sexta-feira, 10 de junho de 2011

É realista não abandonar o sonho

A alteração do discurso ocorre sempre por imperativo da realidade. O discurso tenta acompanhar, pretende adequar ou simplesmente justificar as novas realidades nos enquadramentos em que nos movemos, em que vivemos. Quando são necessários novos balizamentos para compreender a realidade emergente dizemos tão-somente que começou novo ciclo ou que o ciclo político tem que acompanhar o ciclo económico. Então impõe-se um discurso novo. Nem sempre um discurso positivo numa situação degradada merece ser apoiado.
A situação de dependência do País em relação ao exterior vinha sendo denunciada há muito pelas pessoas que se não deixavam iludir pela aparente calma do mar em que nós navegamos. Porém tal situação só se tornaria visível aos olhos de muitos na Primavera de 2010. Tornou-se então irreversível o aprofundamento da crise, isto é, adquiriu-se a consciência quase generalizada de que não tínhamos meios para enfrentar tal estado de coisas. Já não era possível esconder o pessimismo.
Hoje temos ainda menos meios, a pressão exterior é maior, já quase se institucionalizou uma situação de dependência quase absoluta de decisões externas. Só é problemático saber o grau dessa dependência. Se a soberania se define pelo facto de o seu grau de abrangência ser imensamente superior ao grau do nosso contributo para ela, então a soberania que transferimos para a Europa deixa-nos a uma distância enorme dos centros de decisão.
Houve uma redução imensa do nosso poder, até mesmo da nossa capacidade de influência sobre os centros de decisão nos quais se baliza o nosso futuro. Viver neste enquadramento é difícil, gerir um País nestas condições é extremamente doloroso, cansativo, inglório mesmo. Não faltará porém gente a querer a vã glória de ter o poder, já só algum do poder que outrora tivemos, mas suficiente para levar a ambicionar e competir pela sua conquista. Sempre temos de agradecer por isso, por haver tanta gente a querer ocupar cargo tão ingrato.
Hoje é fácil demitirmo-nos das nossas poucas responsabilidades. É fácil dizermos que quem criou os problemas que os resolva, pese embora se vá generalizando a convicção que todos contribuímos, em pouco que fosse, para eles. Mas há sempre uns mais responsáveis do que outros e ninguém quer estar na primeira linha porque é lá onde em primeiro lugar chegam os ataques. Há sempre alguma cobardia em quem diz nada ter com isto. E não haverá qualquer dúvida que é necessária alguma valentia para que quem está preparado para tal se propunha assumir essa primeira linha.
Será por via da nossa impotência que descobriremos a gravidade dos problemas que nos afligem. Desde logo porque mais difícil do que pagar a dívida é pagar os juros usurários que nos impuseram. Desde logo porque veremos a discrepância entre algumas das medidas que nos são impostas e os problemas que pretensamente elas visariam resolver. Entregar mais sectores da nossa economia ao capital sem rosto e sem misericórdia é caminhar na via de um suicídio colectivo.
Quando não estamos em condições de poder exigir grandes comiserações, grandes condescendências com a nossa forma simplória de resolver as questões, acabamos por ter de aceitar pacotes que, se trazem muitas medidas acertadas, também incluem bombas a explodir programadamente e de efeito nefasto. Se é verdade que o problema tem muitas vertentes, se há muitas causas a contribuir para o desequilíbrio das finanças do Estado e das contas exteriores, não é menos verdade que a causa principal é o declínio da nossa produção.
Será pela vertente produtiva que a nossa contribuição individual e associativa mais poderá ter um efeito benéfico. Teremos que vencer a nossa apatia com inovação, empreendorismo e com o reforço da nossa disponibilidade para trabalhar em conjunto, facto que não está nos nossos hábitos pela nossa desconfiança e manhosice crónicas. O problema é que o Estado só consegue suavizar as dificuldades que se deparam á entrada, já não tem qualquer intervenção a jusante, na criação de mercados para a nossa eventual produção.
Pede-se também ao Estado que facilite a instalação de investidores estrangeiros. Essa seria mesmo essencial para podermos aumentar a produção. Se muitas pessoas já estão por tudo, não haverá dúvidas que necessitamos de defender a dignidade dos nossos trabalhadores que muitos estarão na disposição de a atingir. Não podemos esquecer que nos dias de hoje o capital não tem rosto. Se há humanidade em muitas empresas, noutras impera o desrespeito mais sórdido e rapace.
Ninguém apoiará quem não for capaz de manifestar alguma capacidade de inverter a actual situação. Muito menos terá apoio quem à partida se manifeste impotente. Todos queremos o realismo, mas não prescindimos de algum sonho. Haverá formas diferentes de sonhar, porém vence sempre a forma mais acessível, digamos mais simples e directa. Não será por este motivo que nos podemos eximir a participar neste sonho de nos vermos livres desta situação ingrata. Será bom para todos que o sonho consiga sobreviver o mais possível sem que se pretenda que é necessário prescindir doutros. para que esse sonho seja possível.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Tenhamos esperança no futuro!

