terça-feira, 29 de agosto de 2006

Visitação ou profanação do espaço público?

Tenho imensa satisfação em ser bem recebido em qualquer lugar. Não por aquela forma estudada de receber, de adequar os procedimentos de modo a agradar e obter vantagens de quem chega.
Eu gosto que os locais passem tão despercebidos quanto eu. Gosto pois de ser recebido pela forma natural de quem vê no visitante um amigo, um igual, um ser que se respeita e que é respeitador do que cá está e da sua forma de viver.
Como é evidente, referimo-nos a receber no espaço público, espaço que por ser público não é selvagem. Mas sempre há quem, entre os que nos visitam, que entenda que o espaço público é aquele em que tudo é permitido.
Se entendem que para haverem regras na utilização do espaço tem de haver autoridade competente para as definir; Se entendem que para as regras serem exigíveis é necessário que haja autoridade competente que as faça cumprir; Então há uma clara diferença entre nós e quem nos visita.
Para nós a utilização correcta do espaço público é aquela cujos contornos anos e anos de convívio permanente foram definindo. Para os outros, libertos de constrangimentos, num espaço que lhes é estranho, tudo é permitido, a não ser que directa e expressamente interditado.
Ora esta lógica tem de ser corrigida. Não se trata de definir espaços públicos como condomínios municipais à semelhança de condomínios privados. Não se trata de sacralizar um espaço que por natureza é profano, aberto a todos e em que todas as posturas não ofensivas são permitidas.
Trata-se sim de não possibilitar a primazia de comportamentos desopilantes (mais bonito que libertadores do stress), desregrados, que no fundo acabam por fazer a regra e submergem a postura mais civilizada de quem cá está.
Para isto não é sequer necessário definir aquilo que é ou não permitido em termos comportamentais. Não nos cabe esse pretensioso papel de moralistas, numa sociedade que se quer heterogénea e suficientemente permissiva.
O que se torna necessário é criar a possibilidade de não haver acesso selvagem a todo o lado, de não contribuir para a formação de grupos predominantemente de cultura suburbana no ambiente urbano.
Têm que ser defendidas as margens do rio, interditos os acessos à zona interior da circular aos autocarros de passageiros, a não ser para cargas e descargas dos mesmos.
Tem que ser interditado o acampamento selvagem e a confecção de refeições em qualquer sítio. Tem que ser incentivada a construção de parques privados para acampamento e piqueniques preparados no local.
Mas temos também o direito de nos manifestarmos o quão indesejável é o “pessoal” que julga que aqui se pode comportar de qualquer maneira. E isso pode ser feito com placares e outras formas publicitárias.
Tem que se pôr termo a divertimentos e brinquedos que favoreçam comportamentos exibicionistas, alacridade alarve e conflituosidade entre formas de estar antagónicas mas de correcção diferente.
O “nível”, se assim podemos falar, dos turistas que nos visitam está a decair de dia para dia porque o mau escorraça o bom. Principalmente na época baixa, a baixa de nível é preocupante.
A geleira, novo substituto do velho garrafão, sobrepõe-se a tudo que seja apreciação da beleza. São turistas que nem se preocupam em conhecer quem cá está, em se certificar da sua maneira de viver e estar.
Parece que a televisão já deu todo o conhecimento aos nossos visitantes. Ou nos tratam à moda de umas “Lauras”, desmioladas e exibicionistas ou como figuras de jardim zoológico, espécies em vias de extinção.
Mas o que eu acho é que efectivamente eles nem nos vêm, ou deliberadamente nos ignoram. Só conhecem o Daniel Campelo, o do queijo limiano. Só que o Senhor não está cá a toda a hora para se fazer respeitar.

S. Bartolomeu preserva a originalidade

Já há uns anos que eu não ia às Festas de S. Bartolomeu na Ponte da Barca. Como limiano achava aquelas Festas Concelhias só como uma cópia, com certa qualidade é certo, dos aspectos mais típicos das Feiras Novas de Ponte.
Como, ainda por cima, são em dias fixos do ano (23/24 de Agosto) e não, como é habitual, ao fim de semana, uma pessoa que trabalha desabitua-se de lá ir. Mas, quando o tempo dá não se devem perder.
Gente não falta, mesmo assim, em todos os programas, como as Corridas de Cavalos, as Cantigas ao Desafio, as Rusgas, o Fogo, a Procissão. Mas a genuinidade, a maneira natural como a gente da Barca vive a sua festa e assume o seu passado ficou estampada maravilhosamente no Cortejo Etnográfico.
Sem teatralizações, que não faltará muito tempo virão a ser necessárias, o Cortejo deu-nos uma visão ampla dos mais variados ciclos agrícolas, como o do linho, do milho, do feijão, do azeite, do vinho, as várias utilizações da água, os vários utensílios agrícolas confeccionados no campo ou na montanha.
Actividades integradas na vida agrícola como a tanoaria, a matança do porco, o transporte do tojo nos carros de vacas, a condução das cabras para o monte, também foram retratadas com muita veracidade.
A alegria já não será a doutros tempos, as canções já não saltarão tão espontâneas como outrora, os ritmos agora são outros e já estão incorporados no corpo e no espírito. Mas quem já pouco viveu ainda consegue reviver alguma coisa.
Mas, mesmo assim, é no S. Bartolomeu que se encontram as manifestações mais puras dos cantares e lavores, que cada vez mais se vão perdendo.

