sexta-feira, 25 de junho de 2010

Existe na política um tempo da verdade?

A verdade é um valor superior que ninguém pode contestar. Porém não há maneira de os políticos se entenderem sobre o seu uso, a sua colocação. No entanto na política a verdade tem ao menos um valor prático. Mesmo assim discute-se a que assuntos a verdade absoluta se poderia aplicar. Se haveria momentos e circunstâncias em que seria de esperar o respeito estrito da verdade. Mesmo sabendo que uma maneira frontal de abordar assuntos não é adequada em muitos momentos e circunstâncias políticas. Momentos e circunstâncias de menor exigência e assuntos de menor importância podem permitir uma maior displicência.
A verdade pura e cristalina sofre em política verdadeiros tratos de polé. Aliás como em todos os sistema sociais. Uns vão-se aperfeiçoando mais do que outros, mas ao contrário alguns até acabam por desaparecer por falta de verdade. Não é o caso da política que nos faz falta e a verdade sempre avançará. Os momentos podem ser incómodos, as circunstâncias podem ser inconvenientes para exigir verdade. Razões internas, mas essencialmente externas, podem ser invocadas para que a verdade não suba ao de cima como o azeite.
Às vezes os ditos interesses superiores do Estado recomendam uma certa falta de rigor, que a informação não vá além do superficial. Hipocritamente alguns políticos exigem a verdade sobre os assuntos que lhe interessam e nem tanta sobre aquilo que interessa aos outros. E muitas mentiras passam incólumes porque não há ninguém com voz suficiente forte para clamar pela verdade. Também não falta quem procure legitimar uma política desconhecida com a simples invocação da pretensa mentira em que se sustenta a política alheia.
Não existe uma autoridade independente capaz de ser responsável pela verificação da verdade e mesmo pela iniciativa de a procurar. Nem é viável instituir um novo órgão entre os políticos e o povo soberano. Depois não há conveniência na democracia directa. O povo não tem que se pronunciar em cada momento e em todos as circunstâncias, antes o deve fazer depois de obtidos os resultados das decisões políticas. Em politica só as eleições podem ser o tempo da verdade.
Não cabe na cabeça de ninguém, por mais cândido que seja, que o político tenha que falar a verdade absoluta sempre e a propósito de tudo. Em termos políticos essa verdade não é em si um objectivo a atingir. É mesmo controverso que politicamente essa verdade possa ser comprovada, se é que exista mesmo. A transparência seria a qualidade necessária em política para que a verdade se pudesse comprovar. Mas como vimos nem sempre a transparência é aplicável. O jogo político é um jogo de sombras, penumbras e pouca luminosidade.
Certas opções políticas seriam impossíveis se antecipadamente se tivessem que tornar claras todas as suas implicações. E precisamente é em domínios que afectam interesses de grupos sociais e económicos poderosos que há menos possibilidade de chegar a acordo. Enquanto uns lutam pela transparência outros lutam pela eficácia prática da sua acção. E não se pode pedir transparência só para os assuntos em que isso nos favorece.
A ideia de que a mentira está sempre do outro lado é uma presunção exagerada que foi muito utilizada para justificar uma política. Salazar dizia que a verdade estava consigo porque os seus inimigos seriam defensores de uma política de mentira. Ferreira Leite fez-nos reviver há pouco tempo esses tempos negros de obscurantismo. Os propósitos próprios devem ser os primeiros a ser referidos. Hoje lançar sobre os outros o labéu da mentira já não chega para ter crédito. A verdade persecutória não é meritória.
A verdade existe a vários níveis e com exigências diversas. Aliás que seria de nós se não reconhecêssemos que a verdade existe. Podemos tê-la ignorado durante muito tempo e já ser difícil atingir o contexto em que ela se possa revelar, mas não a podemos perder totalmente de vista. Não podemos entregá-la ao primeiro que se arrogue o direito de a possuir.