Um assunto incontornável nos dias de hoje é a política e no seu contexto a economia e a finança. Se a toda a hora é necessário assumir decisões definitivas e algumas irreversíveis, estamos num momento particularmente sobrecarregado de decisões importantes. Umas já estão tomadas, tornaram-se inadiáveis antes que fossemos chamados a votar. Agora uns dizem que temos pouco a decidir, outros, em clara minoria, dirão que ainda há muito a decidir, muita responsabilidade que nos cabe a nós suportar sobre os ombros. Assumamo-la!
Há algo de dramático na situação actual. A maioria de nós desconhecia até há pouco a quantidade de soberania que nós já tínhamos transferido para instâncias exteriores, supranacionais, sobre as quais o nosso controle é diminuto, quando muito corresponde à nossa muito pequena dimensão relativa. Em especial desde que aderimos ao Euro perdemos a nossa capacidade de ter uma política cambial que possamos conciliar com o estado da nossa economia. E se a soberania pertence a outros vemo-los a uma distância, com uma sobranceria que nos exaspera e revolta. É uma soberania pouco participada.
Achamo-nos com direito a uma solidariedade que nos não é dada. Se nos emprestam dinheiro é a um juro excessivo. Também os outros países têm de ir ao mercado financiar-se para nos ceder liquidez e ainda por cima querem ter lucro. Parece que esta Europa que está à nossa frente é uma construção amadora, feita ao sabor de interesses mesquinhos e não com a elevação da solidariedade, com o desprendimento dos interesses egoístas e usurários. Somos demasiado pequenos para fazer vencer regras que não sejam o prolongamento da rapina de que há séculos somos vitimas.
Se a constatação das falhas da construção europeia já não é suficiente para arrepiarmos caminhos na fase em que nos encontramos, deve servir para nossa orientação futura, mas não como desresponsabilizante das decisões que ainda somos chamados a tomar. Não podemos começar tudo do nada. O futuro começa já hoje e inevitavelmente vai ter muito do passado. Aliás no passado, em particular no mais próximo, há decerto bastante coisa de bom. Perante a incógnita do futuro temos mesmo que assumir resoluções mais de carácter defensivo do que de carácter construtivo. Porém tal não nos deve coibir de tomarmos parte na definição e implementação de todas as medidas que a governação impõe.
Muitas das estruturas que julgávamos sólidas, mercê da especulação do capital, começaram a derrocar. Porém elas ainda têm muitos defensores e pessoas empenhadas em colmatar as brechas abertas. A extrema-esquerda, que terá sonhado ver o fim do capitalismo a propósito deste gravíssimo percalço, terá perdido já a esperança em que tal aconteça. A extrema-direita que em Portugal está incrustada nos dois partidos da direita tradicional ainda não terá abandonado as suas expectativas de utilizar este percalço como oportunidade para destruir o que resta do sonho socialista.
A perca de soberania para o domínio dos Estados fortes da Europa tem sido aproveitada para nos quererem impor soluções pretensamente consensuais, mas que não são mais do que um descarado favorecimento do capital, do caseiro, mas também por arrastamento do clandestino e apátrida. Já muito nos têm incutido no nosso modo de viver e de nos relacionarmos. Porém a muito mais nos querem obrigar. Neste caso até se pode dizer (sem confusões pela forma de expressão) que existem cá mais papistas que o Papa. Muitos até querem dar à Europa lições da forma como se deve governar à direita.
Há quem diga que a direita tem hoje um líder inexperiente e pouco perspicaz. Porém há quem pense que esta estratégia de lançamento de propostas desgarradas, de balões de ensaio, se enquadra num propósito de testar o estado de espírito da população em geral. Estaremos nós dispostos a pôr em causa praticamente tudo aquilo que se construiu ou faremos uma barragem capaz de suster a saga destruidora das extremas do nosso espectro político? Também é isto que vai estar em causa nas próximas eleições.
Muitos dirão que o que há a defender é pouco e temos a extrema-esquerda, outros dirão que o que existe é demais e pouco sustentável e temos a extrema-direita. Decerto que alguma razão residual poderá ser atribuída a estas posições extremas. Porém não é este tipo de argumentos marginais que devem sobressair no nosso raciocínio quando nos debruçamos sobre este estado de crise em que quase permanentemente caímos. Ainda temos muito a defender e muita margem para corrigir anomalias e alicerçar uma base capaz de assegurar a construção de um futuro mais solidário.
No fundo o grande argumento da direita nacional é a falta de sustentabilidade do actual modelo social. A solução que a direita defende passa por haver um sector social constituído pelos economicamente dependentes, sobre os quais cairia uma regulamentação pormenorizada e limitativa, e por haver um outro sector social constituído pelos economicamente livres, a quem seria dada a faculdade de definirem a sua própria forma de se inserirem na sociedade e de contribuírem para o equilíbrio e coesão social. Regressaríamos aos tempos em que era impossível ascender socialmente.
A direita sempre utilizou os inimigos externos para justificar a sua política de subjugação dos sectores mais fracos da população. Hoje os inimigos externos, chamemos assim por facilidade de linguagem, estão do lado dessa direita. Ou pelo menos a direita nacional utiliza-os como aliados. Para a direita os melhores amigos são aqueles que nos fazem exigências desmesuradas, sem olhar à génese e à evolução dos problemas. A direita fez tudo no últimos anos para que viéssemos a soçobrar às dificuldades trazidas pelas crises internacionais, pelo desregulamento europeu, pela ganância capitalista. Vamos premiar uma direita que bateu palmas ao naufrágio de que fomos vítimas e que foi causado pelos nossos inimigos?