segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O assalto final ao Castelo

Nunca se tornou famoso pelas suas participações em guerras contra os invasores, mas o Castelo de Santiago da Barra corre o risco de ter um papel importante nas questões domésticas. Sede da futura Comunidade Intermunicipal do Minho-Lima situa-se contraditoriamente na sede do único concelho, Viana do Castelo, cujo Presidente de Câmara se manifesta relapso a aderir a esta Comunidade Democrática: Defensor Moura.
Viana é do Castelo, disso não há dúvida, assim ficará, acho que para sempre. Também o Castelo é de Viana e assim permanecerá, mas não porque Defensor Moura se arrogue ser o seu tranquilo protector. Segundo diz já um dia o defendeu de Branco Morais e apresenta-se agora disposto a que “esse” Rui Solheiro se não aproprie dele.
Se o primeiro lhe queria roubar o símbolo, agora “esse” outro quer-lhe retirar mesmo o objecto. Na sua opinião há um apetite voraz que tem tendência a transformar-se em sofreguidão, uma forma de deglutição que Defensor Moura antevê e que desconheço estar nos hábitos de Rui Solheiro. Não há dúvida que quando a linguagem tem estas derivas algo corre mal a nível emocional.
Quem fala a dar correctivos deve pensar que está a falar com crianças e não mede convenientemente a dimensão do seu Ego. Também estas atitudes tinham outrora emenda mas hoje a civilização obriga-nos a sermos mais polidos. O nosso sistema emocional é que às vezes nos atraiçoa porque nele estão ainda arquivadas as nossas reacções instintivas. Feliz ou infelizmente temos de aceitar certas aleivosias sem movimentos aparentes dos nossos músculos.
Coloquemos as coisas nos seus devidos palcos, porque senão vamos andar aí todos a dizer cobras e lagartos dos políticos que se entretêm a discutir a partilha do poder entre si e se estão marimbando para os interesses gerais da população. Como não há concursos sérios ainda se não descobriu outra maneira para ascender ao poder senão arranjar-se um palco para se ser visto.
Defensor Moura assim fez. Utilizou o palco do Hospital de Viana do Castelo para protagonizar os vários papéis que então lhe “entregaram” e pelos vistos ele nunca quis. A imagem que Defensor Moura transporta não é a que ele se quer atribuir, mas aquela que nós fazemos dele: A de um político determinado, nada capaz de cedências, negociações, acordos.
É uma pessoa que, a ser seguida a sua política, faria o rico cada vez mais rico e do pobre um miserável. Um homem de ideias feitas, opiniões pré-concebidas, rigidez e inflexibilidade mentais. Focalizado em Viana, é emocionalmente incapaz de conquistar a vizinhança.
O PS precisou de um homem para bater Branco de Morais e viu nele a mesma estrutura mental e com igual pertinácia. A encomenda saiu certa para o fim em vista, mas tem-se revelado um fardo pesado numa altura em que o PS precisa de ser mais do que um partido do poder, do que um partido que ocupa os cargos de poder usando a mesma lógica dos partidos de direita.
Um político tem que ser qualificado pelo património pessoal que consegue amealhar. Se somente obtém património mediático e o consegue porque se lança para cima dos outros de modo a aniquilá-los, é um pobre. Defensor Moura não lança para a discussão os seus atributos para a liderança do Alto Minho, limita-se tão só a tentar o assassinato de carácter dos seus colegas de partido.
Os argumentos “racionais” que hoje utiliza são os dinheiros e os votos, mas como sente que a questão se não esgota por aí, lá começou a caminhar pelos seus estados de alma, bem mais reveladores dos seus verdadeiros objectivos de amesquinhamento de quem ousa meter-se no seu caminho. E cuidem-se que não será fácil o assalto final ao Castelo se quem lá está não sente a solidariedade.

O SaMiguel de Cabaços

O fruto terá dado o nome à Terra, Cabaços, e tem por isso lugar de destaque na festa, o SaMiguel. É interessante esta festa em que o que se vende são os artigos principalmente da lavoura e do artesanato doados pelos paroquianos e que desfilam em cortejo de oferendas substituindo a tradicional procissão.
O mais espectacular é no entanto os quadros que decoram toda a Igreja feitos de sementes de cereal e de legumes que, com o seu colorido e disposição. formam figuras de sentido religioso. O mesmo material é também usado para decorar os cestos que no desfile vão à cabeça de lavradeiras, elas também devidamente vestidas.
Para animar as concertinas não faltam, o lugar é harmonioso e até o tempo ajudou. Para despedida do ciclo festivo tivemos aqui uma esplêndida festa das colheitas. Bem, despedida ainda não, no próximo fim-de-semana vamos ter, ainda que com um perfil diferente, a Artcolheitas na Gemieira.

