheiro vai continuar a valer dinheiro porque é necessário que alguma coisa se mantenha no seu valor para que as outras coisas o ganhem ou percam. Bens de subsistência também vão continuar a haver porque não é isso que está em causa. A fome já não é aqui motivo de crise. A crise já não nos corrói a carne, mas decerto vai corroer a prosápia de muitos.
O mercado não estava cheio de má moeda, mas de balões cheios de ar tóxico, de bens fraudulentos, de falso valor. O sistema bancário e afins promoveram o conto do vigário na sua forma mais modernaça. Pacotes de lindo invólucro e fita a condizer eram vendidos como se contivessem ouro do puro e prata da melhor qualidade. Tudo feito de modo a iludir o mais cauto.
O sistema bancário, promotor ou intermediário, captou muito dinheiro dessa forma e perguntar-se-á qual o paradeiro de tanto dinheiro assim obtido. Na realidade ele está seguro, o problema é de quem ficou com o embrulho nos braços. Isto é, de quem tenha emprestado na boa fé de correr um risco acrescido de modo a obter uma rentabilidade maior.
Boa fé ou ganância há aí uma pequena margem para distinguir comportamentos de pessoas e instituições. Mas talvez possamos colocar os intermediários financeiros como os únicos e exclusivos responsáveis desta situação de crise. Tudo fizeram para aumentar o seu negócio, incentivaram o consumo a níveis incomportáveis de hipoteca do futuro. Ao esticar o crédito concedido e o débito criado retiraram qualquer flexibilidade ao sistema necessária para aguentar os inevitáveis abalos.
Se pelo dinheiro, mesmo que só escriturado, alguém pode responder, o Estado, já os títulos representativos que a finança criou e que assentavam tão só na sua credibilidade, não têm qualquer valor se a empresa falir. No entanto há que distinguir entre os títulos primários, como acções, representantes directos do capital de uma empresa cujo valor é o do seu lugar na economia real e os títulos compostos que a banca elaborou com base em carteiras de outros títulos cujas raízes por vezes se desconhecem.
Normalmente a Banca só terá problemas se garantir a estes títulos compostos um valor que depois não consiga obter e devia creditar aos seus clientes. Já as acções que as pessoas possuem depositadas nos bancos não correm qualquer perigo. Temporariamente porém todos os que acreditaram na pujança da economia estão mais pobres. No entanto alguém lucrou com isso e todo esse dinheiro surgirá em tempo à luz do dia para fazer a riqueza dos crápulas.
Todos deveríamos desconfiar daqueles que nos pedem dinheiro para financiar empréstimos. Mas esse é o trabalho da Banca e é uma função necessária para a economia. No entanto a Banca tem que ser mais desconfiada do que nós próprios. Têm de emprestar somente a quem dá garantias de poder vir a pagar. Ora a Banca tem-se metido nos últimos anos no crédito ao consumo e não é nesta qualidade que as pessoas podem vir a obter receita suficiente para suportar as obrigações que a contracção de uma dívida implica.
A sociedade é capaz de pagar a ineficiência do sistema, de levar aos seus custos a implosão dos produtos tóxicos que proliferam no mercado sem valor definido. É um favor aos banqueiros prestado pelos políticos que não têm outra saída. Mas este facto não os deve impedir de aplicar alterações drásticas na operação bancária, algo que só funciona se houver confiança.
Para nos defendermos teremos que defender aqueles que nos causaram problemas. Estamos todos irremediavelmente solidários pelo menos até ao dia em que os banqueiros possam cantar outra vez de galo, se é que eles alguma vez vão suster a sua ganância. Afinal toda a gente fala dela, esta malvada, mas não estará ela alojada onde menos se espera?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Um novo Génio na política limiana

Uma entrevista de verdadeiro Génio é aquela que o AltoMinho conseguiu de uma personalidade jovem mas afinal já altamente experimentada no domínio da mais pura política, com conspirações, promessas e traições, como convém para endurecer o carácter destes candidatos a nossos governantes.