sexta-feira, 25 de agosto de 2006

O que é que eu que-ro ser qu-an-do for gran-de

As verdades podem não ser eternas. Em relação às perguntas ainda nos questionamos sobre se elas o poderão ser. Mas, na verdade, também estas o não são. As perguntas perdem e ganham sentido com o tempo histórico.
Quando perguntamos a uma criança o que ela quer ser quando for grande, parece-nos estar a colocar uma questão que sempre se pôde pôr, e isto está longe de ser verdade.
Há mais ou menos anos, conforme a civilização em que nos inserimos, esta pergunta não tinha qualquer razão de ser. E mesmo em algumas civilizações ainda hoje a não tem.
Nestes casos o destino das pessoas é mais certo e sabido e não se dá azo a que as crianças tenham a “veleidade” de querer ser coisa diferente daquela que lhes está, à partida, reservada. Por isso a questão não se ponha.
Podemos, felizmente, dizer que cá e agora já não é bem assim. Que não sendo tudo possível, já alguma coisa se pode mudar. E que o destino já não é tão inexorável como o foi noutros tempos.
Simplesmente esta situação tem dado origem a mais confusão, de certo mais na cabeça dos pais do que na das crianças. Mas nós também já sabemos que isto da liberdade traz riscos, lá isso traz, mas compensa largamente.
“Ser alguém”, preciso e determinado, associando isso ao exercício de uma profissão, é, como ambição, um erro grave, mas é o caso mais corrente. A nossa civilização ainda se não libertou desta forma clonada de querer ser.
Tanto mais que as profissões de referência mais usadas se cingem afinal às obtidas por via de uma licenciatura porque com ela é pressuposto obter os conhecimentos técnicos capazes para o exercício cabal dessas profissões.
Visivelmente não está garantido que, nas actuais condições de ensino, esteja assegurado o sucesso posterior no aspecto profissional e sobremodo no aspecto de realização pessoal e social.
Manifestamente há condições humanas, essencialmente psicológicas e morais, que de modo algum estão asseguradas. São condições que no presente não são tidas em conta para efeito de obtenção duma qualificação profissional.
Os diplomas estão carentes de muito conteúdo, pouco representam. As substâncias em falta dificilmente poderiam ser fornecidas como matéria curricular, é verdade. São mais obtidas por outras fontes, como o processo de socialização.
Vou ser de certo modo um pouco caricato:
Como pode um miúdo que, mercê de um tanto número de pressões familiares, mediáticas ou outras, nos diz que quer ser médico e berra perante qualquer tentativa de se lhe dar um purgante qualquer?
Que noção da vida obterá um miúdo que vai andar toda a sua vida a usar todos os artifícios para conseguir, sem grande custo, passar de ano para ano? Como pode ele ter a pretensão de um dia ser professor?
É exemplar pela facilidade, pela ausência de sacrifício.
“Ser alguém” passou há alguns anos a esta parte a ser a suprema ambição das crianças, que no fundo dos pais. E então, se se já é filho de “alguém”, não se pode ser um Zé-ninguém, não se pode ser um “alguém” menos alguém.
Atendamos que, contrariamente sucedeu durante muitas gerações, nos locais onde imperava a lei do morgadio, nas quais se deixava que os filhos segundos fossem menos alguém do que o alguém morgado.
Hoje o normal é que os próprios pais queiram assegurar a situação de igualdade dos filhos na herança e na preparação para a vida. Ora sabe-se que a grande vantagem da reprodução por via sexual é, precisamente, a formação de filhos diferentes, com a possibilidade de terem vidas diferentes.
Aquela ambição de igual sucesso, medido ao peso de ouro, para todos os filhos leva muitas vezes, por impossibilidade prática, a situações de marginalização, droga e a outros fenómenos de uma certa exclusão social.
Não se cura de transmitir princípios que reconheçam igual dignidade a cada indivíduo independentemente de qualquer que seja a função a exercer na sociedade, desde que com legitimidade.
O trabalho necessário à existência de uma sociedade organizada tem de ser executado, malgrado possa gerar desigualdades. O nosso papel deve ser o de contribuir para o amenizar dessas diferenças, valorizando devidamente o contributo de cada um.
O querer “ser alguém” também deve incluir uma boa dose de humildade, de reconhecimento, de solidariedade. Em termos económicos simplifiquemos: O homem deve exigir menos a paga do seu trabalho por rígidos critérios marxianos ou smithianos.
Há muito artificialismo na importância que é dada a certas funções em detrimento de outras. Há muito relevância dada aos resultados obtidos e pouca à qualidade dos meios utilizados para os conseguir.
Há muita discrepância entre a forma de encarar o trabalho no sector privado e no público, para um patrão visível ou para um impessoal ou desconhecido, para obter recompensa ou para obter vantagens.
A política, como exemplo que é para o bem e para o mal, tem de ser encarada de uma outra maneira. Há na política a firme convicção que o sucesso se consegue mais facilmente sem princípios do que com eles, e isto tem de acabar.
Em quase todo o lado, em vez da competição promove-se a desigualdade. Não se mede o grau de desempenho mas o grau de projecção. Não se busca a satisfação moral mas a satisfação hedonista e usurária.
Por tudo isto, aos filhos não é incutido um espírito de empenho e luta fraternal mas antes um espírito de desenrasque traiçoeiro. Face a muita coisa que está mal na sociedade “ser alguém” deveria ser cada um contribuir a seu modo para a melhorar na totalidade.
Nunca estaremos totalmente de acordo. Mas façamos as coisas com claras intenções, sem disfarces e sem falsos caritativismos. Por tudo e por nada se invocam sacrifícios próprios com a mais cínica desfaçatez.

terça-feira, 22 de agosto de 2006

Que futuro para o Parque da Peneda-Gerês?