Os donos da verdade já não existem. A verdade tem vários momentos, mas o normal em política é uma aproximação razoável à verdade só surgir quando a sua utilidade já é reduzida. Não se pára a história para dar razão à verdade. E nem a história chega para nos revelar toda a verdade. Com o tempo há várias verdades entre as quais a prefixada, a verdade persecutória e a verdade prática.
Em política a ordem do dia tem uma importância relevante. A velocidade com que os temas passam pela ordem do dia diz muito sobre eles. Muitos assuntos que se vêem a revelar importantes nem lá passam. Uns saem mais esclarecidos do que entraram, outros nem tanto. No entanto o que lá se prova tem mais relevância, é a verdade prática. Assuntos que permanecem muito tempo na ordem do dia estão mais sujeitos ao escrutínio geral o que pressupõe que a questão venha a atingir um patamar superior de verdade. No entanto uma questão não é verdadeira só porque está insistentemente na ordem do dia.
Quem mente não fica inibido de mais tarde pedir uma política de verdade. Na altura a mentira passou porque ninguém conseguiu colocar a questão num prisma mais revelador da verdade. Mas é difícil desmontar as falácias de outros em tempo útil. Com o tempo as pessoas sabem mais, mas quanto mais tarde se colocar uma questão, mais irrelevante ela será, embora mais probabilidades hajam de a verdade ser esclarecida. Esta escapa-se pelo meio de meias verdades com bastante agilidade e deixa-nos mesmo estupefactos.
Muitos acreditam que ser dogmático é meio caminho para a verdade. Porém os dogmas são perecíveis, referem-se ao passado. Se nós não sabemos como vai ser amanhã a economia, a moral, a ciência, afinal todos os campos do saber, não temos todos os dados que nos indiquem o melhor caminho, aquele que pode ser seguido com mais verdade. Por isso, porque não temos a verdade prefixada, nos permitimos errar. Outros terão a verdade persecutória que raramente os levará a algum lado. Para nós temos que nos conformar com a verdade prática. A esperança de que o tempo da verdade há-de vir não será para todos. Mas também esses se têm que inquietar com a falsidade em que viverão.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Afinal vamos mesmo ter de ser nós a pagar?

Há anos que nos andam a dizer que devemos, cada um de nós já sabe há muito que deve uma pipa de dinheiro. Nunca nos tinham posto contra a parede, nunca nos deram um prazo para pagar. E enquanto isso não ocorria era como nada se passasse, como se remetessem essa obrigação para os nossos filhos e netos. Iríamos deixar uma herança para eles pagarem, mas só o facto de já cá não estarmos nos sossegava. Quem é que viesse depois que fechasse a porta. Além de pensarmos que não seria a nós que viriam a pedir contas, sempre vale a máxima de que enquanto o pau vai e vem folgamos as costas.
Eis que os Gregos, além de deveram grossa massa, ainda falsificam estatísticas, contas, tudo. Os homens do dinheiro não são diferentes dos outros e pensaram logo que quem não reconhece que deve é porque não quer pagar. Meteram-se então em brios e apontaram à Grécia a primeira espada. Afinal se todos os políticos lhes atribuíram as culpas de toda a situação de crise, os financeiros limitaram-se a ensinar aos políticos que são estes que devem dar o exemplo, estipular regulamentos claros, mas também cumpri-los.
Depois da Grécia viemos nós, num processo em escada, mas contagioso. Logo todos os outros países se preocuparam em saber o seu lugar na fila antes que o mal lá chegasse. Todos se quiseram eximir, todos se quiseram defender, pondo outros à sua frente neste alinhamento em direcção à devoração. Na verdade já ninguém conseguiu escapar das admoestações dos homens para quem o dinheiro ainda tem algum significado, os capitalistas e os financeiros.
Afinal o espectáculo dado pelos Estados foi um pouco caricato. Todos tiveram que reconhecer hoje o que para muitos já era evidente há tempos, mas que sempre tinham desmentido. Com a careca à mostra de todos os Estados, todos se revelaram imensamente fracos, todos estavam a viver à custa do futuro, todos estão a encher os bolsos dos seus cidadãos de um punhado de letras a prazo. Nenhuma economia suporta a sucessiva reforma dessas letras. Os Estados habituaram-se a pagar com moeda falsa. Hoje isso não pega.