Uma análise política a esta entrevista esbarra desde logo na dúvida de saber verdadeiramente o que nela se discute, porque não se consegue vislumbrar numa página inteira deste jornal qualquer ideia política merecedora de apoio ou, vá lá, ao menos de rejeição.
Talvez que a ideia do entrevistado seja tão só passar por inocente, vítima afinal dos tubarões da política mais sabidos do que ele e que se não deitam tão levianamente como ele com a primeira estrela que aparece, seja ela Daniel Campelo ou outra.
Este político em formação numa das rampas de lançamento dos políticos do futuro que são as juventudes partidárias chegou afinal à conclusão que já tem arcabouço para se lançar a outros voos, que a sala de aulas já é pequena para ele e os parceiros de estudo parecem não ser muito melhores.
Na verdade não nos podemos pronunciar sobre isto, seria perfeitamente abusivo, não porque nos fosse proibido fazer, mas porque não temos referência a ideias, opiniões, correntes políticas, sequer grupos regionais de interesse que façam mover esta gente, aparentemente em lutas suicidas.
Até são mesmo referidos somente uns três actores políticos, cujas vestes se conhecem mas como verdadeiro papel e objectivos não são revelados. Só se sabe que não devem ser pessoas estúpidas porque descobriram a tempo que o nosso geniozinho era afinal um submarino, velho adepto incondicional da genialidade contagiosa de Daniel Campelo.
Não há nada de novo, de surpreendente neste tipo de comportamento. Afinal Ponte de Lima está cheio, podemos mesmo dizer “prenho de génios”, uns que se revelam mais à opinião pública, outros mais recatados, que só se mostram na sua rua ou lugar, na sua aldeia ou tertúlia. Qualquer bicho careta que dê um pio, se tiver banda orquestrada, é logo entronizado.
Este novo génio andava escondido, rodeado por um grupo de outros jovens igualmente ambiciosos e promissores mas que lhe tapavam a visibilidade. Não há nada como dar uma entrevista desta e aparecer à luz do dia, se não com ideias, pelo menos pronto a contribuir para o folclore político, que talvez Daniel Campelo o aproveite para figurante nos próximos cartazes de campanha.
Há também uma certa culpa dos mais velhos, que não dão a esta juventude o papel que ela pode desempenhar na preparação do seu próprio futuro. Com estes jovens tão afoitos na resolução dos seus problemas, se os puséssemos a desempenhar papéis mais activos para aplicar as suas forças, e talvez não tivéssemos agora às costas os problemas do Sub prime e outros que andam por aí.
Os velhos dão maus exemplos e depois é o que vemos. Ou, por outro lado, aposto com alguém que diga ver aqui alguma ideia com substância, que não seja o velho jogo do poder de alianças e encostos, de traições e empurrões. Por isso fez muito bem este jovem, antes que o empurrassem pela porta fora, que seria o seu destino mais certo, atirou-se ele para o abismo.
Mas ele revela-se inteligente e avisado. Afinal não é um suicida qualquer daqueles que desesperam à primeira. Como não tinha ideias para lançar para o futuro, como parece que amigos não deixa para traz, lançou aquilo que parece estar mais à mão. Com o elogio a Daniel Campelo espera que haja uma almofada amiga a amparar-lhe a queda.
Sugeria ao Daniel Campelo que lhe deite a mão, se ele não quiser voar demais e se se não estatelar de todo. Nos jardins há boas instalações.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A natureza das crises na economia de hoje

Qualquer bem só existe para a economia se for vendável, se houver alguém pronto a atribuir-lhe valor. A economia começou pela troca directa de bens assente na base de que alguém estava disposto a prescindir de alguns deles para adquirir outros que lhe faziam mais falta. Depois começou-se a produzir propositadamente mais do que aquilo de que se necessitava com o objectivo de que o excedente pudesse assim ser trocado.
