sexta-feira, 26 de março de 2010

A importância dos Ideais na nossa vida

Um Ideal não é uma abstracção. É um conjunto de ideias resultante de um processo de elaboração que se faz com esforço e método. Um Ideal, independentemente de o seguirmos ou não, é a maior herança que uma geração pode transmitir a outra. Muitas vezes porém não compreendemos o Ideal que nos é dado, mesmo quando ele representou muito esforço aos nossos antecessores. Podemos contestar o método ou o conteúdo, nunca porém é de desvalorizar o seu contributo. Só que somos nós os responsáveis pelos Ideais que abraçamos, pelos que criamos e pelos que rejeitamos.
Também herdamos as ideias que são extraídas da realidade e ajudam a dar desta uma imagem aproximada. Mas além das que se extraem e são uma imitação dessa realidade, há as que serão a sua negação. Criamos teses e criamos antíteses e por vezes ficamo-nos por aqui, não chegamos à síntese. Na verdade nós permitimo-nos construir ideias diferentes daquelas que nos são suscitadas e criamos com elas um Ideal. Há pois três patamares na nossa relação coma a realidade: A realidade ela própria e que acreditamos ser absoluta, a nossa percepção da realidade e a realidade idealizada, como nós acreditamos que podia ser para ser melhor.
Historicamente levantaram-se controvérsias entre realistas e espiritualistas sobre a prevalência do real sobre o imaginário ou vice-versa. Ou a realidade é uma simples imitação tosca da Idealização feita por nós ou a que temos acesso ou nós lidamos mal com a realidade e somos responsáveis pelo seu carácter grosseiro e pelas nossas ideias mais grosseiras ainda. No entanto só podemos formular um Ideal se acreditarmos nas nossas próprias ideias porque será necessário ver bem a realidade para a conseguirmos alterar no sentido pretendido.
O nosso carácter Idealista pode levar-nos a criar ideias a partir da negação da realidade, o que seria aceitável, mas já o não é a sua integração num Ideal que se queira tornar imperativo. Infelizmente a nossa história está repleta de desastres provocados por situações destas. Também há imensos casos em que esta situação de dar guarida a ideias não validadas, porque obtidas só por oposição, origina um Idealismo ingénuo e inconsequente. A negação da realidade tanto pode dar origem à agressividade como à apatia. Tudo vai depender de factores psicológicos e sociais.
Os Ideais são de difícil questionamento. As ideias podem ser mais facilmente discutidas. Quando não exprimimos convenientemente uma ideia a melhor forma de ultrapassar isso é dar um exemplo da sua aplicação. Também recorremos a esse procedimento para validar a ideia, a noção abstracto que adoptamos. Porque são necessárias várias ideias para dar corpo a um Ideal este procedimento permite realçar a incoerência que pode existir entre ideias obtidas de diferentes realidades. Nem sempre nos apercebemos que ao formular um Ideal estamos a construir algo de pessoal e muito subjectivo.
Em várias tentativas para pôr em prática Ideais estes falharam e às vezes tornaram-se pesadelos. Ou as pessoas incumbidas de as pôr em prática interpretaram erroneamente a realidade ou o Ideal estava mal construído, isto é, aquelas ideias, definidas daquela maneira, quando colocadas em prática daquela forma, terão dado azo a efeitos perversos. Má fé, falta de clarividência resultante do acumular de erros, de tentativas frustradas, de situações não esperadas, podem alterar o rumo que se pensava vir a ser seguido.
Mas não só a perversidade é uma possibilidade nas pessoas com poder, também nas pessoas sem poder pode ocorrer uma frustração de resultados imprevisíveis. Quando tudo foge à nossa frente somos tentados a culpar todos no presente e no passado em vez de colocar em causa o nosso Ideal. Perante o investimento já feito somos levados a recusar a sua falência, que seria sempre pior que a sua ausência.
Como a imagem que os outros constroem a nosso respeito também tem a ver com os nossos Ideais raramente admitimos a sua falência. Além disso muitas vezes não nos vemos com força para recomeçar, para repensar ideias, conjugar ideias, avaliar a viabilidade do Ideal. Neste caso desligamo-nos da realidade e podemos criar um mundo imaginário, de fantasia. Quando o Ideal se torna o nosso refúgio estamos decerto mal colocados perante a realidade. Quando o refúgio é um Ideal que já não era o nosso o desfasamento pode ser maior.