Ninguém reconhece que os Estados tenham hipóteses de vir a obter meios de pagamentos das suas dívidas presentes. Pelo contrário estas crescem a toda a hora com os juros em que incorrem. Os Estados habituados à pressão social e à concorrência exterior têm agora que incluir a dívida como outro factor decisivo a ter em conta na construção do futuro. Em particular os Estados Europeus têm um deficit energético que lhes limita a margem de opção a assumir.
No fundo teremos que restituir ao Estado, para que esta pague as suas dívidas, o dinheiro que ele andou a distribuir a seu belo prazer. Isto é, os Estados têm que ceder menos à pressão social, concorrer com os mercados imergentes doutro modo porque só pela qualidade já não será suficiente. E não tendo outra fonte de financiamento resta-lhes aquilo que os Estados sempre fizeram em momentos de dificuldade: O confisco dos bens dos particulares. Afinal estamos cada vez mais dependentes do Estado, já não sabemos viver sem ele.
Achamo-nos injustiçados porque entendemos que não fomos contemplados nessa distribuição atrabiliária a que os Estados se entregaram em tempo de vacas gordas? Tanto faz. O segredo do seu sucesso está em não nos dar tempo para fazer contas. Tanta pressa torna a nossa situação dramática, mas um estado de choque é necessário para nos despertar duma letargia que nos tolhe. Nós até nos prontificaríamos a pagar, mas devagar, com tempo. Só que os verdadeiros donos do Capital e da Finança já não vão nessa. Os escaldões já têm sido bastantes.
Há porém um aspecto para o qual teremos que estar em especial despertos. Trata-se do modelo social europeu, algo de vago e impreciso, mas que em Portugal é visível através dos mecanismos de apoio do Estado ao ensino, aos cuidados de saúde e à velhice, em especial as pensões de reforma. Não falta quem ponha em causa esse modelo e queira utilizar esta oportunidade para lhe dar um cheque mate. Perante tantos inimigos do Estado Social, muitos apenas inocentes úteis ao serviço de visionários sem escrúpulos, nunca é demais apelar à ponderação da sua utilidade face às alternativas.
A opção é entre o sistema social europeu ou por um liberalismo desenfreado e voraz assente na gestão privada e especulativa de muitos dos fundos que hoje são púbicos. Ninguém aponta para o fim das pensões, mas para uma outra forma de as obter. Nos extremos temos um desconto obrigatório para um sistema de segurança social que assegura o pagamento dos actuais pensionistas e como alternativo um desconto voluntário para um sistema privada de gestão de fundos.
Num e noutro caso o pagamento futuro só será assegurado pelo trabalho dos jovens de hoje. Ou através dos descontos que eles venham a fazer, ou através do rendimento que o seu trabalho possa proporcionar àqueles fundos onde os nossos descontos estejam aplicados na altura que nos tenham que garantir a pensão. Não há retornos garantidos. Maugrado o descalabro que assola o sistema capitalista periodicamente, mas que nos últimos dois anos teve um aspecto tenebroso, parece falta de bom senso pensar no mérito de entregar ao sistema financeiro a gestão do nosso dinheiro.
No aspecto social não há sistemas perfeitos, mas há uns melhores que outros. Em relação ao pagamento da crise é que não há alternativa: Somos nós que a vamos pagar, não arranjaremos outros que a paguem. Os vindouros já têm sobre si encargos excessivos, entre os quais se realçam as nossas pensões. Só que a desculpa egoísta de que eles não as pagarão se nós descontarmos para fundos com esse fim é tão só um sofisma que os capitalistas nos querem impingir.
