Há na história uma atitude fundamentalista contra o negócio, atribuindo-lhe a fonte de todos os vícios, de todos os males sociais. Outros mais comedidos atacam tão só a promiscuidade entre política e o negócio, deixando a este um papel fundamental na dinâmica económica. Outros preocupam-se em especial com o facto da justiça não desempenhar o papel que acham que deveria ter na moralização do negócio. Os poucos fundamentalistas de sinal contrário, aqueles que a isso se atrevem, são contra a política porque tudo se devia deixar a cargo do negócio.
Ressalve-se no entanto que esta última é a ideia dominante que transparece, se tomarmos em consideração apenas a espuma dos dias, aquilo que dizem todos aqueles que persistem em querer o povo ignaro. A sabedoria geral já engloba a ideia de que temos que viver com a política e com o negócio, que cada um destes mundos deve ter regras próprias, a sua ligação deve ser transparente e a justiça deve encarregar-se das violações aos seus preceitos. Não se pode é ser governante e negociante ao mesmo tempo e usando os mesmos instrumentos.
O caso do sucateiro Manuel Godinho será no futuro um bom caso de estudo porque comporta muitos dos cambiantes possíveis na violação de regras de conduta nos negócios. Mas também dará para testar a conformidade das Leis com uma prática negocial concorrencial e da prática dos agentes da justiça com as Leis vigentes. Não haverá dúvidas que este caso envolve em si mesmo vários casos que passam pela corrupção de funcionários públicos e de empregados de empresas, pelo suborno de gestores e pelo uso da influência de políticos.
Na economia só há crime se alguém é prejudicado para que outrem seja beneficiado. Não se pode aplicar à economia uma ética abstracta, uma construção legislativa que essencialmente não tenha em conta a natureza dos valores envolvidos. A distorção da concorrência, o prejuízo do Estado, o roubo são os crimes que se convertem em valor. O que está em causa é sempre o prejuízo dum terceiro concorrente, do Estado enquanto angariador de impostos ou dum parceiro de negócio ludibriado na sua relação.
Manuel Godinho fez intervir nos seus negócios todos os agentes possíveis, uns com influência directa, outros com indirecta. Na relação com o Estado temos os funcionários públicos, em particular os das finanças, que, caso tenham cometido erros, mesmo que não tivessem recebido nada por isso, devem pagar por tal. Trata-se de falhas calculadas, de omissões seleccionadas, de procedimentos incorrectamente executados. Há depois outros agentes, como os do trânsito, subornados para facilitarem a movimentação das viaturas.
Do mesmo modo os fiéis de armazém que deixam levantar mais sucata do que a que consta das respectivas guias está a lesar a sua empresa. Os gestores que favorecem alguém vendendo barato e dessa forma prejudicam a empresa em que trabalham, façam-no por negligência ou dolo, devem ser igualmente penalizados. A questão é que dos produtos de que se trata não existe no geral valor contabilístico nas empresas e os sucateiros andam todos ao mesmo. Favorecer um deles ao mesmo preço só pode ser lesivo de uma sã concorrência.
Os políticos que eventualmente indiquem um contacto fazem o que qualquer pessoa faria, aquele que tenta influenciar esse contacto e tira disso proveito já comete um crime pela ética dominante. Porém se recebe uma gratificação não solicitada é questionável se cometerá crime ou se é só o Estado que saiu lesado no pagamento de imposto. Até porque aqui ninguém sai directamente lesado, ainda estamos em fase pré negocial.
O lobbying é uma actividade que vai mais longe do que a simples facilitação de contactos e está regulamentada em muitos países. Em Portugal não está devidamente enquadrada em termos legais. Caso contrário poderíamos saber quem a ela se poderia dedicar. No entanto, e mediante as suas prerrogativas, parece que não estará longe das possibilidades dos advogados. Já para os políticos é uma imoralidade. Não são eleitos ou nomeados por outros eleitos para fazer negócio.