Mas o aumento do tamanho do negócio e o desfasamento temporal de cada um dos seus actos deu origem à necessidade de uma intermediação, de haver alguém disposto a tomar nas suas mãos o bem vendável até que fosse possível vendê-lo a um ou dispersá-lo por vários compradores em lugares e tempos distintos. A economia tornou-se mercantil e passou a preocupar-se com todos os aspectos que têm a ver com a produção e comercialização dos bens vendáveis.
O Estado criou um novo bem, a moeda, que fornece às pessoas, como subsídio ou como pagamento de serviços que lhe são prestados, para que elas o possam utilizar como crédito imediato no acto de uma transacção sem estar à espera de que outra transacção compensatória se realize. A moeda pode vir a ser usada só no futuro ou então emprestada para ser utilizada por outros enquanto o próprio não necessita dela. A moeda substituiu qualquer outro bem que pudesse ter um valor universal como o ouro ou o sal.
O produtor utiliza aquela moeda emprestada para ir pagando os bens e o trabalho que incorpora nos bens que produz e pretende vir a vender. O distribuidor procurará noutra origem moeda emprestada para comprar bens ao produtor ou a outro distribuidor mais forte para ir satisfazendo o interesse de consumidores mais ou menos apressados. O caminho seguido levou do financiamento da produção ao da distribuição e chegou recentemente ao domínio do consumo.
Por mais oleado que estivesse esta máquina comercial, ela está cheia de ineficiência, atritos, desvios, pelo que a insatisfação social se faz sentir pelos motivos mais variados e movendo as suas culpas para direcções distintas. Os marxistas pensaram que se o Estado se colocasse no início do ciclo económico dos bens e não perdesse os fios à meada, eles depressa chegariam em estado puro a solicitação livre dos consumidores.
O Estado marxista financiaria todos os processos e o consumo seria assegurado por si próprio ou pelos meios colocados à disposição dos trabalhadores em troca da sua colaboração no funcionamento da máquina estatal. Só que controlando o Estado todo o ciclo económico, substituindo-se a todos os seus agentes e actores, também assume o papel do mercado e em última instância definiria a vontades dos consumidores.
O Estado tem muitas outras funções a desempenhar e neste aspecto limita-se à satisfação de um perfil médio do consumidor que lhe permite libertar financiamento e trabalho com outros objectivos. Num Estado marxista o papel da moeda está perfeitamente definido não conferindo a sua posse qualquer função de interferência na estrutura económica. Por não poder ser livremente utilizada, nem é a posse de moeda que permite dar um sinal de satisfação dos consumidores.
O facto de não haver intermediação independente na troca de bens não retira o papel referencial, indicativo da moeda. O importante em qualquer economia é a capacidade de produção e a capacidade de, com um consumo mínimo satisfazer as exigências qualitativas e quantitativas do consumo. Mas para saber da eficiência da economia fará sempre falta determinar o valor monetário destas de modo a incorporar todos os seus custos directos e indirectos.
Por outro lado numa economia liberal os consumidores são determinados nas suas opções por aquele valor, e não havendo um perfil uniforme de consumidor, não sendo possível obter um nível médio de necessidades a satisfazer, o mais importante é conhecer as tendências que se hão-de aplicar na produção. Embora se incentivem todo o tipo de consumos, o distribuidor e o produtor logo correm a tentar saber se é possível satisfazer todas as necessidades que nascem em catadupa a valor próximo do que o consumidor lhes dá.
Como referência no liberalismo económico costuma ser tomado o consumo das classes mais poderosas, não só pelo que representam mas também porque todos as ambicionam atingir. A ambição suprema de todas as classes é a antecipação do futuro, a possibilidade de consumir agora aquilo que só mais tarde se terá obrigação de pagar, sendo que este compromisso é universalmente aceite. O liberalismo económico cultiva a insatisfação permanente dos consumidores.