Um serão cultural dedicado ao Emparcelamento de Estorãos

O Professor Álvaro Campelo foi o animador do serão cultural que se realizou às 21 horas de 16 de Setembro passado na Biblioteca Municipal de Ponte de Lima. Apresentou os seus estudos prévios para um trabalho mais vasto a desenvolver em relação ao Processo de Emparcelamento e o Regadio da Várzea do Rio Estorãos.
Tendo este processo sido desenvolvido na década de sessenta, suscitou à época sentimentos contraditórios de apoio e de rejeição, cujo estudo, não fora a profunda alteração que se deu na agricultura, poderiam ajudar muito no seu desenvolvimento. Uma das questões que se levantou é mesmo se, perante o fracasso desta iniciativa, o seu estudo não será mais do que de interesse académico.
Sendo uma questão que ainda hoje suscita controvérsia, a que a presença de algumas pessoas que pessoalmente ou cuja família viveu os acontecimentos de então emprestou mais realce, e tendo sido referido que sempre houve pouca participação das pessoas na gestão da Cooperativa administradora do empreendimento, também se chegou a atribuir o seu fracasso a factores estranhos e desviantes em relação aos objectivos pretendidos.
Concluiu-se pois haverem duas questões de maior interesse. Uma a forma como foram ultrapassadas as, digamos, naturais resistências das populações à mudança e o contributo do clero e em particular do Padre José de Estorãos. Outra que seria constituída pelas implicações económicas, sociais e culturais que uma mutação radical na paisagem agrária provocou.
Houve na sua implantação, bem como na gestão corrente uma conflitualidade permanente devido a alterações de hábitos, da natureza dos próprios conflitos que se geravam, à adaptação de novos métodos de gestão. Experiência ingloriamente perdida, ainda se poderá aprender alguma coisa do seu estudo, tal a conclusão que todos tiraram.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O liberalismo económico e a ganância de alguns

Um amigo meu, trolha de profissão, trabalhava numa pequena firma de construção civil. Esta, sem administrativos, sem escritórios, fazia os pagamentos dos salários na própria residência do patrão. Uma vez por mês os empregados lá se deslocavam, chegavam à porta, batiam e, como a porta estava aberta, esperavam um pouco no pequeno átrio de entrada.
Avisado o patrão de quem chegava, começava lá dentro de casa uma esquisita conversa na qual a patroa, se assim lhe podemos falar, tentava demover o marido de pagar verbas tão “avultadas” pelo trabalho dos seus colaboradores: “Este dinheiro faz-nos falta, tu deves estar tolo, parece que não tens filhos para criar, metade chegava bem, eles vão estragar tudo na bebedeira” e outras preciosidades do género.
O patrão já conhecia a conversa, tolerava-a decerto, umas vezes queixava-se dos negócios outras nem tanto, mas lá ia tentando amenizar tanta radicalidade. Ele bem sabia que eram os empregados que lhe permitiam ganhar algum dinheiro e haveriam de levar alguma contrapartida. Não haveria de ser por isso que o dinheiro faltaria em casa. Mais ou menos bem disposto, simulando nada se ter passado, pagava com a maior indiferença possível. Afinal ele trabalhava com eles e tinham muito tempo para conversar.
Os trabalhadores lá se iam controlando, pese embora a vontade de dizer àquela “cabra” uma das boas. Só toleravam o despudor com que ponha em causa o seu trabalho honesto dada a amizade do patrão. Ou seja uma certa cumplicidade que lhes permitia aturar aquelas aleivosias como o patrão aturaria outras. Também sabiam que esta ideia de que os empregados nunca merecem aquilo que recebem está por aí mais espalhada que a junça nos campos de milho.
O meu amigo não estava minimamente preocupado com o facto de ocorrer uma tão grande generalização, mas não há duvida que, quando isso acontece, todos os empregados acabam por ser prejudicados, e empregados somos ou fomos quase todos. Também a realidade se encarrega de desmentir tais afirmações e afinal poucos patrões vão à falência e quando o vão é por outros motivos.
Os novos liberais agarram-se à velha teoria de que é necessário ter lucros, concentrar nas mãos de pouca gente, parece que devidamente seleccionada, muito capital para promover o desenvolvimento. Mas não fazem melhor figura do que aquela tresloucada mulher, porque acham que não há que ter quaisquer escrúpulos na obtenção dos lucros, nem proteger os menos poderosos,
Em sua opinião não se poderá distribuir muito pelos empregados porque estes só sabem gastar, não tem possibilidades de acumular capital para serem empresários e o melhor é portanto receberem apenas o suficiente para subsistirem e se reproduzirem, que a caminharem as coisas por esta via, faltará mão-de-obra.
Pequenos e grandes patrões e candidatos a tais são adeptos desta maneira de ver que afinal é aquela que presidiu durante mais tempo aos destinos da humanidade. Muitas vezes só a religião conseguia suster esta ganância, mas hoje não tem neste domínio qualquer influência. Hoje a ideologia chama-se liberalismo económico mas na prática tal doutrina é a do capitalismo selvagem.
È justo necessário e prudente que os investidores obtenham rendimentos da sua actividade até porque só assim é possível reinvestir, actualizar, modernizar, não ser aniquilado pelo progresso irresistível. Não é viável entrar no capital investido para assegurar o prosseguimento duma actividade, porque é como que um animal comece a comer o rabo que não lhe fará muita falta, mas logo em seguida ter de comer o que lhe faz falta para sobreviver.
Os empregados de hoje, até para dar sustentabilidade à economia, não podem ser os servos de outrora que só recebiam o estritamente necessário para não sucumbir e eram os primeiros a morrer quando aos outros ainda faltava muito para tal. É o seu trabalho que cria rendimento e normalmente é dele que sai uma parte para o seu salário. As pessoas que como aquela mulher clamam contra o pagamento deste só revelam imbecilidade.
Também haverá entre os empregados quem pense que é justo que o patrão pague mesmo que o rendimento por si gerado não chegue para tal. Seria uma forma de redistribuição de rendimentos obtidos no passado e a que se dá o labéu de injustos. É natural que da origem nunca saibamos, mas entrar por esse caminho não leva a lado nenhum. As sociedades formaram-se de forma complexa e a justiça que não é feita atempadamente é um simples arremedo.
Criou-se em tempos a ilusão que o Estado poderia ser o patrão universal que a todos remuneraria com justiça. Além de criação recente da sociedade, também o Estado é constituído por homens que não se submetem a disciplinas rígidas. O contrato social que hoje a maioria das pessoas aceita passa por o Estado ser o garante da posse de capital e do respeito por regras que comprometam todos em especial na distribuição dos rendimentos.
É natural que quem contribui com capital, organização, responsabilidade, risco queira ver-se retribuído sob alguma forma. É natural que quem não pode estar desse lado queira obter os meios suficientes para uma vida digna. Mas se não tivermos um Estado atento, definidor de regras de actuação, fiscalizador exigente da sua aplicação, tudo descamba para a ganância mais pura, para o açambarcamento mais iníquo.
Tem que haver um limite para a acumulação de capital. Não há porém necessidade de perseguição individual aos capitalistas porque nem sempre os maiores são os piores. Há necessidade sim de garantir que uma percentagem significativa dos rendimentos seja para remunerar o trabalho e que a parte destinada a acumulação seja empregue em investimento produtivo e selectivo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