De nada serviria dizer que os vindouros já não teriam que pagar as nossas pensões e fariam descontos somente para as suas. Teriam sempre que dar rendimento aos fundos que suportariam as nossas e não seria fácil assegurar a sua rentabilidade. Só que com os malabarismos de desvio de rendimentos, manipulação das bolsas, falências fraudulentas seriam os capitalistas a ganhar e ficaríamos com as mãos vazias. Mas bem presos a um sistema maquiavélico que nos sugaria por todas as formas e feitos. Quem paga somos sempre nós.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O dinheiro nunca é barato

Quando se vê os detentores do dinheiro atacar as próprias moedas isso é motivo de perplexidade para a maioria das pessoas. A primeira razão a que se atribui o motivo desse ataque é a especulação, a valorização dumas moedas contras as outras para conseguir ganhos na sua aquisição futura. Mas uma moeda tão forte como o Euro, tão central no sistema monetário mundial de hoje, será tão vulnerável ao ponto das suas cotações poderem ser manipuladas?
Uma manipulação só é viável se o movimento se tornar irresistível e condicionar os principais detentores do capital. Também só é exequível se houver uma moeda forte alternativa que sirva de refúgio e não esteja sujeita a tão grandes flutuações. Estas condições não se verificam nas actuais circunstâncias. Também no domínio financeiro ninguém age por motivos sentimentais, nem haveria qualquer razão para não gostar do Euro. Isto só pode querer dizer que a pretensão dos ditos especuladores não é manter a situação anterior ou destruir o Euro, mas antes é reforçar o seu dinheiro, estabilizar mais ainda esta moeda.
Aos detentores do capital interessa que haja solidez na emissão da moeda o que só os Estados podem dar. Quando a moeda é sólida, mas os Estados se endividam continuamente, estes tornam-se vítimas da própria rigidez da moeda. Os detentores do dinheiro só podem optar por se manterem no sistema sabendo que ele se encaminha para uma situação incómoda ou tentam movimentar-se o suficiente para acordar os governos da letargia que toma conta deles. A escassez de moeda pode levar os Estados a atitudes impróprias.
Perante Estados que pagam débitos com a contracção de novos débitos só há uma hipótese de lançar o alerta que é através da exigência de pagamento de juros usurários que não correspondam a qualquer produtividade do meio em que é utilizado o empréstimo concedido. Se um Estado entra em dificuldade de pagamento dos empréstimos já contraídos, é natural que os especuladores tentem beneficiar da situação, mas também é natural que aqueles que só querem defender o valor do seu dinheiro, e que são a maioria, participem desse alerta.
. Há aqui um círculo vicioso em que se ligam os Estados e o capital que cria uma interdependência em que o mais forte não é sempre o que parece ser. Afinal o Estado só se limita a disponibilizar os meios de pagamento, mas, a partir da altura que transfere a sua posse para os privados, passa a ser apenas o garante do valor do dinheiro. Como o Estado está interessado no seu próprio bom comportamento, procura providenciar para que a inflação seja reduzida ao mínimo e para que o dinheiro mantenha o seu valor fiduciário. A moeda tem que ser a adequada para o nível de desenvolvimento da economia que lhe serve de base.
Quando o Estado não consegue colectar os impostos necessários para assegurar o seu funcionamento tem que recorrer aos empréstimos, como qualquer outra organização. Como esses empréstimos pagam juros é mais um encargo que os Estados têm que suportar. Outrora, quando os emprestadores eram judeus, ordens religiosas, corporações profissionais, o Estado recorria ao homicídio, ao desmembramento, ao confisco para pagar ou obter os meios de pagamento que lhe faltavam. Hoje o Estado é fraco, não pode ter essas veleidades, é impotente perante os detentores do dinheiro.
Hoje uma certa esquerda baseia as suas teorias numa perseguição tenaz aos detentores do dinheiro. Não haverá dúvidas que muitas suspeições se poderão levantar sobre a maneira como se processou a acumulação de tanta fortuna em tão poucas mãos. No entanto este é um domínio de especulação politica infrutífera e nociva à sanidade social. Mexer no passado é complicado e tem efeitos perversos. O desejo supremo de muitos era verem os seus amigos envolvidos nesse ambiente de suspeita permanente. A mesquinhez está logo aí na primeira curva da estrada.