No liberalismo é entregue à iniciativa privada todo o financiamento da produção ao consumo dependendo da perspectiva de lucro o sentido do seu encaminhamento. A parte do processo económico mais perto das pessoas pelo seu lado mais volátil é o consumo pelo que este constitui para o financiamento a parte mais apetecível, mais lucrativa, com maior capacidade de crescimento. Mas também a que comporta maior risco pela falta de garantia real dos empréstimos concedidos ou pelo menos pela sua depreciação mais ou menos rápida.
Os Estados marxistas falharam quando se acentuou o desfasamento entre a produção e o consumo. As crises nos Estados de economia de mercado derivaram sempre dum excesso de produção desfasada das necessidades e capacidades do consumo, então viradas noutra direcção. O capitalismo como o conhecemos hoje, de financiamento ao consumo, poderia acentuar as crises se reforçasse aquela discrepância ignorando as tendências.
Mas acontece o contrário. Nunca como hoje o consumo determinou a produção e isto assegura que não haverá a velha crise. O problema de hoje assenta na intermediação, na sua desregulamentação, nos seus desvios. A excessiva acumulação de capital determinou o congestionamento dos capitalistas e a asfixia dos consumidores. A natureza desta crise é financeira mas tem por base uma grave distorção da economia.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A ganância institucionalizada

Um amigo meu, professor de profissão, trabalhou sempre no Estado, mas nunca em regime de exclusividade e era adepto fervoroso da iniciativa privada, essencialmente porque para ele só esta garantiria o vencimento da meritocracia. Não dava ao Estado qualquer valor como garantia de emprego que na realidade, à altura, era para a maioria e para si também e não só para os fracos.
Qualificando o Estado como esbanjador de recursos, sejam humanos, sejam financeiros, também não se importaria de que ele o fosse em relação a si mesmo, o que, afianço, não era ao certo o caso. O dinheiro gasto no seu salário não era deitado fora. Mesmo assim era adepto de quanto mais liberalismo económico pudesse haver, que tanta mais eficácia económica haveria e mais premiado seria o mérito.
O liberalismo permitiria que o capital pudesse ser melhor aplicado e melhor remunerado. Dinheiro entregue ao Estado seria mal gasto porque não haveria concorrência no sentido de o gastar melhor, isto é de o pôr a produzir. No sector privado, além da concorrência entre as empresas, é possível haver um processo correlativo de concorrência entre os trabalhadores de cada uma e assim os mais aptos teriam possibilidades acrescidas de serem melhor remunerados.
Esta teoria, que reforça o papel do sector privado, levaria no extremo a que se achasse justo “roubar” o Estado, até porque se lhe não conhece a cara, e também roubar os trabalhadores, porque o mérito pode adquirir uma elasticidade imensa e é fácil penalizar o trabalho. Quando por qualquer destas vias ou pelas duas em simultâneo o possuidor do capital fica com a grande fatia do lucro está-se no capitalismo selvagem e na concorrência desleal.
Claro que o meu amigo não chegaria a tanto. No entanto, se o seu liberalismo não ia a este extremo de todo irresponsável e suicida, ia a um outro potenciador de graves problemas financeiros mas também sociais. Defendia que o Estado deveria intervir o mínimo possível, arrecadar o mínimo possível em impostos, e os órgãos sociais das empresas deveriam ter o máximo de liberdade para se auto-remunerarem.
Este modelo corresponderia ao sistema americano de economia de mercado em que este é na prática autogestionário. Por exemplo, os gestores atribuem-se todas as benesses possíveis e imaginárias, dizem que para executarem com prazer as suas “altas” funções e, com o objectivo de desviar a atenção, distribuem umas sobras pelos empregados. Se ainda por cima conseguirem colocar os concorrentes no negócio a fazer o seu jogo está o sistema completo.