Também a legalidade dos actos praticados pelos homens de negócio tem de estar clara, embora muitos tentem lançar a confusão dizendo que todos os seus actos visam o lucro da empresa, às vezes a sua sobrevivência, a dinamização da economia, o investimento produtivo. Mas na verdade é um erro acometer contra o enriquecimento ilícito quando há tantas dúvidas sobre a forma correcta de enriquecer. A diferença entre o engenho e o vício é difícil de estabelecer. A corrupção activa que parte de um homem de negócio parece-nos menos lesivo do que se partisse dos agentes contrários, quais abutres à espera da presa.
Todos enaltecemos os empreendedores, mas em simultâneo lançamos dúvidas sobre a forma como amealharam tanto financiamento. Questionar a sua legalidade é entrar no jogo do sistema justicialista tão em voga. E neste sistema, como no sistema legal de justiça, são mais os que passam na malha do que aqueles que são apanhados. Talvez a justiça ande atrás do caso exemplar que sirva para atemorizar os que querem seguir caminhos estabelecidos à séculos. A justiça nunca é sistemática, só apanha uma minoria do peixe.
Aliás a justiça não tem outra pretensão que não seja esta. Muito mais eficaz é prevenir a injustiça. A justiça é pouco compatível com o empenho de quem quer vencer onde pode competir com os meios de que dispõe. A justiça é coisa de que se pode falar pouco quando há uma tão grande diferença de meios entre os protagonistas e há dependências comprometedoras. Um dos sítios onde o nosso sistema falha é no facto dos agentes do Estado serem fracos, porque o Estado é desleixado, criador de desigualdades, contraditor entre o incentivo e a caridade.
Quando alguém quer desenvolver um negócio necessita de arte e engenho e com sorte terá sucesso. Se quer chegar depressa aonde outros levam anos tem que utilizar todos os argumentos disponíveis. Porém isto contribui para dirigir demasiado os holofotes para si mesmo, o que terá sido o que aconteceu neste caso. Depois fazer esta mistura explosiva de mensageiros, facilitadores, encobridores, dissolutos parece ser um suicídio. Mas eu só condenaria o Sr. Godinho se ele para desenvolver o negócio tivesse recorrido ao incentivo ou à caridade do Estado. A justiça não vai moralizar o negócio. Só pode castigar os corrompidos.
Ressalve-se no entanto que esta última é a ideia dominante que transparece, se tomarmos em consideração apenas a espuma dos dias, aquilo que dizem todos aqueles que persistem em querer o povo ignaro. A sabedoria geral já engloba a ideia de que temos que viver com a política e com o negócio, que cada um destes mundos deve ter regras próprias, a sua ligação deve ser transparente e a justiça deve encarregar-se das violações aos seus preceitos. Não se pode é ser governante e negociante ao mesmo tempo e usando os mesmos instrumentos.
O caso do sucateiro Manuel Godinho será no futuro um bom caso de estudo porque comporta muitos dos cambiantes possíveis na violação de regras de conduta nos negócios. Mas também dará para testar a conformidade das Leis com uma prática negocial concorrencial e da prática dos agentes da justiça com as Leis vigentes. Não haverá dúvidas que este caso envolve em si mesmo vários casos que passam pela corrupção de funcionários públicos e de empregados de empresas, pelo suborno de gestores e pelo uso da influência de políticos.
Na economia só há crime se alguém é prejudicado para que outrem seja beneficiado. Não se pode aplicar à economia uma ética abstracta, uma construção legislativa que essencialmente não tenha em conta a natureza dos valores envolvidos. A distorção da concorrência, o prejuízo do Estado, o roubo são os crimes que se convertem em valor. O que está em causa é sempre o prejuízo dum terceiro concorrente, do Estado enquanto angariador de impostos ou dum parceiro de negócio ludibriado na sua relação.
