sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

Viva o Chico Esperto

O Chico Esperto já há muito que está alcandorado a Figura Nacional.
Com certeza que “Chicos Espertos” haverá, um pouco por toda a parte, no país e no estrangeiro, na Europa e fora dela. Noutro qualquer país talvez se chame João, Pedro, Aristides ou Evaristo Esperto, na respectiva língua claro. Mas o que não há dúvida é que todos são feitos da mesma matéria, com os mesmos neurónios e suas conexões, enfim, com o mesmo espírito.
Mas se não houver “Chicos Espertos”, assim textualmente, em mais lado algum, será mais um motivo do nosso orgulho em o termos como símbolo da esperteza nacional. O nosso Chico Esperto é único e inimitável. Em qualquer caso, nós vamos acreditar nisso. Ele é capaz de ludibriar o irmão, o amigo, a mulher, a vizinha, tanto o nacional assim como o estrangeiro.
E aqui, deixem-me dizer-vos, baixinho para que ninguém nos ouça: temos uma apetência especial por esses europeus. Sim, por esses seres sem alma que existem para trabalhar para nós, e que nós enganamos cá com uma pinta!
Mas o que vem a ser isso do Chico Esperto? Basicamente o Chico Esperto é aquele que se aproveita, para benefício próprio, de uma lei que, de modo algum, o teria como seu destinatário.
(Quem diz lei diz regulamento, norma de qualquer disposição legal, diz do direito consuetudinário ou do direito escrito. Mas, para facilidade de exposição consideremos que o direito consuetudinário está já todo vertido para letra de forma tal qual o conhecemos).
Mas nós podemos estar errados. O objectivo do legislador pode ser mesmo o de permitir que as pessoas na situação do dito possam beneficiar de dada disposição legal. Então nós estamos a chamar indevidamente de Chico Esperto a quem não merece tal epíteto. A esse, quando muito, deveríamos apelidá-lo de Oportunista.
Oportunista será mais aquele que se aproveita de uma indefinição da lei. Em qualquer caso há uma clara distinção entre um e outro. Chico Esperto é aquele que se aproveita da Lei, que dela tira benefício indevido. O Chico Esperto não passa bola aos princípios.
Oportunista será aquele que se aproveita da Lei mas que dela tira benefício devido. Ele aproveita a oportunidade que a maioria de nós talvez desconheça. Em sentido mais pejorativo “oportunista” será aquele que se aproveita de uma lei quando, em relação a ela, o bom senso diria que não lhe é aplicável.
Não haverá razões que o citado bom senso ainda desconhece? Não haverá a intervenção doutros valores emergentes mas legítimos e que ainda não são os prevalecentes? Muitas vezes o que concluímos à partida é que tais situações são resultantes da má fé da parte do legislador.
Poderemos nós concluir que pode ter havido dolo ou negligência por parte do legislador ao não tipificar convenientemente as situações a que a disposição legal se aplica? Na realidade, e infelizmente muitas vezes, isso é verdade.
Mas vamos lá a ver: Que culpa tem disso o nosso Oportunista? O Oportunista tem princípios. É transigente mas só com as circunstâncias. O Oportunista aproveita-se da situação, da lacuna, da omissão. O Chico Esperto beneficia do que a lei não prescreve.
Mas na nossa cultura, no comummente aceite, o Oportunista é muito mais mal visto que o Chico Esperto. Provoca-nos mesmo, podemos dizer, uma enorme aversão. O Chico Esperto, esse, é a menina dos nossos olhos. Temos um carinho muito especial para com ele. Enchemo-lo de atenções e de ternura. Está-nos perto do coração.
O Oportunista é mais cerebral e distante. Estuda, procura estar informado e não fazer figuras de tonto. Não merece o nosso carinho. Se já não tivesse o nome com ele, outro, mais feio ainda, lhe arranjaríamos.
O que faz o Chico Esperto para beneficiar desse nosso carinho e daquilo que não é regulado pela lei? Simplesmente é um grande simulador? Tem de se apresentar como o verdadeiro destinatário duma qualquer benesse. Ele sabe, à partida, que, qualquer que seja a interpretação que se queira dar a um dado preceito legal que exista pelas melhores razões, ele nunca terá essas razões do seu lado.
O Chico Esperto é um tonto. Mas só merece este nome quando nós o apanhamos, impávido já a saborear a vitória ou sorrateiro ainda a tentar lá chegar. Se o não apanhamos nesses momentos ainda passa por inteligente. Aqueles a quem aquela benesse se destinaria, esses permanecem, as mais das vezes, na sua ignorância, quietos que nem anjinhos. Esses passam por tontos.
Ou então não tem a perícia suficiente para dela se fazerem beneficiários. Dão voltas à sua cabeça mas falta-lhes conhecimento, a necessária técnica, a argúcia. Esses passam por burros. Sejamos um pouco mais polidos, passam por menos inteligentes.
Gritemos pois, para bem da Pátria e de todos aqueles que se revêem nesta minha apologética: Viva o Chico Esperto! Dos ignorantes não reza a história. Dos ditos burros, digamos assim, só porque neste contexto é mais apelativo, também não constará qualquer epitáfio.
Mas a que propósito vem esta conversa? Um amigo meu mandou-me uma mensagem: Breve como convém. Rezava a mensagem do seguinte modo: Olha que o Chico Esperto é muito venerado cá. Diria que é mais venerado que uma vaca sagrada na Índia. Mas com a conotação que destes à expressão é muito feio o seu uso.
Penitencio-me: Algumas vezes, uma pessoa usa linguagem menos apropriada nas ocasiões mais comprometedoras. Mas acho que já me fez compreender. Em vez de Chico Esperto aceito que deveria ter usado, para o mesmo efeito, o termo Oportunista.
Mas ora bolas: não é que esta palavra tem conotações ainda mais complexas. E, sem dúvida, agrada menos às pessoas. E hábitos não se mudam num dia. Melhor, melhor é que tudo fique na mesma. E não se fala mais nisso.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