Quer tenhamos aceitado o Ideal que nos foi transmitido, quer tenhamos construído outro, muitos de nós deparamo-nos a olhar para a realidade e já não a vemos conforme os nossos cânones, vemo-nos reféns de ideias que serviram para um entendimento da realidade passada, mas que continha erros e omissões obtidas de um foco muito estreito ou demasiado amplo e portanto distorcidos, desfocados, perturbados por efeitos laterais. As novas realidades exigem-nos novas ideias e esse não é um problema só nosso.
Para agravar a dificuldade de adaptação à realidade que todos nós sentimos existe o problema de que todo o conhecimento é emocional. Para limitar de modo quase absoluto as nossas possibilidades temos o problema de que muito do conhecimento decisivo é obtido numa fase reactiva da vida e não por um processo criativo genuíno. A “imposição” de um Ideal aos jovens pode ser uma ajuda mas também uma limitação. Mas acima de tudo são as emoções vividas, até em fases pré-conscientes da vida, que a vão condicionar no futuro. Abraçar um Ideal não pode ser fechar os olhos às mudanças que se vão dando.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Mais inteligência é mais amor e mais beleza

É comum falar-se da inteligência como se fala do amor e da beleza, como algo de sublime, inatingível na sua perfeição absoluta. Na verdade a maioria de nós só consegue aceder a um rudimento de amor, de beleza e também, e porque não, de inteligência. A escassez destes valores, que tanta falta nos fazem, em nós e nos nossos pares, é uma grande preocupação de muitos. E também o é o facto deles se desenvolverem alheados uns dos outros. O ideal é uma conjugação harmoniosa dos três.
Porém também não faltará quem nos inunde de amor, de beleza e de inteligência., suas e alheias, bem ou preferencialmente mal distribuídas pelo mundo, mas em quantidade suficiente para que se realce mais em outros o ódio, a fealdade, a estupidez. Presunção e água benta nunca fizeram mal a ninguém, no entanto esses valores ainda são poucos e era bom que estivessem mais difundidos. Seria irrelevante quem fossem os seus portadores, pois não só estes ganhariam, ganharíamos todos com isso.
Porém as pessoas suportam mal que se lhes diga que o seu contributo para esses bens de valor universal é diminuto. Aliás assinalar isso pode ser cruel, principalmente usando designações depreciativas dos méritos de que cada um é possuidor. Quem o faz usando o seu estatuto, o lugar que ocupa, a humildade alheia, não tem classificação para o fazer. A arrogância não pode ter lugar em quem quer ser garante desses valores.
Uma das nossas maiores debilidades na vida social é a inexistência de um pacto de lealdade entre os pares. Somos capazes de amor, de exprimir beleza, somos possuidores de inteligência, mas todos em quantidades diversas. Em termos humanos somos iguais. E também com capacidade de alguma leviandade em relação a valores que deveriam merecer da nossa parte outro tratamento.
É verdade que mais amor e mais beleza suavizariam a nossa vida, mas a muitos de nós sobra-nos escrúpulo para os pedir. Talvez por isso não falta quem se feche em mundos restritos que lhe servem de refúgio só porque aí não lhe faltam odes à sua beleza, louvores aos seus sentimentos, elogios à sua inteligência. Arranja um grupo de amigos que lhe cantam loas e está garantida a eternidade. Não nos podemos deixar enganar por estas imagens montadas.
A conflitualidade pelo amor, pela beleza e pela inteligência é muitas vezes vista como se inserindo na conflitualidade geral da sociedade misturando-se com os interesses pessoais dos seus membros. Cada vez há mais ambição, não só por desfrutar desses valores na sociedade, como por os possuir a qualquer preço. No entanto, antes de os tentar adquirir, era bom ter uma noção desses valores e verificar se a forma adoptada de os adquirir os não contamina irremediavelmente.
A importância dada à inteligência deriva muito do decréscimo da valia da força física. Historicamente sempre foi considerado que a alternativa à resolução dos problemas através da força bruta deveria ser a sua resolução através da aplicação da inteligência, mas infelizmente este percurso nunca foi linear. Se no trabalho a força humana foi já muito substituída por outras forças e, se nas relações humanas houve um grande decréscimo, as relações internacionais ainda se baseiam essencialmente na força, seja de que natureza for.