Aquilo que é justo que as pessoas exijam é a utilização social do dinheiro. Como bem social que os Estados colocam ao dispor de cidadãos e organizações para poderem exercer a sua actividade económica tem que ser usado em benefício do progresso da sociedade. Torna-se é difícil destrinçar entre comportamentos que visam defender e aqueles que visam pôr em causa o valor duma moeda. No entanto é entendido que um primeiro princípio reside em que deve ser facilitado ao máximo o acesso ao dinheiro por parte de quem dele necessita e o pretende repor.
A direita, na sua política de defesa dos detentores do dinheiro, pretende sempre diminuir a pressão sobre estes, fazendo passar a ideia de que o dinheiro é barato. Porém esta ilusão paga-se cara. A mobilidade do dinheiro tem limites e a sua eficácia depende mais da oportunidade de um negócio do que da facilidade da sua aquisição. Já houve tempo em que havia muitas oportunidades e havia juros altos a pagar pelos empréstimos, mas que não eram impeditivos dum investimento. Hoje com juros baixos não surgem oportunidades, a iniciativa individual é mais difícil, o dinheiro barato só serve para consumir e este não tem retorno.
Se um privado ainda pode ter a ilusão de não pagar, o Estado não pode partir dessa pretensão. A única forma de se resolver a sua situação é colectar mais e mais aqueles que não se podem eximir ao pagamento de impostos. Como esta situação tem limites a alternativa é diminuir aos seus encargos, alterar a configuração dos serviços que presta, ter menos pessoas ao seu serviço, pagar menos, dar menos apoios sociais, comparticipar menos nas despesas com saúde, educação, lazer. A dificuldade de enveredar por este sentido reside em determinar o que é essencial e o que é menos fundamental e o que é supérfluo.
Estamos numa situação cada vez mais decisiva em que temos que optar pelo sistema social europeu ou por um liberalismo desenfreado e voraz assente na gestão privada e especulativa de muitos dos fundos que hoje são púbicos. Porém uns e outros, durante muitos anos todos andamos a desprezar certos fundamentos essenciais de um modelo financeiro são. A condição de respeitabilidade do dinheiro, da moeda, do sistema é agora decisiva para todos os que querem uma evolução não atrabiliária em direcção ao futuro.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Terá a Europa acordado? E irá a tempo?

Terá a Europa acordado? Terá o abalo financeiro e económico sido suficientemente forte para manter a Europa alerta o tempo suficiente para tomar as medidas que se impõe de modo a precaver o futuro? Algumas decisões já estão tomadas, mas para além de faltarem outras, falta ainda verificar em que medida aquelas decisões tomadas se tornaram irreversíveis e produziram efeitos para além da sua pura eficácia imediata. Falta saber em que medida a Europa tomará a iniciativa de avançar no caminho da sua própria construção.
Os políticos do “pós-guerra” aprenderam que a política pura e dura em condições de grande conflitualidade não é capaz de produzir efeitos duradouros e todos os avanços derivados do simples jogo político são modestos e temporários. As políticas nacionais exploradas no sentido imediatista, dissecadas até à exaustão dos velhos princípios nacionalistas mais arreigados, não servem como base para qualquer acordo entre nações. Abandonadas aos interesses egoístas, reforça-se o mosaico das soberanias, proliferam os conflitos, os enquistamentos.
Aqueles políticos chegaram à conclusão que a simples cooperação entre Estados, por mais boa vontade que presida à sua implementação, também sofre de uma inevitável erosão com o tempo. Sabiam que com o ressurgir da conflitualidade seria o fim de avanços na coesão ou na solidariedade. Salvou-nos o entendimento entre o francês Schuman e o alemão Adenauer. O acesso em igualdade pelas diferentes economias aos bens mais básicos para o seu funcionamento, a criação de um mercado comum para colocação em igualdade de condições dos seus produtos, foi a forma encontrada de fazer com que o olhar para o destino colectivo dos países europeus prevalecesse sobre o olhar para dentro, sobre a gula.