Sobe e desce por penhascos e rabinas na sua irracionalidade “alegre” o fogo vai devorando aquilo de que tanto gostamos. Empenhamo-nos em encontrar razões, em achar remédios, em arquitectar soluções.
Tudo fazemos para descobrir as motivações, a génese das aberrações que se formam nos espíritos humanos para justificarem o abominável. Até os criminosos já vão dando a sua contribuição para a ciência da alma.
Fala-se do tédio em zonas depauperadas, no clímax do movimento de bombeiros, das sirenes, da azáfama nos momentos de pânico, nas imagens televisivas aterradoras mas esplendorosamente frenéticas.
Não descuramos as velhas invejas, antigas vinganças com destino certo e novas vinganças para destinatários desconhecidos e virtuais. Não podemos esquecer o espírito destruidor e autofágico que se instala nas mentes pervertidas.
Como lidar com esta situação que nos traz todos os Verões esta calamidade, mas em relação à qual, aparentemente, já estamos imunizados e conformados. Enfim, será o aproveitamento da biomassa a solução salvadora?
Será a responsabilização dos proprietários, muitos desconhecidos e desconhecedores de que na sua relação de bens consta mais uma bouça algures sabe-se lá onde?
Que fazer se o maior proprietário é o Estado e este tão mal se comporta nas suas terras e nas terras que, de qualquer forma, tutela?
Todos sabemos que as alterações ocorridas no mundo rural, em muitos aspectos com carácter definitivo, são de molde a que se tenha que pensar o seu ordenamento de uma outra maneira, de certo diversificada conforme o local e as suas particularidades.
Também o Estado terá que repensar a sua intervenção directa na gestão de espaços naturais. A sua responsabilidade é maior, a sua forma de proceder tem de ser exemplar.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês é um pulmão quase virgem, uma reserva única de espécies vegetais e animais, de água, não fosse a zona do País em que há mais pluviosidade.
3.000 hectares da área do Parque foram vítimas da incursão de um fogo que, pasme-se, nasceu a 4 quilómetros do seu limite. Malgrado a larga mobilização de meios e pessoas, ninguém o susteve.
Aqui o contraditório está à visita. A função do Parque não é estar limpo, despido de vegetação baixa, privado de arbustos, estruturado e acessível a toda a espécie de jipes, tractores e tractoretas.
Mas hoje o mundo não é o mesmo de quando o Parque foi criado. As pessoas residentes no Parque foram menosprezadas, tudo lhes era interdito e severamente punido, mas eram conhecidas, aguentaram e nunca constituíram qualquer perigo.
Hoje os visitantes e interessados vêm de todos os lados. O perigo vem de longe, da força trituradora dos subúrbios das cidades, de gente de que se lhes não conhece o cerne, de pessoas sem ligação à terra, sem a alma dos bosques e sem valores.
Hoje o perigo vem dos promotores turísticos, uns interessados no turismo de massas e outros no de gente com massa, exigentes de espaços reservados, do usufruto privado de reservas dentro da reserva natural.
Hoje o perigo vem das empresas de energia eólica, do aliciamento das populações sobrantes, das tentativas de corrupção dos autarcas a quem querem fazer crer que podem fazer seu aquilo que é da humanidade.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês tem um potencial de fornecimento de energia eólica descomunal que cria apetites às almas mais ávidas de lucro e às ambientalmente mais ingénuas, contraditoriamente pressionadas.
Esta questão tem de ser analisada friamente, sem os fundamentalismos que inquinaram a discussão sobre o caso das gravuras de Foz Côa. Nem o Parque da Peneda-Gerês pode ser uma reserva integral, nem o podemos deixar converter num gigantesco bolo de aniversário repleto de velas e foguetes no ar.
Se o Parque deve ter no seu seio zonas de fácil acesso, abertas ao lazer, para usufruto de todos, também é verdade que não se pode tolerar, nem turismo selvagem, nem turismo de condomínio fechado.
Não podemos prejudicar as populações que a custo lá se vão conservando e que precisam dalguma fonte de rendimento, mas não podemos deixar que conluios bem urdidos façam do Parque um mealheiro para mais uns tantos Chico-Espertos, de quem nem o Diabo quer a alma.