As Feiras Novas e a tormenta do tempo

Irá estar bom tempo? Irá estar mau tempo? Esta dúvida começa a consumir-nos já lá para meados de Agosto, por via deste antagonismo velho e de certo modo já gasto e ultrapassado que mantemos com os de Viana. É pela Agonia que começamos a preocuparmo-nos se acaso somos nós a ter que emprestar os panais aos de Viana, se são eles que os haverão de emprestar a nós lá para o terceiro fim-de-semana de Setembro.
Tradição sem fundamento, essa história de que para uns terem bom tempo terá que calhar aos outros sofrer as amarguras de algum temporal. Mas que serve tão só para atestar uma anacrónica rivalidade que unia e desunia estas duas comunidades cujos destinos, é bom que se diga, nunca se harmonizaram em proveito de todos. Não cabe aqui saber de quem é a culpa
Para não sairmos do domínio festivo, no qual todos queremos ser os melhores, também é bom que se diga que eles, os de Viana, se pelam por ter umas festas iguais às nossas. Eles lá vão copiando o troar dos nossos bombos à hora do almoço, levam-nos o fogo de artifício para a noite, roubam-nos as concertinas. Só há uma coisa que eles não são capazes, o Canário é mais nosso que é deles, de cantar ao desafio.
Foi com estas coisas do turismo, da massificação, hoje já tudo passa por genuíno mesmo quando o copiamos, é da pura lavra quando é estranho. No entanto não sejamos maus e até não tenhamos medo de comparações. Nós todos recebemos. Afinal eles caem cá nas nossas Feiras Novas como tordos, eles sabem que só cá bebem das fontes tradicionais.
E por falar em beber até o temos cá bem melhor do que o de Perre, eles sabem disso e também não escapam sem beber uma sidra. A propósito falou-se dum projecto que, mesmo sendo uma cópia das Astúrias, não deixava de ter fortes raízes nesta região. A promoção da sidra como produto regional seria, sem dúvida, uma boa ideia que terá surgido a Daniel Campelo mas que parece ter sido relegada lá para outra geração.
Infelizmente a nossa iniciativa privada deve estar à espera que lhe entreguem algum projecto de bandeja, com mercado, fontes de financiamento e matérias-primas garantidas. Mas deixemos isso que afinal estávamos a falar de Festas que sempre é do melhor que sabemos fazer, e já nos estávamos a desviar para a crítica maldizente e verrinosa.
Uma das coisas que antes das Festas também nos apoquenta é de saber se vai haver vinho novo. Sempre o Locas, o Cachadinha ou o Chessman da Veiga providenciaram para que ele não faltasse mas com isto da ASAE a dúvida instala-se cada vez mais. Eles já andaram por aí a ameaçar o sarrabulho, o frango de pé descalço e qualquer dia metem-se com o nosso néctar.
O melhor talvez seja estar calado que ninguém nos ouve, quanto mais lê. A festa é uma brincadeira e como tal tem que haver alguma permissividade, licenciosidade, chamem-lhe também o que quiserem mas não nos chateiem muito. Não somos daqueles que se contentam em que no cortejo etnográfico se faça vinho e se dê vinho novo a beber. Na tasca é bem melhor.
Talvez haja quem goste de mais limpeza, de mais higiene. Na verdade podemos e devemos melhorar. Acima de tudo só permitir que se instalem tascas em sítios não térreos, embora saibamos que numa Festa é o ar que está permanentemente poluído de poeiras, de aromas, assim como o está também de sons. Afinal ainda há por onde escolher.
Todos nós gostamos de dar alguns remoques, de contribuir para que se viva melhor a Festa. Só que há duas maneiras de resolver os problemas: Ou ir solucionando as questões ou deixar que eles se acumulem. E então surgem os profetas a querer que se corte o mal pela raiz e se comece tudo do zero. Não parece ser essa a opção correcta mas os responsáveis têm que fazer um esforço extra para não agravar a situação, antes para melhorar o ambiente.
O carácter das nossas Festas tem que ser preservado, conquanto que os jovens já lhe imprimiram também um cunho mais actual. Quem não conhece as Feiras Novas até julgará que cá decorrem duas festas paralelas que se não cruzam e decorrem de costas voltadas. Felizmente que ainda há muitos pontos de contacto e interligação e essa integração tem que ser reforçada.
Nas Feiras Novas sempre se dispensou a segregação, sempre houve uma grande irmanação entre pessoas de origens bem distintas. Sempre houve uma grande liberdade para ser diferente mas com o crescente afluxo de novas pessoas à festa é natural que se cometam excessos e que haja sempre alguém que se não consiga enquadrar no espírito festivo. Felizmente condescendência não nos falta.
Uma festa não pode decorrer com excessivos apertos, com liberalidades exageradas, nem com artificialismos despropositados. A verdade é que a monotonia também não é o melhor caminho. Por isso torna-se imperioso fazer alguma inovação sem que se não subverta o espírito da festa. O corte radical com uma tradição não é por certo a maneira ideal de progredir.
A quem até aqui chegou proponho que vamos lá gozar a festa e deixemos essa tarefa de a pensar lá mais para o Inverno. Que se dane a chuva e a trovoada, as enxurradas e o nevoeiro que nós vamos persistir na festa. Dança para aqui e para acolá. Vai ao centro e volta à roda. Levanta os braços bem no ar. Faz estalar as castanholas. Vem daí também dançar.Ataquem os foguetes, os gigantones que se aprestem, toquem os bombos, que a folia vais começar.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Crónica Política - A morte anda estouvada…