O facto de não ser dada à inteligência a importância que ela tem também deriva da própria subjectividade com que ela é apreciada e escrutinada. Concordamos em que há muita coisa mal feita, mas não na forma de o fazer. E a melhor maneira de avaliar a inteligência é pela sua aplicação. A inteligência assume formas diferenciadas, mas a que nos interessa é aquela que promove uma boa conjugação com os outros valores universais, mas também com os sociais.
Nunca terminará a controvérsia sobre a inteligência, os seus contornos, os seus bons e maus procedimentos. Afinal a nossa racionalidade limitada só nos permite aceder a parte das virtualidades da inteligência universal. E aquilo a que não acedemos é como se não existisse. A nossa inteligência só pode ser abalizada no quadro restrito em que tem condições para agir. Mas ela própria é a responsável pela criação desse quadro mental e por qualquer desfasamento que possa existir entre ele e a realidade.
Nós tentamos reproduzir os procedimentos da vida real porque só assim conseguiremos perceber a realidade. Mas, por não chegarmos a todas as suas nuanças e imprevistos, enveredamos pela abstracção e verosimilhança na tentativa de nos aproximarmos dela. Até que ponto nos podemos afastar dessa realidade é um desafio a que só cada um pode responder, mas é fonte de conflitos externos, mas também de dramas pessoais.
Afinal a melhor forma de valorar a inteligência é pelo seu contributo para o amor e a beleza, valores que nos dão satisfação pessoal e colectiva. Com inteligência podemos criar estados de espírito auspiciosos, uma estética apropriada, uma ética sustentável. Inteligência sem outros valores universais, sem valores sociais só pode ser esperteza e nega-se a si própria. Toda a avaliação em termos de inteligência abstracta é perigosa e dispensável.
Todos somos penalizados pelo mau uso da inteligência, pela condescendência com os princípios da temporalidade, pela tolerância com as afrontas que lhe são feitas. Na nossa limitada racionalidade só conseguimos progredir a pulso, porque são muitas as solicitações que nos surgem. As análises são cada vez mais difíceis, as sínteses são cada vez mais complexas. Quando nos apercebemos que temos inteligência já os esquemas estão adquiridos, as ideias estão feitas, os sofismas instalados.
Na vida prática o nosso caminho é o contrário da pesquisa. Na vida prática necessitamos de sínteses mais descomplexadas, nem excessivamente redutoras, nem demasiado exaustivas. Mas o objectivo final da inteligência é esse. O desafio é preparar o homem para esta leitura sempre imperfeita, mas suficientemente aliciante da realidade, numa aproximação progressiva aos valores supremos que o universo nos esconde.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Em termos de Ideais não estaremos no fim da história?

Há dados psicológicos, entidades espirituais de que só temos consciência da sua existência quando notamos a sua falta e consequentemente avaliamos a sua importância. Certificamo-nos que existem Ideais quando verificamos que já os tivemos, os não temos agora e adquirimos a noção de que tudo se torna mais nebuloso e mesmo obscuro com a sua ausência. Falta-nos esperar que algum Ideal consiga emergir da sociedade.
A alternativa seria caminhar no sentido de contribuir para a construção de algum Ideal partilhável. Decerto que não podemos ter à partida a preocupação de saber quem vai ser o elemento catalizador, mas o normal será que ele se encontre entre um número muito limitado de pessoas. O Ideal faria então o seu caminho próprio e alargando o seu espaço de confiança.
A maioria de nós desespera. A primeira via não parece exequível nos tempos mais próximos. A maioria de nós sente-se impotente para contribuir positivamente para o bem colectivo, mesmo que o reduzamos ao bem pátrio. Todo o esforço em ser positivo é sujeito a sabotagem política. Porém o problema maior é que a conflitualidade social é geral, embora todos a tentem remeter só para a área política porque é lá que se encontram os mais salientes actores sociais. Perante o manobrismo destes, não se vê hipótese de que saia da sociedade um Ideal que conduza a um acordo social duradouro.
A segunda via para um Ideal é demasiado custosa para as nossas poucas forças individuais. Vencer o egoísmo pessoal que pudesse levar a uma aproximação eficaz com o próximo é uma impossibilidade que a intermediação só disfarça. Os grupos sociais, as entidades colectivas têm lógicas próprias e acabam por ser um obstáculo suplementar. Todas as organizações sociais impõem fidelidades e condicionam os indivíduos, retirando-lhes iniciativa e liberdade.