terça-feira, 15 de agosto de 2006

Água de rega e lima, de conflitos e de vida

A complexidade da gestão da água é o tema essencial do livro ÁGUAS DE REGA E LIMA SEU APROVEITAMENTO E IMPLICÂNCIAS que CÂNDIDO MONTEIRO editou sob a chancela da Ceres.
A apresentação desta obra agradável, pedagógica, mas essencialmente histórica, ocorreu no dia 12 de Agosto perante um grupo de amigos e foi dirigida pelo autor do prefácio Luís Dantas, tendo assistido o Presidente da Assembleia Municipal de Ponte de Lima, Abel Batista, intervido o Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Ponte de Lima, Franclim Castro, e o Autor da Obra.
A perspectiva histórica não retira qualquer actualidade ao tema, quiçá cada vez mais momentoso. Luís Dantas fez o enquadramento da questão da partilha de águas no tempo, dependente que ela está da divisão da propriedade rural.
À água, elemento essencial à vida, tal como é realçado pelo autor, não tem sido dada a relevância que deveria ter, a não ser em caso de conflito. É este o aspecto de elemento a que só atribuímos importância quando ele é mais escasso que dá um maior relevo a esta Obra.
Os conflitos eram frequentes, em especial nos períodos de carestia, de longa estiagem. Para a pancadaria qualquer arma servia que estivesse mais à mão, como sacholas e foucinhos.
Havia que regular o possível que a água de rega é um bem precioso. Deste exercício complicado que envolvia múltiplas nascentes e muitos mais porções de terreno se encarregavam homens com a sabedoria de Cândido Monteiro.
Mas não é só este aspecto mais técnico, implicando métodos próprios cujo resultado era comummente aceite pelos envolvidos, que interessa salientar nesta Obra. Não se pode esquecer que houve necessidade de transferir de certa forma uma linguagem e uma sabedoria popular para uma linguagem juridicamente aceite.
È de salientar ainda as referências à partilha da água não dividida. É o mundo do tape-tape ou torna-tornarás, este talvez mais em declínio. É o encaminhamento das águas em atolas ou pijeiros, garantido por presença física ou simbólica, pela pintalha, ramo ou lenço que lembrava ao pretendente à água que esta estava a ser utilizada por outrem.
Permita-me, somente, que descubra nesta Obra Inicial e, de certa forma, Iniciática uma certa falta de ousadia em ir mais além, na certeza de que Cândido Monteiro se não ficará por aqui e nos dará a conhecer mais aspectos do seu longo relacionamento com o mundo rural.
È uma Obra que interessará certamente a leigos e a não leigos acerca de uma matéria que nunca poderemos dizer ultrapassada. À qualidade literária do seu texto e dos documentos da sua lavra, precisos e claros, como convém, o nosso agradecimento.
Permita-me que, como a surpresa não está plenamente satisfeita, lhe solicite que … por favor … continue!

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

A Feira das Vaidades

Toda a obra humana é efémera. No entanto os políticos, e em particular os autarcas, têm a pretensão de que o seu trabalho seja perene. Por isso se agarram tanto ao cimento e do alcatrão na esperança que eles perdurem.
Quando se vêm ruínas maravilhosas ficamos extasiados pela ciência, pelo trabalho que aí está depositado, mas também nos interrogamos sobre a civilização, o modo de viver, o sustentáculo humano que deu origem a tão grandiosas obras.
A importância que damos a essas obras depende em última instância do valor que, em conclusão deste interrogatório, atribuímos à vida que esteve por trás, que os rodeou e aos benefícios usufruídos com essas construções.
Se elas foram sumptuárias, despropositadas, inúteis, facilmente concluímos que o modo de viver das pessoas que as puseram em pé era desequilibrado, desajustado, imprevidente. A nossa ideia sobre elas passa a ser negativa.
Civilização que não consegue manter os seus monumentos intactos, úteis, com significado, mesmo que só religioso, é civilização que perdeu ou vai perder também o restante da sua herança.
Mas também quando se fazem “edificações” à revelia dos melhores critérios vigentes, do mais informado bom senso, acaba-se por cair no descrédito da comunidade e até no ridículo. Fazem-se coisas que, mesmo que a civilização perdure, estão condenadas ao camartelo.
Só quando uma sociedade vê as suas exigências mais básicas ficarem satisfeitas, que nunca estão, aliás, é que se pode dar ao luxo de investir na ostentação e na espectacularidade. Mas mesmo estas têm de ser sustentadas num gosto que perdure.
Mas nem as necessidades estão alguma vez plenamente preenchidas, nem o nosso sonho de beleza consegue atingir o pleno gozo. Pelo que, havendo sempre algo para fazer, na “sábia” opinião de Daniel Campelo nunca serei Presidente da Câmara de Ponte de Lima (A.M. 07/07/2006).
Descanse, não é essa a minha ambição. Mas como não vou ser puramente contemplativo. Como sei que na política nada é perfeito mas é necessário fazer com que a satisfação das necessidades esteja sempre mais perto do crescendo das exigências. Como sei graduar essas necessidades e avaliar a sua importância relativa.
E como tenho o direito de ter o meu gosto e de achar duvidoso o gosto dos outros, porque nós ainda não somos a imagem uns dos outros, pelo menos enquanto a civilização for aquilo que me parece ser.
Estou no direito de me pronunciar sobre todos os assuntos de interesse municipal, assim como sobre o ambiente físico, humano e social em que vivo. E, acima de tudo, quero ter uma opinião sobre quem deve ser o próximo Presidente da Câmara de Ponte de Lima.
E, quer os meus argumentos sejam válidos ou não, aceites ou não, não me vou paralisar, nem muito menos diminuir pelas afirmações gratuitas que o Senhor possa produzir sobre as minhas capacidades para exercer qualquer função.
A minha afirmação é contra a sacralização e o diabolismo com que se quer inquinar a discussão pública dos assuntos de interesse municipal. E a minha opinião manifestá-la-ei sempre, seja qual for o impacto que ela possa ter.
Se puder contribuir para que cada vez uma maior número de pessoas saiba ver como deve ser conduzida a coisa pública, analisar correctamente a conta corrente da gestão municipal, em termos de benefícios públicos, argumentar em termos dignos e apropriados em relação ao que está em causa, ficarei satisfeito.
Se puder contribuir para que das ideias que fervilham nas cabeças limianas, se não construam só ditirambos e apologéticas, aleivosias e “bota abaixo”, discursos anacrónicos e absurdos, retóricas balofas e inconsequentes, ficarei satisfeito.
Se em Ponte de Lima se puder vir a confrontar a utilidade das coisas com a vaidade das placas inauguradoras, os custos suportados com os benefícios recebidos, o presente com o que nos espera no futuro, ficarei satisfeito.
Se Ponte de Lima puder conhecer melhor o seu património humano e se a partir dele se puder construir algo válido para o futuro, se puder fazer com que resulte uma mais valia, uma base cultural sólida em que se possa beber a sabedoria dos construtores de ideias, ficarei satisfeito.
Sem estratégia está-se a construir um edifício assente em areia, sem conexão com o passado e sem ligação ao futuro, uma manta de retalhos a que, infelizmente alguma comunicação social dispensa os maiores encómios, porque vive de imagens passageiras e superficiais.