Há aqui uma injustiça de base determinada pela justiça natural que faz com que caem por terra todos os edifícios que não respeitam o equilíbrio necessário do sistema. Na economia haverá fundos para alimentar uma fraude esporádica, uma fraude contínua mas moderada, mas não uma fraude permanente e insaciável. A facilidade com certos edifícios financeiros se criam leva a uma perca da noção dos limites e à procura de nova áreas de especulação.
Porém todos estes processos, que por norma exploram os limites da legalidade e as suas lacunas, são passíveis de existirem um certo tempo mas não o tempo inteiro, toda a vida. Quando esses processos, essas instituições se encadeiam, estabelecer relações entre si, quando cada uma já detectou em si algumas mazelas, pode provocar um efeito de contágio, isto é, podem vir a serem todas vítimas de sinergias negativas.
Quando se dá um abalo em todo um sistema ele afecta de modo desigual cada um dos seus elementos porque naturalmente os seus alicerces são diferentes. O abalo pode ser mais ou menos violento ou mais menos ancorável, mais ou menos delimitável. Num sistema pouco transparente há sempre um período de grande expectativa, de ansiedade, de espera por que a tempestade passe se possível ao lado.
O que aconteceu no complexo sistema americano é um tremor de terra de consequências imprevisíveis. É um sistema vasto, quiçá completo, de que se sobrevalorizou de certo as virtualidades, mas que pode apanhar desprevenida muita gente que não seria suposto estar. É um sistema em que entra a gestão normal de bens, mas também a gestão de valores virtuais, de expectativas, de previsibilidades.
Há quem defenda que no final escaparão as empresas sãs e os gestores conscientes. Mas também há quem sugira que aqueles que introduziram o sangue venenoso no sistema têm muitas possibilidades de escapar ilesos e até altamente beneficiados. E parece serem estes que tal sugerem que mais razões têm. Afinal os relacionamentos são tão vastos e os caminhos tão longos que o rasto de negócios com o grau de virtualidade que estes têm é difícil de seguir.
Aqui até está longe de interessar saber se são os bons ou os maus os mais penalizados. A questão principal é saber se há-de o Estado alimentar os comportamentos fraudulentos, que não se vê virem a terminar. O que mais interessaria era detectar o erro e não permitir que ele se repita, seja qual for a intenção de quem persistir em o promover.
No entanto tudo nos parece manifestamente simples e linear, tudo se parece resumir a não permitir que seja vendido algo indefinido como portador de um valor real. Como é possível vender algo que não seja representativo de um bem mensurável num tempo e num local e que não tenha em si capacidade para se auto-valorizar? Afinal há fundos suficientes de origem suspeita e que necessitam de se aplicar em algo que não há na realidade mas se cria virtualmente.
O sistema bancário e de seguros deixou-se enredar pelo dinheiro fácil. No balanço das suas contas assumiu compromissos sérios e aceitou garantias dúbias. Foi apanhado nas ratoeiras que ele próprio criou. Aquilo que numa primeira fase é uma venda torna-se uma obrigação paralisante. Todo o sistema tem criado afinal expectativas que não consegue suportar e ele é o primeiro a asfixiar.
Aqueles que se deixam enganar pelas virtualidades do liberalismo económico exacerbado, puro e não conspurcado por regulamentos “espartilhantes” e “imobilistas” tem decerto direito a viver nessa ilusão mas prestam um mau serviço à humanidade ao defender a ganância mais inescrupulosa.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O assalto final ao Castelo

Nunca se tornou famoso pelas suas participações em guerras contra os invasores, mas o Castelo de Santiago da Barra corre o risco de ter um papel importante nas questões domésticas. Sede da futura Comunidade Intermunicipal do Minho-Lima situa-se contraditoriamente na sede do único concelho, Viana do Castelo, cujo Presidente de Câmara se manifesta relapso a aderir a esta Comunidade Democrática: Defensor Moura.