Caminhar pelo lado da integração económica seria mais seguro que pelo simples acordo político. Desde então a Europa percorreu um longo caminho com percalços e solavancos, com países a diferentes velocidades, com tentativas de impulsos positivos, com regressões desastrosas e humilhantes. A moeda única foi um desses avanços parcelares, que não mobilizou todos os países, mas que se pensou poder vir a arrastar os restantes, tal como sucedeu noutros processos, incluindo na gradual adesão à Comunidade. Porém logo de seguida a rejeição de uma Constituição Europeia constituiu um revés trágico para o avanço há tanto tempo almejado e antevisto pelos europeístas como Monet e Delors.
A crise financeira internacional e a crise económica que se lhe seguiu apanharam a Comunidade Europeia indefesa, sem instrumentos de resposta eficaz. Felizmente a força das circunstâncias levou a que se avançasse para soluções que os métodos de decisão não previam, que ultrapassam as competências delegadas pelos cidadãos nos seus dirigentes e pelos países na União Europeia. A economia suplantou a política, não permitiu que esta continuasse a mastigar soluções, titubeante, a pesar o valor dos pequenos gestos perante a grandeza dum futuro comum a defender e que impõe medidas profundas.
Os políticos aperceberam-se enfim que tinham que adoptar os “velhos” princípios desses primeiros construtores da Europa. Puseram enfim em prática esse conceito libertário de que a soberania não é um fim em si. Um país é tanto mais forte quanto mais contribuir para uma união da Europa, para a coesão, mas tem que ter meios para isso. Porém o euro, sendo a moeda de dezasseis países europeus, não deu origem a uma maior coordenação entre eles. Este sistema monetário não está estruturado e dimensionado para enfrentar momentos de crise, nem tem a flexibilidade de métodos suficiente para responder às flutuações que se geram na economia de cada país e o faz avançar sem sincronia com os outros.
As soluções adoptadas não passaram pelo crivo por que teriam inevitavelmente que passar se as decisões fossem adoptadas por um processo político normal. Tal só prova que a Europa terá que adoptar a sua estrutura constitucional à sua estrutura funcional, mas enquanto o não fizer não se pode deixar destruir. Um avanço institucional é uma necessidade de defesa, mas também será o cimento da construção futura. Porém os políticos enleados por velhos sentimentos nacionalistas só pressionados pelos acontecimentos conseguem avançar, abandonando as preocupações de forma para se debruçarem sobre os conteúdos. O interesse europeu impõe que só se aprimorem os processos decisórios depois de resolvidos os problemas de fundo.
Não se sabe o dia em que nos será permitido pesar o bem que temos nesta Europa que resolveu sair da letargia em função do mal que nos poderia vir a acontecer se ela não tivesse uma resposta à altura. Mas devemos estar seguros que é melhor ficarmos nessa ignorância e deixar que os políticos aproveitem estas ocasiões, em que a força das circunstâncias são favoráveis, para avançar no sentido da integração europeia, do federalismo. Se surgir em breve um período em que as dificuldades sejam esquecidas, o individualismo social prevalecerá na maneira de analisar, ponderar e decidir em termos de estruturas sociais e políticas.
Só em dificuldades abandonaremos as nossas ideias de nacionalismo estreito. Se agora podemos avançar sem pesar ganhos e percas porque os objectivos imediatos são convergentes, podemos estar certos que o antagonismo, a inveja, o revanchismo despontarão de novo. No entanto as situações graves também criam uma certa anestesia que levam o colectivo a calar perante a consumação de factos que podem em breve adquirir o estatuto de direito. Decerto que os políticos aproveitarão este facto no bom sentido porque o caminho é estreito e não prevê retrocesso. Se ou actuais políticos não tiverem a visão dos construtores da Europa estaremos tramados.