O Espanhol já! …. O Mandarim logo se vê

Porque razão ao espanhol, ou melhor, ao castelhano é dada tão pouca importância, quando se trata da língua falada pelos nossos únicos vizinhos?
Há razões históricas mas nas actuais circunstâncias há muita cegueira em não ver a relevância desta língua a nível internacional e, no caso de Ponte de Lima, a sua importância pelas razões que a proximidade determina.
Não estamos a falar de árabe, mais próprio talvez para os algarvios, de mandarim, talvez importante para os ribatejanos, mas do velho e hoje revitalizado, sempre presente, castelhano.
O castelhano foi a nossa língua oficial ainda na primeira dinastia. Mas, dada a tendência sempre manifestada por Castela em assumir uma centralidade que Portugal sempre rejeitou, nós viramos-lhe as costas e criamos a nossa identidade virando-nos para o mar.
Nós em Ponte de Lima, aqui tão perto, durante séculos não tivemos quaisquer relações, que não fossem esporádicas, com os falantes dessa língua. Acresce ainda a este problema o uso do galego, mais próximo do nosso português, pelos habitantes da nossa fronteira mais imediata.
Portugal e Espanha integraram-se ao mesmo tempo na Comunidade Europeia. As relações comerciais cresceram exponencialmente entre nós. As nossas relações turísticas, embora muito sazonais, são agora também bastante fortes.
Se outro tipo de relações não acompanha esta dinâmica é porque ainda há um grande desconhecimento recíproco. Mas a verdade é que, dada a tendência daquelas relações mais viradas para a economia para mais se reforçarem, é inevitável o desenvolvimento das outras não menos importantes.
A nossa ignorância da língua espanhola é um factor que em muito tem contribuído para a lentidão do relacionamento cultural. O ensino é um outro domínio em que o nosso relacionamento deveria ser muito mais activo e proveitoso.
Mas se o Estado já compreendeu isto, parece que em Ponte de Lima a necessidade de fazer algo neste domínio é ignorada. Por exemplo, o espanhol deveria ser ensinado a partir do 7º ano, ou seja desde o início do 3º ciclo de estudos, como é imperioso.
Nenhuma das Escolas tomou qualquer iniciativa para incentivar este ensino. E ainda mais reprovável é a apatia da Escola António Feijó, na qual se matricularam 16 alunos, pelos vistos sem sucesso. Não podemos aceitar esta situação.
Estes alunos seriam, com certeza, somente alguns dos que estariam interessados nesta língua e a Escola diz-se privada de meios de gestão que lhe permitam implementar o ensino desta nova mas essencial disciplina.
Nós não queremos acreditar que a Direcção da Escola sobrepunha os interesses corporativos acima dos interesses dos alunos que, neste caso, até coincidem em absoluto com o interesse geral.
A apreensão dos professores de francês não pode ser impeditivo do desenvolvimento de novas possibilidades. O francês não deixará de ter a sua importância, mas não pode ter o monopólio. Tem de haver um maior equilíbrio na oferta educativa.
Reconhecida a maior preponderância que deve ser dada ao estudo do inglês é evidente que cada vez mais o espanhol deve ser colocado em pé de igualdade com as outras línguas tradicionais no nosso ensino.
Mudar custa sempre, mas há tanta coisa a mudar no nosso ensino, que ontem já era tarde. Os agentes do ensino têm de compreender isto e colaborar com o governo e a sociedade que isto exige.
Vejamos que o 3º ciclo é constituído por três anos e os alunos que não puderem frequentar aulas de espanhol no primeiro, não mais vão ter essa possibilidade. Mesmo que venha a ser implementado para o ano lectivo 2007/2008 para estes alunos já é tarde.
Se o Instituto Britânico de Ponte de Lima pretende dar aulas de espanhol muito bem. Mas não resolve este grave problema que se está a criar no ensino oficial. Problema que tem alguma dificuldade mas que tem solução.
Com boa vontade, com esforço, com mobilização da sociedade civil e dos agentes políticos, podem ser criadas as condições para que se não perca mais um ano no caminho da modernização do ensino e da sua adequação às novas realidades.