Viana é do Castelo, disso não há dúvida, assim ficará, acho que para sempre. Também o Castelo é de Viana e assim permanecerá, mas não porque Defensor Moura se arrogue ser o seu tranquilo protector. Segundo diz já um dia o defendeu de Branco Morais e apresenta-se agora disposto a que “esse” Rui Solheiro se não aproprie dele.
Se o primeiro lhe queria roubar o símbolo, agora “esse” outro quer-lhe retirar mesmo o objecto. Na sua opinião há um apetite voraz que tem tendência a transformar-se em sofreguidão, uma forma de deglutição que Defensor Moura antevê e que desconheço estar nos hábitos de Rui Solheiro. Não há dúvida que quando a linguagem tem estas derivas algo corre mal a nível emocional.
Quem fala a dar correctivos deve pensar que está a falar com crianças e não mede convenientemente a dimensão do seu Ego. Também estas atitudes tinham outrora emenda mas hoje a civilização obriga-nos a sermos mais polidos. O nosso sistema emocional é que às vezes nos atraiçoa porque nele estão ainda arquivadas as nossas reacções instintivas. Feliz ou infelizmente temos de aceitar certas aleivosias sem movimentos aparentes dos nossos músculos.
Coloquemos as coisas nos seus devidos palcos, porque senão vamos andar aí todos a dizer cobras e lagartos dos políticos que se entretêm a discutir a partilha do poder entre si e se estão marimbando para os interesses gerais da população. Como não há concursos sérios ainda se não descobriu outra maneira para ascender ao poder senão arranjar-se um palco para se ser visto.
Defensor Moura assim fez. Utilizou o palco do Hospital de Viana do Castelo para protagonizar os vários papéis que então lhe “entregaram” e pelos vistos ele nunca quis. A imagem que Defensor Moura transporta não é a que ele se quer atribuir, mas aquela que nós fazemos dele: A de um político determinado, nada capaz de cedências, negociações, acordos.
É uma pessoa que, a ser seguida a sua política, faria o rico cada vez mais rico e do pobre um miserável. Um homem de ideias feitas, opiniões pré-concebidas, rigidez e inflexibilidade mentais. Focalizado em Viana, é emocionalmente incapaz de conquistar a vizinhança.
O PS precisou de um homem para bater Branco de Morais e viu nele a mesma estrutura mental e com igual pertinácia. A encomenda saiu certa para o fim em vista, mas tem-se revelado um fardo pesado numa altura em que o PS precisa de ser mais do que um partido do poder, do que um partido que ocupa os cargos de poder usando a mesma lógica dos partidos de direita.
Um político tem que ser qualificado pelo património pessoal que consegue amealhar. Se somente obtém património mediático e o consegue porque se lança para cima dos outros de modo a aniquilá-los, é um pobre. Defensor Moura não lança para a discussão os seus atributos para a liderança do Alto Minho, limita-se tão só a tentar o assassinato de carácter dos seus colegas de partido.
Os argumentos “racionais” que hoje utiliza são os dinheiros e os votos, mas como sente que a questão se não esgota por aí, lá começou a caminhar pelos seus estados de alma, bem mais reveladores dos seus verdadeiros objectivos de amesquinhamento de quem ousa meter-se no seu caminho. E cuidem-se que não será fácil o assalto final ao Castelo se quem lá está não sente a solidariedade.

O SaMiguel de Cabaços

O fruto terá dado o nome à Terra, Cabaços, e tem por isso lugar de destaque na festa, o SaMiguel. É interessante esta festa em que o que se vende são os artigos principalmente da lavoura e do artesanato doados pelos paroquianos e que desfilam em cortejo de oferendas substituindo a tradicional procissão.
O mais espectacular é no entanto os quadros que decoram toda a Igreja feitos de sementes de cereal e de legumes que, com o seu colorido e disposição. formam figuras de sentido religioso. O mesmo material é também usado para decorar os cestos que no desfile vão à cabeça de lavradeiras, elas também devidamente vestidas.