Perante a crescente exposição pública a que as pessoas estão sujeitas, estas utilizam muito as organizações para se encobrirem. Do mesmo modo os comportamentos tornam-se cada vez mais hipócritas. Se agimos durante séculos na base de um lugar sólido que cada qual ocupava na organização social e criticávamos esse facto atribuindo-o ao corporativismo e à hereditariedade, hoje fazemo-lo deliberadamente.
Em contrapartida os limites da privacidade são cada vez mais estreitos. Por um lado porque a maioria não tem essa cultura. Depois porque os outros associaram sempre privacidade a poder. Sabia-se o que esperar dos poderosos. Hoje há necessidades defensivas que levam a comportamentos dúbios. A desconfiança está instalada, não havendo condições para exigir sinceridade, permitindo que cada atitude tenha uma série de segundos sentidos.
Neste ambiente é difícil florescerem Ideais, quando o máximo que se pode oferecer e solicitar é um acordo temporário que possa limitar e enquadrar num espaço de tempo e num domínio específico o nosso comportamento dando-lhe alguma previsibilidade. Um Ideal realiza-se se provocar uma estimulação suficientemente ampla. Hoje as pessoas não estão viradas para Ideais e neste aspecto resta-nos perguntar se neste campo não teremos chegado ao fim da história.
Se não acordamos na regra a solução parece estar na procura do máximo de versatilidade. Temos no colectivo a sensação de já termos explorado tudo, o positivo e o negativo, de termos levado o próximo a aceitar o que o não prejudica, mas era colocado sob a vara da moral. Desligamos o futuro individual do colectivo naquilo que antes eram superstições e crenças. Hoje o problema é a dificuldade de escolha. Para fugirmos a ela adoptamos como objectivo a adaptabilidade a situações e circunstâncias diversas, e favorecemos a nossa própria atractividade, o que diga-se não exige grande esforço intelectual.
Os Ideais são hoje vistos como estorvos, uma carga que se transporta e que dificulta a vivência do que está para vir. Além dessa incomodidade ainda nos sujeitamos à critica, ao ridículo, ao desdém, quando não ao desprezo. Ninguém hoje acredita que seja possível conciliar um Ideal de vida com a vida concreta, não porque esta tenha qualquer aspecto imoral acrescido, mas porque a visibilidade dos factos que induzem esse sentimento é muito superior e o apelo ao desregramento é muito forte.
Um Ideal não se pode confundir com ascetismo, salvo se este o integra como parte do seu corpo de ideias. Um Ideal é um hino à vida, aceitando-a com o máximo de naturalidade, sem hipocrisias e sem promiscuidade. Um Ideal não pode ser negócio, o aproveitamento de oportunidades, a procura exclusiva de ensejos. Ou poderá se precisamente isto, desde que claramente assumido, conscientemente colocado em prática, sem falsos intuitos judiciosos. Mas uns e outros facilmente concluímos que nos falta um Ideal.
Um Ideal para muitos de nós só faz sentido num ambiente de democracia, de igualdade de oportunidades e se tiver por objectivo contribuir para a manutenção desses valores, permanentemente em risco. Embora se não possa exigir que um Ideal inclua factores politicamente activos não há dúvida que no momento presente parece que ninguém se consegue abstrair desse aspecto.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Fracos no País, fortes numa Europa sem Ideal

Somos um País que acredita pouco na escola como local de formação de cidadãos. No entanto havia necessidade de cursos de formação específicos para políticos que, com base numa escola de formação administrativa e de gestão, tivesse essa variante entre as suas opções finais. Mesmo que a sua qualidade não fosse muito além da das escolas actuais, que, diz-se, não primam pela qualidade, haveria decerto um acréscimo de qualidade em relação à dos actuais políticos.
Quem forma os políticos da nossa praça? Na política não se pode vedar o cesso a ninguém. Se na política são necessários ideias elas adquirem-se em qualquer lugar e em parte alguma especificamente. No entanto, se os nossos políticos tivessem passado por escolas daquele tipo, não brandiriam ideias de modo tão leviano como o fazem, tão reprodutoras de modelos antigos. As boas escolas de hoje incutiriam ao menos uma preocupação de não se copiar apenas o passado.
Os partidos existentes têm tido a tarefa de preparar os seus próprios elementos. Os que se arrogam a propriedade de certas ideias mais consolidadas pelo tempo são os que reproduzem melhor os modelos antigos. Nos discursos desses políticos as adaptações são mínimas e as que ocorrem são mais por uma questão de audiência do que por uma mudança significativa de convicções. A linguagem é igualmente acintosa e incisiva.