sábado, 5 de agosto de 2006

Conversa à mesa dos Quatro Abades

O Senhor Joaquim, homem de provecta idade, atravessou montes e escarpas para cá chegar, à Mesa do Quatro Abades. O tio já o fizera antes e aqui perto assentou arraiais. Um dia disse-lhe:
Oh! Joaquim olha que tu tens aqui uma boa rapariga para ti. Ela é bonita e, podemos dizer, cobiçada, que pretendentes não lhe faltam. Mas não a vejo lá muito virada para os “santos da beira da porta”. Aproveita tu a oportunidade.
Um domingo o Joaquim pôs-se a caminho. Ele já estava habituado a longas caminhadas. De Refoios, sua terra, até à Vila de Ponte, ia muitas vezes a pé. Ia à feira, ao Salvato Ferreiro, mesmo ao fogo das Feiras Novas. O caminho não lhe metia medo.
O pai só lhe recomendava: Joaquim se vais a algum lado toma tempo ao caminho que à hora da ceia tens que estar em casa. O que houvesse todos tinham que comer juntos.
De Refoios para Vilar do Monte eram quelhas autênticas, ora íngremes ora sombrias, por picos e rabinas, por matos e bosques, mas não se cansou muito: Passados poucos meses, o Joaquim já estava casado.
Ela gostou dele, não há dúvida. Ele agradeceu a boa hora em que o tio e padrinho lhe sugeriu a passagem por esta terra. E tratou logo de vir ajudar a sua nova família nos trabalhos do campo. Que ela era filha única e os bens eram bastantes para ocupar os braços de mais um.
Filhos haveria de ter dois, um que morreu novo, mas também a filha o já deixou. A mulher e o genro foram de igual modo. Ficou com a família reduzida aos seis netos que a sua filha lhe deixou, mas este quiseram ir ganhar a vida por esse mundo além. Para os Algarves, as Franças, só uma filha está mais próxima de si.
O Joaquim, permita que o trate assim, nunca deixou a sua terra, esta sua nova terra, a não ser para se tratar na França e passear a Angola. A sua quinta e outros terrenos que tem espalhados por sete lugares dão-lhe muito que fazer.
Mas o Joaquim também teve necessidade de amealhar uns cobres mais e trabalhou noutros ofícios. Na sua casa fazia de tudo um pouco e, como as vinhas precisavam de esteios, aplicou aqui o que tinha aprendido com seu pai: fez centenas de esteios de pedra.
O Joaquim ainda hoje tem uns maravilhosos foles que tanto o ajudaram a aguçar os picos, os ponteiros e outras ferramentas necessárias para cortar a dura pedra. Com o pai foi muitas vezes ao Salvato Ferreiro à Senhora da Luz, carregado com ferramentas para aguçar e lá aprendeu como o fazer.
Aproveitou a sabedoria para o trabalho que a lavoura lhe ia permitindo. Tem à sua porta esteios de 22 palmos perfeitos e fortes, prontos a resistir aos séculos, se assim o consentirem.
Enquanto teve forças nunca fugiu à labuta dura e persistente. Mas ainda hoje vai tratando da sua horta e do seu vinho, tão bom e puro que não precisa de outras químicas. Para podar e vindimar usa um curioso escadote que tem duas pernas fixas e uma móvel. Assim é mais fácil de guardar e transportar.
Casou com dezanove anos e tem hoje noventa e um. Foram setenta e dois anos neste lugar paradisíaco que lhe deu vida e saúde. Tem a vivacidade e jovialidade de uma criança que está a nascer para a vida. Vive feliz.
O Joaquim tem a franqueza de um justo que não necessita de mentir. Sabe o que é o mundo, mas mantém-se indiferente ao mediatismo da Mesa dos Quatro Abades ali tão perto. A sua vida será doutro tempo mas é pura e cristalina.
O Joaquim é de Cepões porque arbitrariamente alguém assim quis. Mas as linhas divisórias só existem no mapa. Os seus mais próximos estão em Vilar do Monte e é para lá que ele quer ir, um dia, para o eterno repouso.
Que esse dia esteja o mais longínquo possível, que as forças o não abandonem, que tenha muita vida e saúde, é o nosso sincero desejo, Senhor Joaquim.