Para animar as concertinas não faltam, o lugar é harmonioso e até o tempo ajudou. Para despedida do ciclo festivo tivemos aqui uma esplêndida festa das colheitas. Bem, despedida ainda não, no próximo fim-de-semana vamos ter, ainda que com um perfil diferente, a Artcolheitas na Gemieira.

Um serão cultural dedicado ao Emparcelamento de Estorãos

O Professor Álvaro Campelo foi o animador do serão cultural que se realizou às 21 horas de 16 de Setembro passado na Biblioteca Municipal de Ponte de Lima. Apresentou os seus estudos prévios para um trabalho mais vasto a desenvolver em relação ao Processo de Emparcelamento e o Regadio da Várzea do Rio Estorãos.
Tendo este processo sido desenvolvido na década de sessenta, suscitou à época sentimentos contraditórios de apoio e de rejeição, cujo estudo, não fora a profunda alteração que se deu na agricultura, poderiam ajudar muito no seu desenvolvimento. Uma das questões que se levantou é mesmo se, perante o fracasso desta iniciativa, o seu estudo não será mais do que de interesse académico.
Sendo uma questão que ainda hoje suscita controvérsia, a que a presença de algumas pessoas que pessoalmente ou cuja família viveu os acontecimentos de então emprestou mais realce, e tendo sido referido que sempre houve pouca participação das pessoas na gestão da Cooperativa administradora do empreendimento, também se chegou a atribuir o seu fracasso a factores estranhos e desviantes em relação aos objectivos pretendidos.
Concluiu-se pois haverem duas questões de maior interesse. Uma a forma como foram ultrapassadas as, digamos, naturais resistências das populações à mudança e o contributo do clero e em particular do Padre José de Estorãos. Outra que seria constituída pelas implicações económicas, sociais e culturais que uma mutação radical na paisagem agrária provocou.
Houve na sua implantação, bem como na gestão corrente uma conflitualidade permanente devido a alterações de hábitos, da natureza dos próprios conflitos que se geravam, à adaptação de novos métodos de gestão. Experiência ingloriamente perdida, ainda se poderá aprender alguma coisa do seu estudo, tal a conclusão que todos tiraram.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O liberalismo económico e a ganância de alguns

Um amigo meu, trolha de profissão, trabalhava numa pequena firma de construção civil. Esta, sem administrativos, sem escritórios, fazia os pagamentos dos salários na própria residência do patrão. Uma vez por mês os empregados lá se deslocavam, chegavam à porta, batiam e, como a porta estava aberta, esperavam um pouco no pequeno átrio de entrada.
Avisado o patrão de quem chegava, começava lá dentro de casa uma esquisita conversa na qual a patroa, se assim lhe podemos falar, tentava demover o marido de pagar verbas tão “avultadas” pelo trabalho dos seus colaboradores: “Este dinheiro faz-nos falta, tu deves estar tolo, parece que não tens filhos para criar, metade chegava bem, eles vão estragar tudo na bebedeira” e outras preciosidades do género.
O patrão já conhecia a conversa, tolerava-a decerto, umas vezes queixava-se dos negócios outras nem tanto, mas lá ia tentando amenizar tanta radicalidade. Ele bem sabia que eram os empregados que lhe permitiam ganhar algum dinheiro e haveriam de levar alguma contrapartida. Não haveria de ser por isso que o dinheiro faltaria em casa. Mais ou menos bem disposto, simulando nada se ter passado, pagava com a maior indiferença possível. Afinal ele trabalhava com eles e tinham muito tempo para conversar.
Os trabalhadores lá se iam controlando, pese embora a vontade de dizer àquela “cabra” uma das boas. Só toleravam o despudor com que ponha em causa o seu trabalho honesto dada a amizade do patrão. Ou seja uma certa cumplicidade que lhes permitia aturar aquelas aleivosias como o patrão aturaria outras. Também sabiam que esta ideia de que os empregados nunca merecem aquilo que recebem está por aí mais espalhada que a junça nos campos de milho.