Outros partidos dedicam-se às Universidades de Verão e outras iniciativas do género, que sirvam para os velhos pavonearem vaidades e os novos experimentarem o seu loock. Umas ideias sempre se vão adquirindo, se não for aqui nos jornais de referência, ideais estão postos de lado, o que há a apurar é o olhar e a visão causada, a impressão que se consegue provocar na audiência. Hoje são estes os aspectos em que se tem que apostar desde a juventude.
Até por uma questão de facilidade e democraticidade de acesso, uma formação universitária própria para políticos permitiria aos partidos políticos uma escolha mais ampla e menos condicionada. Por outro lado não obrigaria os jovens a escolhas precipitadas, teriam tempo para adicionar a militância a uma aprendizagem mais descomprometida e mais sólida. Assim se ganharia pelo menos no aspecto formal, no clima em que a luta política se processa, mas também na ligação à população que os políticos têm por objectivo atingir e servir.
Nas actuais condições não vamos além da reprodução da mediania, não se promove a melhoria e a inovação. Vemos políticos jovens com uma postura e usando uma terminologia de velhos ancilosados. Limitam-se a vestir a pele de políticos doutros tempos e nem se dão ao trabalho de vestir outra roupagem para disfarçar. Quando se diz que faltam estadistas no momento presente quer-se dizer que faltam múmias para ocupar o lugar doutros idos. Só que já não há lugares, já não há cargos equivalentes aos de outrora.
Claro que uma escola moderna não pressupõe destes professores. A formação não se pode reduzir à cópia, à reprodução fac-similada de estereótipos de compêndio. Mas também não pode passar por tomar como modelos todas as contestações. Porque isso é o que temos. Hoje temos na política filhos de várias contestações, gerações que permaneceram paralisadas no tempo, outras que se foram adaptando, refazendo a sua postural radical.
Há contestações à direita e à esquerda, cada qual sabe o que quer, só que às vezes a confusão é tanta que as pessoas se sentem sem orientação, também elas vivendo ainda com referências a outros tempos e outros modelos. O vocabulário dos políticos é outro, mas o sentido da linguagem é o mesmo. Só que só as girândolas que os mais criativos lançam conseguem sobressair no ruído do desacerto reinante. Porém a criatividade neste ambiente não é garantia de bons frutos, é apenas uma resposta eficaz à adversidade.
Aparentemente as análises pessimistas do nosso panorama político são contraditadas pela Europa. Esta acena-nos com uns lugares e lá vamos nós ufanos pela importância que nos é dada, vaidosos por sermos eleitos sem sufrágio universal. O que fica para trás é de pouca conta, afinal somos pouco mais de um por cento do PIB europeu e põem-nos a fama de sermos malandros e subservientes. Isto é, para nós trabalhamos pouco, mas empenhamo-nos em sermos laboriosos quando se trata de trabalhar para os outros.
Cumprimos diligentemente as regras, não deitamos areia na engrenagem, gostamos que nos enalteçam o brio. Por isso os nossos políticos são bons na Europa, melhores decerto que cá. Só não são bons para encarnar qualquer ideal europeu. Limitam-se a ser peões na mão dos poderosos da Europa. Vão para lá com a mesma postura dos nossos emigrantes de há cinquenta anos. Para ganhar uns cobres, ambas as levas o fazem com dignidade, ressalte-se.
Nos outros países também não haverá políticos com ideais. Fosse o ideal de seguir um caminho próprio, tal como o fizemos há mais de quinhentos anos. Sendo, na minha opinião, este impossível proponha antes um Ideal Europeu a construir com todos os outros países com quem temos um passado comum. A Europa não pode ficar reduzida a um mercado, por mais benefícios que dele possamos tirar. Os nossos políticos, que não têm atrás de si um poder forte a representar, não podem ser simples funcionários a gerir os mínimos em interesses comuns.
Uma escola de políticos não pode hoje formar somente políticos para este cantinho ajardinado da Europa. Tem de formar políticos com ideal europeu, capazes de o partilhar com a população europeia. Precisamos urgentemente de nos livrar dessa miudagem que utiliza o palanque europeu para nos denegrir. O nosso papel na Europa, não sendo grande em euros, tem que ser relevante em ideias e se possível em ideal, porque este não se resume a uma amálgama de ideias, mas a uma sincronia de pensamentos positivos.