terça-feira, 1 de agosto de 2006

Também eu pensei um dia em emigrar…

Também eu pensei um dia em emigrar. Não sei se foi por falta de coragem, de dinheiro, ou de apoio. Não sei se foi por falta de preparação para o trabalho que nos era oferecido lá fora, ou de ambição. Não sei se foi por qualquer outro motivo. O certo é que fiquei preso para sempre a esta terra.
Preso a esta “terrinha”, se quiserem. Por mim não era assim tão depreciativo, que pode suar até como outra conversa, mas lá que se diz, diz. Reconheçamos mesmo que, também na dicotomia amor/ódio, estamos todos divididos entre sentimentos por natureza contraditórios.
Sempre fomos uma terra de emigrantes, numa linguagem economicista, exportadores de mão-de-obra. O nosso espírito aventureiro sempre foi a necessidade. A nossa terra, por mais fértil que fosse, nunca dava alimento para tantos filhos. E o mundo precisava de nós.
Para já não falar de outras aventuras, por acaso mais arriscadas e heróicas, lá fomos nós para as “Franças” de há quase cinquenta anos para cá. Os países saídos da Segunda Guerra Mundial, destroçados e humilhados, recuperaram e puseram mãos ao trabalho, mas a sua população já não chegava para o que havia a fazer. Principalmente desde os anos sessenta precisaram de nós.
A epopeia foi, à sua maneira, grandiosa. Por cá o regime, entretanto a braços com o problema colonial, não dava largas à nossa sede de melhoria das condições de vida. Havia então que ir a salto, correndo perigos e deixando a família em sobressalto.
O sonho não ia além do regresso um dia, com alguns cobres para comprar uns terrenos, fazer uma casa e criar algum negócio na aldeia ou continuar a lida de séculos, a lavoura. Alguns ainda pensariam poder vir no seu regresso a trabalhar na profissão que lá fora tivessem a sorte de aprender, mas logo se veria.
Muitos só foram à aventura depois de terem cumprido o serviço militar, mas outros foram ainda antes e vieram a cumpri-lo mais tarde, quando chegada a sua ocasião. Só alguns por lá ficaram até serem desvinculados dessa obrigação. A emigração não era política. Somos um povo resignado.
Muitos já eram casados, mas foram sozinhos, que a vida lá era difícil naqueles primeiros tempos. Outros, solteiros, logo que já tinham uma situação melhorada, casavam preferencialmente com as namoradas que já tinham deixado na terra. E muitas vezes elas por cá ficavam a cuidar dos campos que se iam comprando e dos filhos que iam nascendo.
Mas também se casavam com raparigas de outras terras, à medida que esta também foram sendo levadas pelos seus pais, que lá era mais fácil de se encontrarem do que na sua própria terra. Lá fora conhecia-se a nossa terra sem a ter percorrido.
Esta emigração para as “Franças” teve a particularidade de se estender a todos o país. Foi mais generalizada do que qualquer emigração anterior, embora o predomínio continuasse a ser do Norte. De todo o lado foi gente, até da Capital.
Sempre se pensou que esta emigração seria temporária, que os primeiros emigrantes foram reforçando aqui os seus alicerces, aproveitando as férias para fazer avançar a construção das suas casas, foram mantendo aqui fortes laços familiares.
Era aqui que eles se queriam afirmar. Era ver a alegria com que traziam os primeiros carros, usados, mas autênticas “bombas” para nós. O contentamento era maior quando, passados poucos anos, já cá apareciam com modernas “máquinas”, a que nós cá nem pensávamos chegar.
Era aqui que eles queriam ver reconhecido o seu esforço, o seu labor e investir os seus cabedais e o seu saber. Mas nós continuávamos pachorrentos, no velho remanso rural, com alguma inveja, mas tentando por todos os modos escondê-la.
Poucos foram regressando, mas, no geral, fizeram-no com sucesso. De tal modo que alguns diziam que a sua “França” era aqui. Vinham com algum capital que procuravam aplicar da melhor maneira em oportunidades que aos de cá escapavam. Os seus negócios quase sempre prosperaram.
Mas a maioria foi-se integrando nas sociedades de acolhimento. Os filhos foram estudando, empregando-se, ganharam novos relacionamentos, misturaram-se com emigrantes doutras origens e com os da “casa” também. Já poucos voltarão.
Os mais velhos ainda cá vêm, mas estão lá fora a maior parte do tempo a tratar dos netos, quando já estão reformados. Passou a euforia do voltar de vez, de tratar da casa e de alguns terrenos na terra que os viu nascer. Agora preferem o descanso de um apartamento em zona urbana onde estão mais próximos de tudo.
Com os mais novos é diferente. Não são ainda os assimilados, que isso levará gerações, mas muitos já se sentem como nacionais. Estes filhos que nós não soubemos reacolher, que nós não tivemos condições para reintegrar na nossa débil sociedade, que vão perdendo os seus laços, agora familiares, logo culturais, ainda têm saudades, mas cada vez as vão perdendo mais.
Estes compatriotas, que na sua maioria saíram deste país com pouca escolarização e um vocabulário deveras reduzido, cada vez têm mais dificuldade em se expressar em português. Só no meio para onde foram viver é que entraram em contacto com outras realidades e por isso tiveram necessidade de usar termos cuja tradução agora desconhecem.
Se nós não gostamos que eles se exprimam em estrangeiro, com certeza que eles o não farão por gosto. Quando falam em português têm que “meter” necessariamente algumas expressões pelo meio na sua língua adoptiva. A distância à memória destas é mais curta.