A morte anda estouvada. Em caliça e saibro, em pedras e terra transformada, caindo abruptamente ou deslizando sorrateira e traiçoeira, apanhando desprevenido quem trabalha, ganha o seu pão, sustenta a sua família, valoriza a sociedade. Ela impõe-nos uma luta desigual.
Depois de três em Braga, dois em Arcoselo, tantos são os mortos, gente de meia-idade, madura, consciente, experimentada, com largos anos de labuta, testemunha de muitos perigos, vencida pelo imprevisto, derrotada pela imprevidência de todos, de alguns, vá-se lá saber de quem.
Por todo o lado vai havendo gente sacrificada à sede alheia, daqueles que não olham tanto como deviam para as condições deficientes em que colocam os outros a trabalhar. A facilidade é inimiga da segurança, infelizmente não está nos nossos hábitos prevenir em vez de nos sujeitarmos a que aconteça o irremediável. Também na Serra de Antelas se não terá providenciado para que o perigo não rondasse tão amiudadamente por aqueles lugares agrestes.
O afã de chegar ao alto, de aproveitar a melhor qualidade, de ir à procura dos veios mais valiosos não deve fazer esquecer que o monte não é tão sólido como parece, tem pedras roladas, terra, sedimentos, veios de água, falhas e ranhuras, é o resultado de milhões de anos de transformações e desestabilizações, no qual a intervenção humana se deve fazer com precaução e porque não temor.
Será a Serra rebelde, intempestiva, até vingativa, exigindo o sacrifício de vidas humanas para apaziguar a sua oposição à profanação desenfreada, à voracidade indomável do homem? Será a Serra como um ser vivo que elabora sentimentos para se defender dos fortes e depois acaba por fazer recair todos os mais verrinosos sobre os fracos e inocentes?
Há quem lamente o destino da Serra de Antelas e que desejaria que ela fosse tratada como um jardim dos labirintos. Mas a Serra de Antelas é útil e dela sai matéria para a arte e para o proveito de muitos seres humanos. Não é de todo caso para chorarmos pelo granito que dela se extrai, pelo seu visual lunar, mas sim, isso sim, chorarmos pelos mortos nas suas veredas, nos seus socalcos, nas suas entranhas e contribuirmos para que tudo se faça para estancar este martírio.
Talvez a Serra de Antelas se submeta demasiado cordata à sofreguidão insaciável. O que sabemos é que ela não perdoa a quem comete erros, à ousadia dos destemidos. O nosso empenho deve pois residir em procurar de modo persistente o erro e induzir os outros a que o não cometam.
O erro está decerto no mesmo sítio onde devia estar o sinal de alarme que avisasse peremptório que aquilo que nunca aconteceu, ou que pelo menos só aconteceu aos outros, pode estar a ocorrer ali mesmo onde o sossego parece pairar. Não podemos aceitar que para se ser produtivo seja necessário que se cometam erros e se não acentuam esses sinais de alarme.
Há sinais que faltam e que os nossos cinco sentidos nos não conseguem dar. O perigo rapidamente se transforma na trágica morte que nos quebra a espinha e nos derruba vencidos para sempre nesta luta sofrida e interminável pela vida. Sabemos que no geral temos que correr riscos, muitos os correm em simples actividades de lazer, porque acham importante aumentar os níveis de adrenalina.
O trabalho não é uma actividade inócua, ele obriga à utilização de todas as forças, energias, potencialidades do homem. O trabalho não é exercido num ambiente asséptico, numa redoma protectora. Obriga o homem a activar todas as suas faculdades mas descurando por vezes algumas delas. Só a redobrada atenção de todos pode colmatar lacunas na preparação de trabalhadores, dos fiscais e dos patrões, nas leis. Quantas mais mortes haverão sem o nosso perdão?

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Parecer - Até quando os mortos nos perdoarão?