O meu amigo não estava minimamente preocupado com o facto de ocorrer uma tão grande generalização, mas não há duvida que, quando isso acontece, todos os empregados acabam por ser prejudicados, e empregados somos ou fomos quase todos. Também a realidade se encarrega de desmentir tais afirmações e afinal poucos patrões vão à falência e quando o vão é por outros motivos.
Os novos liberais agarram-se à velha teoria de que é necessário ter lucros, concentrar nas mãos de pouca gente, parece que devidamente seleccionada, muito capital para promover o desenvolvimento. Mas não fazem melhor figura do que aquela tresloucada mulher, porque acham que não há que ter quaisquer escrúpulos na obtenção dos lucros, nem proteger os menos poderosos,
Em sua opinião não se poderá distribuir muito pelos empregados porque estes só sabem gastar, não tem possibilidades de acumular capital para serem empresários e o melhor é portanto receberem apenas o suficiente para subsistirem e se reproduzirem, que a caminharem as coisas por esta via, faltará mão-de-obra.
Pequenos e grandes patrões e candidatos a tais são adeptos desta maneira de ver que afinal é aquela que presidiu durante mais tempo aos destinos da humanidade. Muitas vezes só a religião conseguia suster esta ganância, mas hoje não tem neste domínio qualquer influência. Hoje a ideologia chama-se liberalismo económico mas na prática tal doutrina é a do capitalismo selvagem.
È justo necessário e prudente que os investidores obtenham rendimentos da sua actividade até porque só assim é possível reinvestir, actualizar, modernizar, não ser aniquilado pelo progresso irresistível. Não é viável entrar no capital investido para assegurar o prosseguimento duma actividade, porque é como que um animal comece a comer o rabo que não lhe fará muita falta, mas logo em seguida ter de comer o que lhe faz falta para sobreviver.
Os empregados de hoje, até para dar sustentabilidade à economia, não podem ser os servos de outrora que só recebiam o estritamente necessário para não sucumbir e eram os primeiros a morrer quando aos outros ainda faltava muito para tal. É o seu trabalho que cria rendimento e normalmente é dele que sai uma parte para o seu salário. As pessoas que como aquela mulher clamam contra o pagamento deste só revelam imbecilidade.
Também haverá entre os empregados quem pense que é justo que o patrão pague mesmo que o rendimento por si gerado não chegue para tal. Seria uma forma de redistribuição de rendimentos obtidos no passado e a que se dá o labéu de injustos. É natural que da origem nunca saibamos, mas entrar por esse caminho não leva a lado nenhum. As sociedades formaram-se de forma complexa e a justiça que não é feita atempadamente é um simples arremedo.
Criou-se em tempos a ilusão que o Estado poderia ser o patrão universal que a todos remuneraria com justiça. Além de criação recente da sociedade, também o Estado é constituído por homens que não se submetem a disciplinas rígidas. O contrato social que hoje a maioria das pessoas aceita passa por o Estado ser o garante da posse de capital e do respeito por regras que comprometam todos em especial na distribuição dos rendimentos.
É natural que quem contribui com capital, organização, responsabilidade, risco queira ver-se retribuído sob alguma forma. É natural que quem não pode estar desse lado queira obter os meios suficientes para uma vida digna. Mas se não tivermos um Estado atento, definidor de regras de actuação, fiscalizador exigente da sua aplicação, tudo descamba para a ganância mais pura, para o açambarcamento mais iníquo.
Tem que haver um limite para a acumulação de capital. Não há porém necessidade de perseguição individual aos capitalistas porque nem sempre os maiores são os piores. Há necessidade sim de garantir que uma percentagem significativa dos rendimentos seja para remunerar o trabalho e que a parte destinada a acumulação seja empregue em investimento produtivo e selectivo.