É célebre, pela negativa, porque só revela a tacanhez dos que por cá ficamos, a forma depreciativa como víamos a utilização da palavra “vacances”. Se a grande maioria dos que foram nunca haviam pensado em ter “férias”. Se mesmo aqueles que não eram lavradores entendiam por “féria” aquilo que se pagava pelo trabalho de quinze em quinze dias: a féria quinzenal.
Na nossa pequenez de vista “gozávamos”, ou pretendíamos tal, com uma situação que tinha tudo de normal. Os emigrantes, principalmente os que foram para os países europeus, deram um salto, não só aquele salto por cima da fronteira, mas um salto por cima da nossa mesquinhez.
Os emigrantes, genericamente, tornaram-se intelectualmente mais independentes, mais capazes de enfrentar novos desafios, mais audazes. Desligaram-se de velhas amarras e passaram a ver o mundo com outra amplitude.
Claro que temos de dizer que muitas das suas referências ainda são as de cá. Para muitos o seu mundo da juventude ainda se mantém mais familiar e acolhedor que o meio mais indiferente e até agressivo em que vivem. Mas o tempo vai produzindo o seu efeito corrosivo.
Lamentavelmente ficarão cada vez mais afastados de nós, mais assimilados pelas sociedades em que vivem, mais desprendidos do seu berço. As segundas e terceiras gerações já poucas raízes visíveis terão do seu passado geracional.
Contra esse afastamento nós pouco fazemos. A não ser uns brilharetes no futebol, nada reforça a nossa ligação. Muito há a fazer para que os laços se não quebrem e para que eles, sentindo-se lá integrados, possam continuar a viver a portugalidade.
Se há uns anos a esta parte as suas visitas periódicas à terra, no Natal, na Páscoa ou em Agosto, não eram postas em causa por ninguém da família, hoje a situação é diferente. Os interesses são divergentes e para os mais novos visitar a terra de seus pais já não é de modo algum atractivo.
Já não é tempo de pensar no dinheiro que eles possam trazer para cá, embora não seja despiciente para o país. Mas uma visão puramente economicista levou a que não fosse dada qualquer importância aos aspectos culturais e civilizacionais que interessava preservar.
Parece que temos a sensação que também nós não ficaremos por cá muito tempo. Também nós partiremos um dia à aventura. Também nós abandonaremos um dia esta “terrinha”, que nunca o deixará de ser. No fundo a nossa convicção é a nossa resignação.
Só conseguimos ser grandes lá fora. Aqui todos os brilhos depressa empalidecem. Lançam-se nuvens sobre tudo o que é mais progressivo. As invejas suplantam os louvores. Aqui sacraliza-se a mediania. Não temos olhos para a diferença.
Os nossos emigrantes continuam ávidos de ter alegrias com aquilo que também é deles e tem cá a sua fonte. Sentem que com o corte abrupto das suas raízes ficarão mais pobres, mais desprotegidos, mais tristes, mais descaracterizados. Sentem que há mais que aspectos superficiais que os ligam à sua terra.
Mas sentem também que, no geral, não serão eles o cofre-forte do nosso património. Tiveram que lutar muito pela sobrevivência para que pudessem ter tempo para se preocuparam com outros aspectos. Também nós, dirão muitos. Mas sempre estivemos mais perto da fonte, com mais possibilidades de convívio, de transmissão geracional, de preservação.
É isso que eles esperam, decerto, de nós. Que lhes despertemos a chama, que lhes avivemos a memória, que lhes recordemos o passado, que lhes apontemos as razões porque somos assim. Que os deixemos pensar no substrato comum a nós todos, os de cá e os da diáspora mais longínqua.
A força do momento é muito grande. Possivelmente muitos de nós pensam que é melhor preocuparmo-nos com o presente, que ele já nos dá motivo de muita preocupação. Que é mais importante a integração nas sociedades de acolhimento, o cuidado a ter com possíveis fenómenos de exclusão.
Acho que os nossos emigrantes só terão a ganhar com o fortalecimento da sua identidade. E acho que eles, genericamente, também pensam assim. Nos dias de hoje não é necessário andar escondido, furtar ao conhecimento dos outros as nossas origens.
Num mundo cada vez mais miscigenado, com enormes forças a favor da uniformização e descaracterização dos indivíduos, em que muitos vêm evidentes benefícios, há que manter as particularidades que nos valorizam, que nos diferenciam e em que nos reconhecemos.
Temos de fazer mais e melhor, evitar as nossas descrenças e reforçar em nós o que é mais positivo. No confronto com outros, salva a nossa congénita humildade, temos que reafirmar a nossa postura de povo destemido mas benévolo, de cujo passado nos temos mais de orgulhar do que de desprezar.
Sempre fomos pequenos no poder e na força. Mas com o nosso atrevimento fizemos coisas de que outros mais poderosos se orgulhariam, se o tivessem feito. Os momentos menos bons cabem a todos, mas os nossos foram mais determinados pelo contexto do que pelo nosso âmago.
A nossa influência espalha-se pelo mundo inteiro. Os nossos emigrantes chegaram a todos os lugares da terra. Conseguir manter laços a unir-nos é o nosso maior desafio. Para isso a política não serve. Mas são os políticos que têm o poder de fazerem algo por isso. E, essencialmente, que monopolizam as disponibilidades que podiam ser aplicadas nesse objectivo.