Inevitavelmente temos de recuar a Salazar para detectarmos a raiz do problema da degradação dos Centros Históricos, em última instância da morte dos três Limianos que ocorreram recentemente em Braga. Alguns espantar-se-ão de eu ir tão longe, já lá vão uns anos, mas, se neste domínio os hábitos custam a mudar, a legislação custa ainda muito mais.
Salazar congelou as rendas de casa em Porto e Lisboa para evitar problemas sociais e como seria inevitável o seu efeito estendeu-se ao resto do País. Mas, como está por demais provado, quando certos problemas que interferem com comportamentos e hábitos sociais se não resolvem a tempo e se deixam acumular uns em cima dos outros, adquirem uma dimensão com que é cada vez mais difícil lidar.
Ninguém lhes toca ou então manipulam-nos com todo o cuidado. Satisfazer os interesses de proprietários e inquilinos tem sido um exercício difícil em que sucessivos governos, legisladores, leis falham. Mas as suas consequências vão muito para além das relações bilaterais. Esta é uma das causas dos falhanços do mercado de arrendamento e da recuperação dos Centros Históricos.
O prédio que ruiu na Rua dos Chãos em Braga foi vistoriado em 2003 a pedido do proprietário e com o fito de despejar a última inquilina que tinha. Mas conseguido este objectivo, não mais o prédio foi recuperado. Segundo o Presidente da Câmara Municipal de Braga faltou um grau na gravidade do estado do prédio para que a Câmara pudesse intervir de imediato e com eficácia.
O problema é que, se o prédio estava em perigo de derrocada, já quando estava escorado pelos prédios vizinhos, a partir da altura em que lhe faltou o apoio de um lado, o seu destino parecia inevitável. Ou não? Se Salazar está na origem dos problemas, desculpem-me a ousadia, não restam dúvidas que as leis actuais não são expeditas na busca de uma solução e os Órgãos que podiam intervir não têm a agilidade devida.
Em Ponte de lima há um prédio em avançado estado de degradação, com projecto aprovado e cuja recuperação não começa devido a deficiente legislação e a uma clara má vontade da Câmara Municipal. A exigência da compra de dois lugares de aparcamento, para um prédio que não tem hipóteses de incluir garagens apropriadas, mas que terá direitos mais do que adquiridos de utilização da via pública, parece uma aberração.
Além de mais o prédio não tem aparcamento na Rua do Postigo em que se situa, nem a Câmara Municipal de Ponte de Lima lho oferece a distância razoável, a não ser no areal. A solução é isentar este prédio dessa exigência, bem como no futuro isentar todos os prédios nas mesmas condições. Uma exigência daquelas só tem justificação nos novos arruamentos.
Contraditoriamente um Hotel que ainda está em construção na zona do Comboio não tem qualquer parque de estacionamento, muito menos tem parque coberto e fechado. Dizem que vai utilizar o parque de estacionamento público anexo. Será que o vão cobrir, que vão ceder ou vender o terreno, cobrar arrendamento ou atribui-lo a preço igual ao do prédio da Rua do Postigo? Neste a sorte é que no prédio ao lado em obras não se vai mexer na sua estrutura, vai levar tão só telhado. Porque senão o prédio em causa não se seguraria de pé.
Todos lamentamos a morte dos três Limianos em Braga, uma morte estúpida, deplorável, inglória, Mas quando se fala em responsabilidades todos assobiam para o ar. Vem cá Salazar que tu és o supremo responsável de tanta incúria, de tanto desleixo, tanta irresponsabilidade. Mas aos mortos é inútil atribuir culpas. E em relação a estes Limianos inocentes, e outros que decerto se seguirão, até quando eles nos perdoarão?

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Poderá a inveja ser um sentimento aceitável?