A mesma conversa de sempre

O plano e o orçamento apresentados pela Câmara Municipal de Ponte de Lima à apreciação da respectiva Assembleia Municipal contem considerações de natureza política perfeitamente dispensáveis na medida em que, uma vez aprovado, se pressupõem que a sua execução deve ser empenho de todos.
Quanto à sua substância é claro que o seu autor se remete a banalidades que nada contribuem para a eficácia do tal empenho que todos deveríamos emprestar à luta pela melhoria das condições em que a população de Ponte de Lima vive, e que, sem dúvida, melhores condições merecia.
Acções materiais nós queríamos. Acções imateriais são de natureza tal que corremos o risco que o vento as leve, sem trazerem a satisfação daquilo que todos esperam e é imperioso que se faça. E não venham com histórias gastas de que a oposição teria a obrigação de apresentar propostas alternativas.
Conhecendo nós, como conhecemos, com quem falamos, sabemos que por mais fundamentada que sejam as propostas apresentadas, como foi o caso da proposta de alteração da taxa do Imposto Municipal sobre Imóveis, não vindo elas das bandas do poder não são aceites, o poder tem medo de perder protagonismo.
E, aliás, todas as propostas para um leque tão grande de questões precisam, além de dados técnicos que não possuímos, de um enquadramento, de partirem de uma análise apropriada da situação global do Concelho, do País, da Comunidade Europeia e do Mundo.
Qual o breve quadro que se pode fazer da situação social e económica deste Concelho? Como se perspectiva um pouco do caminho a percorrer no futuro, quais os objectivos a atingir?
A população de Ponte de Lima sofreu, com a emigração para França nos anos sessenta e setenta, um forte abalo na sua estrutura rígida e ancestral. As transformações que se vêm operando por via da nossa integração na C.E., da abertura do nosso mercado, da liberdade quase ilimitada de comércio, levaram a que a população rural quase se extinguisse como tal.
Estamos perante um novo cenário. A agricultura tornou-se um part-time, uma ocupação de fim-de-semana. O que resta vai continuar a definhar, à medida que emagrecerem os Fundos Comunitários.
As pessoas procuram satisfazer de outro modo as velhas e as novas necessidades. Vai-se trabalhar para Espanha, para os concelhos vizinhos, mas em Ponte de Lima poucos trabalham. Já não há lavradores, já não há serradores, já não há sapateiros, das velhas profissões já quase nada resta.
Os Limianos querem contribuir para o enriquecimento e sucesso da sua terra. Deixam fora do concelho obra feita. Regressam a Ponte de Lima para gastar, mas preferencialmente em bens não duradoiros e compram preferencialmente a comerciantes que são também de fora do concelho.
O que produz quem teima em cá trabalhar e estar? O vinho branco já ninguém o bebe. O vinho tinto é comercialmente de pouco valor: degrada-se depressa, não é vinha de garrafeira. Com a perda dos mercados tradicionais, a partir dos anos noventa, com a diminuição drástica da procura, o cultivo da vinha já não é rentável.
Quanto maior é a propriedade maior é o prejuízo. O preço comercial de outros produtos tradicionais da nossa agricultura também não justifica o seu cultivo nesta região de minifúndio e de clima instável. Só se for a feira de produtos agrícolas na Quinta de Penteeiros que venha dar um abanão a isto. E a adesão à Agrobio traga novas ideias e culturas.
A pedra é o último dos nossos recursos como produto vendável. O cuidado especial que devia haver no sentido de minimizar as agressões ao ambiente, à saúde e à qualidade de vida que este trabalho da pedra implica pura e simplesmente não existe.
Não podemos estar em estudo toda a vida, senão, como é habitual, quando tivermos a solução a galinha já pode ter alvorado. Estruturar o espaço de extracção e laboração da pedra, organizar, disciplinar, apoiar os pequenos empresários e trabalhadores é um imperativo municipal de que a Câmara custa a tomar consciência.
È preciso agarrar “à séria” no problema. Ponte de Lima não se pode permitir perder também esta fonte de rendimento. Mas tem de a conciliar com outros valores como os ambientais, de saúde, com os valores paisagísticos porque não. A nossa vista não se confina às também, há muito, tão maltratadas margens do Rio Lima.
Vamos sendo obrigados a pôr de lado valores a que muita gente estava apegada. Mas tentemos salvar aquilo que merece a pena salvar. A ruralidade só existe nas infra-estruturas e na paisagem, mas já não existe nas almas.
O folclore só está no espectáculo, mas já não existe na vida. Os números são a preferência dos residentes e dos investidores. A competição está instalada a todos os níveis. Poderosos são somente os donos do mercado.
Quem tem mercado escolhe o local de produção que lhe traz mais vantagens. Capacidade de produção já não é factor competitivo. Tudo se compra, tudo está disponível no mercado global.
Não há poder de atracção suficiente para a ocorrência de milagres. Não é olhando para o interior das nossas muralhas que encontramos solução. A solução está para além delas, no exterior delas, algures no universo.
A mediatização que ocorreu nos últimos anos e por via dos mais diversos acontecimentos nem sempre é um benefício para o Concelho. O resultado mais palpável é o massacre a que somos sujeitos aos domingos quando o turista de garrafão dos tempos modernos nos cai em cima. Resultados são mais os negativos que os positivos.
Confronto duro com o Governo? Não me parece a melhor solução. Cheira a prato requentado e nada salutar.