Manuel Godinho fez intervir nos seus negócios todos os agentes possíveis, uns com influência directa, outros com indirecta. Na relação com o Estado temos os funcionários públicos, em particular os das finanças, que, caso tenham cometido erros, mesmo que não tivessem recebido nada por isso, devem pagar por tal. Trata-se de falhas calculadas, de omissões seleccionadas, de procedimentos incorrectamente executados. Há depois outros agentes, como os do trânsito, subornados para facilitarem a movimentação das viaturas.
Do mesmo modo os fiéis de armazém que deixam levantar mais sucata do que a que consta das respectivas guias está a lesar a sua empresa. Os gestores que favorecem alguém vendendo barato e dessa forma prejudicam a empresa em que trabalham, façam-no por negligência ou dolo, devem ser igualmente penalizados. A questão é que dos produtos de que se trata não existe no geral valor contabilístico nas empresas e os sucateiros andam todos ao mesmo. Favorecer um deles ao mesmo preço só pode ser lesivo de uma sã concorrência.
Os políticos que eventualmente indiquem um contacto fazem o que qualquer pessoa faria, aquele que tenta influenciar esse contacto e tira disso proveito já comete um crime pela ética dominante. Porém se recebe uma gratificação não solicitada é questionável se cometerá crime ou se é só o Estado que saiu lesado no pagamento de imposto. Até porque aqui ninguém sai directamente lesado, ainda estamos em fase pré negocial.
O lobbying é uma actividade que vai mais longe do que a simples facilitação de contactos e está regulamentada em muitos países. Em Portugal não está devidamente enquadrada em termos legais. Caso contrário poderíamos saber quem a ela se poderia dedicar. No entanto, e mediante as suas prerrogativas, parece que não estará longe das possibilidades dos advogados. Já para os políticos é uma imoralidade. Não são eleitos ou nomeados por outros eleitos para fazer negócio.
Também a legalidade dos actos praticados pelos homens de negócio tem de estar clara, embora muitos tentem lançar a confusão dizendo que todos os seus actos visam o lucro da empresa, às vezes a sua sobrevivência, a dinamização da economia, o investimento produtivo. Mas na verdade é um erro acometer contra o enriquecimento ilícito quando há tantas dúvidas sobre a forma correcta de enriquecer. A diferença entre o engenho e o vício é difícil de estabelecer. A corrupção activa que parte de um homem de negócio parece-nos menos lesivo do que se partisse dos agentes contrários, quais abutres à espera da presa.
Todos enaltecemos os empreendedores, mas em simultâneo lançamos dúvidas sobre a forma como amealharam tanto financiamento. Questionar a sua legalidade é entrar no jogo do sistema justicialista tão em voga. E neste sistema, como no sistema legal de justiça, são mais os que passam na malha do que aqueles que são apanhados. Talvez a justiça ande atrás do caso exemplar que sirva para atemorizar os que querem seguir caminhos estabelecidos à séculos. A justiça nunca é sistemática, só apanha uma minoria do peixe.
Aliás a justiça não tem outra pretensão que não seja esta. Muito mais eficaz é prevenir a injustiça. A justiça é pouco compatível com o empenho de quem quer vencer onde pode competir com os meios de que dispõe. A justiça é coisa de que se pode falar pouco quando há uma tão grande diferença de meios entre os protagonistas e há dependências comprometedoras. Um dos sítios onde o nosso sistema falha é no facto dos agentes do Estado serem fracos, porque o Estado é desleixado, criador de desigualdades, contraditor entre o incentivo e a caridade.
Quando alguém quer desenvolver um negócio necessita de arte e engenho e com sorte terá sucesso. Se quer chegar depressa aonde outros levam anos tem que utilizar todos os argumentos disponíveis. Porém isto contribui para dirigir demasiado os holofotes para si mesmo, o que terá sido o que aconteceu neste caso. Depois fazer esta mistura explosiva de mensageiros, facilitadores, encobridores, dissolutos parece ser um suicídio. Mas eu só condenaria o Sr. Godinho se ele para desenvolver o negócio tivesse recorrido ao incentivo ou à caridade do Estado. A justiça não vai moralizar o negócio. Só pode castigar os corrompidos.
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