Há quem afirme que a inveja é o grande motor do desenvolvimento. Ela tudo suplanta: O dinheiro, o conhecimento, a entre ajuda, a solidariedade, o brio pessoal, o trabalho. Sem a inveja seria a apatia a tomar conta das pessoas, nada se faria para além do trivial, por não existir estímulo para tal. Para quem assim pensa, só a inveja é capaz de fazer com que as pessoas multipliquem as suas forças e façam aquilo que por vezes é necessário: O impossível.
Quando assume um carácter absoluto, a inveja visa a substituição de outrem, a ocupação do seu lugar, apropriação do seu estatuto, o desempenho da sua função. Neste caso é evidente que a inveja não traz nada de novo e bom ao mundo, antes pelo contrário, na sua plena realização elimina o outro, não se fica sequer pela troca de situações, resulta em todas as suas consequências num saldo claramente negativo.
A inveja não é uma forma responsável de obtenção de justiça porque, na sua cegueira, raramente tem por objecto quem será culpado pela sua carência. A inveja rapidamente se dispersa, se generaliza a toda a circundância. A inveja manifesta-se através de muitos outros sentimentos a que são continuamente acrescentados os mais nefastos motivos para se reforçarem. A inveja tem esse dom excepcional de desaparecer do nosso espírito mas trocada por outro sentimento ainda mais gravoso que traz ao próprio menos proveito.
O invejoso valoriza como mais importante tudo aquilo em que vê prejuízo, em relação a tudo aquilo de que possa ter benefício. A partir de certa altura o invejoso em tudo vê injustiça, em tudo vê situações de desigualdade, não aceitando sequer que seja ele próprio vítima da inveja dos outros porque beneficia de todos os merecimentos e nunca está satisfeito com as suas benesses.
O invejoso é mau julgador, faccioso mas sempre pronto a debitar sentenças, a revelar o seu carácter inflexível, a querer reflectir nos elementos do seu mundo mais próximo todos os cambiantes e mudanças do seu mundo imaginário. Quem se vê como uma reserva de virtude acha-se inatacável e permite-se pensar que só os outros são vulneráveis à contaminação. Quem se julga permanentemente injustiçado não está em condições de julgar imparcialmente os outros.
O invejoso é desconfiado, todos estão sujeitos a ser colocados sob suspeita até que provem o contrário, o que é manifestamente difícil. Porém, dado que a desconfiança pode resultar de um alerta justificado, ela pode existir e não ser ofensiva. Noutros aspectos também não será possível não levar a inveja a estes extremos, controlar as suas manifestações, aproveitar os seus aspectos positivos, sem sofrer os seus efeitos nefastos?
A maioria das pessoas utiliza o mesmo mecanismo mental quando cria em si o desejo de copiar alguém com a mais normal das razões. Não há aqui qualquer problema se houver um reconhecimento dos factos e uma aceitação dos motivos que levaram a este acto. O problema está nas relações que se podem estabelecer a partir daí.
A criação de modelos resulta de uma abstracção reveladora de mais maturidade, de uma racionalidade característica do homem. O modelo pode incluir traços de uma e outra pessoa, caracterizar-se-á pela sua despersonalização. Sendo assim não se cria a inveja em relação a uma dada pessoa, nem sequer a um conjunto de pessoas, quando muito dispersa-se sem objecto específico.
Mesmo sem copiar alguém podem-se utilizar as pessoas como referências. Esta será mesmo, na opinião de muitos, a melhor forma de nos guiarmos e de estabelecermos objectivos. Não dá origem a inveja, pelo menos tal qual nós a conhecemos no nosso dia a dia. Permite utilizar a experiência dos outros e o seu saber para adoptar um comportamento adequado.
Mas só percebo aquela afirmação sobre a importância positiva da inveja se estivermos a falar dela como esta forma de emulação, pela qual nós usamos alguém ou várias pessoas como modelos e não desejamos que elas percam aquilo que têm, antes pelo contrário. Como uma rivalidade que não visa excluir ninguém, antes se prontifica a dar algo de si. Não como cobiça que visa excluir os outros e arrastar tudo para si.
No entanto na nossa mesquinhez, por mais que reconheçamos que nos devemos manter no domínio da intelectualidade e não nos deixarmos arrastar pelo domínio da emotividade, não raro somos tentados a cair na parte mais sombria daquele sentimento que, por mais elevados atributos que se lhe possam dar, sempre será a que nos vêm à mente em primeiro lugar quando se lhe referimos. Por princípio somos levados a pensar que essa é uma mancha negra a evitar.
Há mesmo assim alguma vantagem em usar o mesmo termo para designar coisas de certo modo desiguais se, de tal modo, se conseguir que vá caindo em desuso essa sua conotação negativa. Enfim, que as pessoas se vão habituando à ideia de que, para ser um ser semelhante a alguém, não há necessidade de promover a sua eliminação e à inveja pode ser dada uma conotação positiva.
Que não haja confusões: A inveja ainda é na sua maior significância aquele sentimento pernicioso que torna as relações humanas degradantes. Há mesmo quem diga que existem pessoas que já transformaram esse sentimento num instinto incontrolável que actua através do olhar e que corresponde a um estado de espírito que se manifesta em expressões características. O lado emocional suplanta o lado racional.
Pelo sim, pelo não, não vá o diabo tecê-las, em sentido figurativo, não confundamos, o melhor é pôr o invejoso a léguas, porque no éter se dispersarão os seus fluidos mais prejudiciais. E que tire bom proveito dos bons.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Crónica Política - Os gostos pessoais não são critério justo em política

Comparar o trabalho de dois autarcas não é tarefa fácil. A arrecadação de receitas já vai servindo para os referenciar porque as novas leis lhes permitem aplicar critérios mais ou menos favoráveis às pessoas. È o caso do IRS em que é possível que se pague menos 5% e do IMI em que a variação pode ser de 150% entre a taxa máxima de 0,5 % e a mínima de 0,2 % do valor tributável dos prédios.
Mas é essencialmente na aplicação que é feita das suas receitas que se destacam as maiores divergências entre os nossos autarcas. Podemos destacar quais as verbas que cada um vai consagrar ao investimento, em infraestruturas, na instalação, abastecimento, mobilidade, educação, desporto, etc., e qual a sua rentabilidade. Podemos destacar aquilo que se refere ao investimento directo no bem-estar das pessoas.
Podemos dar um realce especial àquilo que se faz em termos de bens de usufruição colectiva, como jardins, parques, pistas, etc. ou então à promoção de eventos, de imagens com o objectivo de aumentar a atractividade do local. Trazer figuras destacadas, apoiar a comunicação, criar nova formas de divertimento, subsidiar manifestações culturais podem ser investimento ou desperdício.
A escolha de uma destas opções passa muito por factores exteriores, por particularidades que muitas vezes passam despercebidas a quem não está vocacionado para as aproveitar, mas também pelo gosto pessoal de quem lidera. Só em relação àquilo que é mais imperioso e não depende da sua localização é que não há lugar para muita subjectividade, há já padrões estabelecidos.
As opções a gosto dos presidentes são um aspecto importante da gestão autárquica que deve ser cada vez melhor analisado. Ele é mais valorizado quando há uma folga orçamental que permita uma escolha mais pessoal. Há mesmo o faça propositadamente, quem poupe muito para ter folga suficiente para uns floreados em sectores que enchem mais o olho de quem se quer impressionar.
O que se passa em Ponte de Lima é bem elucidativo neste domínio. Fazer-se escolas sem instalações desportivas capazes para gastar o dinheiro em equitação, rainforest ou música semi-pimba não é uma boa gestão de prioridades. Não é impressionando que se agrada. Gastar o menos possível em pessoal para não pagar a profissionais capazes de fazer boa obra é investir na mediocridade.
A Câmara de Ponte de Lima não terá quem saiba assentar umas pedras no Largo de Camões, daquelas que se deslocam ao menor peso e que é necessário repor na sua posição certa? O gosto destas pessoas pelo Centro Histórico leva a que as saliências sejam tratadas à martelada mutiladora e as reentrâncias com umas mascarras de cimento.
A folga orçamental que a Câmara de Ponte de Lima possui pode não ser sinal de boa gestão, mas tão só de uma gestão ao gosto de quem ainda não suplantou o mundo das vacas e da lavoura em geral, dos estreitos caminhos de aldeia e da calçada à portuguesa. A malha viária das freguesias vizinhas da Vila de Ponte é uma vergonha, a da sua expansão na Vila é uma lástima.
Se se deixa tudo ao critério dos construtores civis, mesmo com a desculpa no argumento de que são eles que pagam as infraestruturas, e como eles se estão marimbando para uma visão global, fazem tudo a pensar na rentabilidade e não revelam qualquer gosto mais elaborado. E aqui sim, as coisas deveriam ser feitas com algum gosto que resistisse à crítica do futuro.
Utilizar o poder para fazer aquilo que se gosta quando esse gosto pode ser duvidoso e acima de tudo não corresponder àquilo que se imponha para usufruto dos grupos maioritários da comunidade, fazer e gerir as autarquias subestimando aspectos prioritários pode dar imagens na televisão mas não é sério, é aproveitar a ignorância alheia.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Todo o conhecimento é importante…

A importância do conhecimento não é ainda vista tão genericamente como seria desejável mas vai percorrendo o seu caminho. O conhecimento é mesmo o bem mais valioso, se bem que haja quem, por julgar possuir outros bens em quantidades suficientes, despreze a posse deste.
O que pode ser controverso é se chega ter conhecimento ou se, pelo contrário, o importante é afirmá-lo, vê-lo reconhecido na praça pública. Na realidade o ter conhecimento e verificar a sua inutilidade prática pode ser motivo de insatisfação maior, de frustração mesmo. Por isso muita gente põe em causa a própria aquisição de conhecimento.
Se não há viabilidade prática de o utilizar, se não é possível obter com ele alguma satisfação, para quê passar anos e anos a participar num processo de aquisição que ainda por cima está saturado de lacunas? Assim pensam muitos pais que transmitem no dia a dia de várias maneiras, embora nem sempre expressamente, esta ideia aos filhos, que a põem em execução na sua vida.
Uma das razões mais importantes do abandono e do insucesso escolar reside no ambiente familiar, na falta de estímulos, na avidez com que se esperam resultados imediatos e se despreza a preparação a longo prazo. Mesmo famílias que têm condições para sustentar e dar apoio aos seus filhos durante os longos períodos escolares que hoje existem sofrem dessa ansiedade que se instala.
As situações de carência são sem dúvida um forte motivo que levam as pessoas a não tolerar aquilo que já entendem como um sacrifício. Se tal pode dar origem a muita descrença não justifica que haja uma renúncia definitiva. A vontade de adquirir conhecimentos, a sede de saber pode persistir sem dano pessoal, mesmo que se não possa realizar de momento.
O não haver possibilidades económicas para seguir um curso normal de ensino não obsta a que se mantenha o objectivo pessoal de o prosseguir mais tarde e se faça um interregno passageiro. Mas também se tem que estar preparado para seguir outro caminho porque as vicissitudes da vida, carácter contingente dos acontecimentos não são de molde a alimentar certezas.
A realização pessoal pode não passar pela profissão ambicionada, pelo que a sua obtenção não se pode tornar obsessiva para nós. Aliás quando não resistimos a uma ambição isso torna-nos mais fechados à realidade dos outros, desrespeitadores das suas diferenças, menosprezadores do seu valor. Se nos negligenciamos caso não consigamos o desejado, mais menorizamos os outros.
O mérito de estarmos no lugar onde estamos, a exercer a profissão que exercemos, a ter o reconhecimento que temos, é normalmente a maior fonte de egocentrismo. Se ao lugar está associada alguma forma de poder então podemos entrar no domínio do inebriamento. O maior problema não é sobrevalorizarmo-nos, é sermos incapazes de reconhecer o mérito alheio.
Não necessitamos de atribuir algum mérito que tenhamos a obra do acaso, à pura sorte. Para sermos humanos, honestos e modestos não precisamos de tudo relativizar porque até para que o acaso funcione é necessário bastante empenho. Se não podemos ser cegos perante os contextos, também não podemos ignorar que há diferentes formas de os aproveitar.
O conhecimento tem mérito por si, mas o seu reconhecimento tem que ser mútuo, acima de tudo temos que o atribuir ao dos outros, sem necessidade de esperar que os outros o atribuam ao nosso. Mas isso é difícil quando olhamos para a vida como um percurso cheio de percalços e nos custa aceitar as dificuldades de ontem, quando hoje vemos tantas facilidades em situações semelhantes.
Obstáculos inultrapassáveis, deméritos mesquinhos, sortes madrastas são experiências de vida que não são exclusivas de ninguém, que nos não afectaram só a nós, que temos que ultrapassar numa exegese colectiva. E se dói tanta incompreensão é no fortalecimento do conhecimento também do passado que pode residir a construção de um futuro devidamente alicerçado.
Na verdade não se trata só de obter conhecimento técnico, científico ou literário. A história, e particularmente a nossa história, a forma como nos relacionamos com os outros, como os nossos antepassados se relacionaram entre si, fazem parte do tipo de conhecimento imprescindível para sabermos como proceder na nossa vida.
Todo o conhecimento que não obtivermos por via genética ou vivencial nós temos que o ir buscar a algum lado para percebermos a nossa função. O nosso lugar no universo, as perspectivas que se nos abrem em termos de futuro dependem muito do nosso conhecimento sobre o passado, sobre a maneira como nos posicionamos neste fruir entre o passado e o futuro.
Todo o conhecimento é importante, mas não há conhecimento abstracto, desligado da realidade. Por mais generalizável que ele seja, nunca é absoluto, tem em si muito de contingente e é necessário termos também uma certa tolerância ao contingente, uma certa abertura ao acaso, que não ao irracional, para que seja equilibrada a nossa postura na vida. Qualquer novo conhecimento deve manter um certo enquadramento com o acumulado.
O conhecimento exige muito sacrifício e até por vezes o sacrifício da nossa estabilidade. A exploração de novos conhecimentos não se faz de ânimo leve, como que percorrendo um jardim pleno de flores. O caminho passa antes por montes baldios, fragas sombrias, veredas esconsas. Mas são necessários sacrifícios para que o futuro dos outros seja mais luminoso.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Crónica Política - Os políticos só são filósofos quando querem

O que pode acontecer de pior a um político é ter razão antes do tempo. Porque isto significa tão só que ele está sozinho. Ora um homem com razão e sozinho é um louco, passa por isso. Na realidade, por mais apoios que lhe apareçam, são sempre daqueles que se não querem comprometer e o abandonam à primeira oportunidade.
Quando alguém diz ou se predispõe a dizer a um político que ele tem razão mas não o pode apoiar publicamente está a tratá-lo por doido porque ele próprio se deixa ficar no seu pedestal protegido e não corre risco algum e o político corre todos os riscos inerentes à sua actividade, sujeita-se ao sarcasmo alheio e se não tiver apoio partidário cai no ridículo total.
Se um político se satisfaz em ter simplesmente razão e este facto não tiver consequências práticas na obtenção de resultados visíveis tem que se questionar sobre quais as questões que interessam às pessoas e aos grupos sociais que mais contribuem para a formação da opinião pública e da consequente vontade colectiva. Mesmo sem se submeter a ela, não se lhe pode ser alheio.
Um político não é necessariamente um filósofo, é mais importante ter alguma razão no momento do que toda num hipotético futuro. Só ao filósofo é permitido não se preocupar com isso, embora haja quem ache inútil toda a filosofia que não procure abordar em primeiro lugar as questões de hoje e que não tenha capacidade de as influenciar. Mas isso é problema de filósofo não de político.
Mas há uma outra diferença que se pode estabelecer entre as pessoas que tem estas duas perspectivas. A do político deve ter em vista vencer agora e, perante a impossibilidade de o fazer, dar o seu apoio a quem estiver mais próximo das suas ideias. Porque se não vencer e persistir arreigado às mesmas ideias pode tão só permitir que a realidade se afaste cada vez mais das suas preferências.
O filósofo não necessita de dar o seu apoio a ninguém porque o seu domínio de intervenção pode não ser o presente. Por seu lado o político não se pode alhear, enveredar pela política do tanto pior melhor, porque pode ter a catástrofe aí à porta. O político mesmo sem estar na primeira linha tem de contribuir para engrandecer o seu campo político, é indissociavelmente responsável pelo presente.
Mas esta opção também tem os seus limites. Colaborar com os inimigos ou pelo menos com aqueles que são claramente interesseiros também pode ser visto como um suicídio político. Por isso é interessante aquela do “vou andar por aí”. Acho que está no seu pleníssimo direito. Só não procede correctamente quem diz que se vai embora, que se cala uns tempos e passados dias está a palrar.
Em Portugal nasce-se político para toda a vida. Pouquíssimos arredam pé. Coragem para se afastar há muito pouca. Toda a gente tem ideias de sobra não se pensa que quem andou não tem caminho para andar. Quem alguma vez teve poder, sente-lhe sempre o cheiro nas narinas e quer voltar a usufruir dele em plenitude, quer decidir, nem que as decisões já tenham que ser outras.
A política, mais que um serviço, uma forma de se trabalhar para a comunidade, mas se esta quiser obviamente, é um jogo de empurra em que se é humilhado se se perde e vangloriado se se ganha. Ninguém gosta de perder e é bom que assim seja, mas jurar vingança no dia em que se perde é mesquinho, cobarde e degradante.
Eu, se fora político, só ficaria chocado se tivesse vitórias na oposição. É aviltante que alguém não seja escolhido para pôr em prática uma política e veja essa política a ser adoptada e a ter êxito pela mão de outrem. A não ser que conseguisse obrigar esse outrem a dizer que roubou a política ao adversário. Infelizmente é o que se passa na Câmara Municipal de Ponte de Lima onde a política de educação é a da oposição.