O justicialismo é uma doutrina muito divulgada que satisfaz sobremaneira os nossos espíritos vingativos e castigadores. Sendo de génese popular já subiu todos os degraus da inteligência nacional e deu origem a um sistema tão coerente como muitos outros, com alicerces na realidade que fazem inveja àqueles que nunca se firmaram e já caíram no esquecimento da maioria.
A doutrina é velha mas só agora se pode dizer bem implementada e com alguma eficácia. O sistema que corporiza esta doutrina conseguiu o apoio de amplas camadas populares e eruditas, umas autodidactas, outras formadas nas mais ilustres Universidades. Todos se renderam à forma expedita como o justicialismo averigua e condena, fazendo disto um espectáculo entusiasmante.
O sistema assenta na jurisprudência de que os orgãos de comunicação social são os fiéis depositários. São estes que possibilitarem a colocação em prática desta doutrina. Eles estão no centro nevrálgico porque passam por si o âmbito do sistema, os limites da sua acção, as penas a aplicar, as possibilidades de remissão e perdão. O sistema judicial é livre para acompanhar o sistema justicialista, mas se o não fizer este segue o seu caminho autónomo.
A averiguação dos factos faz-se de modo sério mas também de forma a rentabilizar o investimento feito. A comunicação social define os processos que são válidos para descobrir a verdade. Servem segredos de alcova, o coscuvilhar de toda a vida privada e pública, porque à partida nada está arredado de ter significado para um processo. O próprio sistema judicial dá com gosto o seu contributo para esta averiguação justicialista. O facto de todos poderem participar dá uma garantia acrescida de que nada escapará que tenha significado.
Também é na comunicação social que se define toda a matéria da acusação. Esta nunca pode pecar por defeito, antes que peque por excesso. Todos os contributos de todas as proveniências, desde alcoviteiras a delatores, são acrescentados de modo a traçar perfis psicológicos e sociológicos o mais condicentes com a realidade. Isto ajuda sobremaneira a recorrer àquela velha norma, não escrita como todas as outras, de que, se o acusado não confessa mas tem todas as características de quem era capaz de cometer um dado crime, é mais que provável que o tivesse feito. Condena-se segundo o “código” justicialista.
Aos acusados é dada o grande prazer de poderem falar para todas as rádios e televisões, jornais e revistas e até para os blogs mais na berra. A exposição pública tem desvantagens, mas também vantagens a explorar. E ao passo que ao comum dos mortais só são dados uns cinco minutos de glória, estes podem contar com um dia e na melhor das hipóteses com uma semana, até serem substituídos por outros e esquecidos. Há sempre um novo processo em gestação, a preparar-se para romper a casca do ovo e explodir no universo de algum.
Aos acusados cabe-lhes a tarefa gratificante, mesmo que já no anonimato, de desmontar a acusação, sem o que estarão condenados a suportar a vingança social. Nunca se livrarão de uma suspeição latente e sempre ávida de objecto, mas podem sempre atenuar a gravidade da acusação e arranjar algumas atenuantes, afinal também eles são vítimas sociais. Também eles têm que aprender a gerir as suas aparições nos média, não podem ser em excesso. A melhor cura é o tempo.
Mas o mais importante deste sistema é que ao primeiro rumor já todos os intervenientes estão condenados. A pena é para se aplicar logo e com a severidade exemplar, não se corra o risco de três semanas depois estar tudo esquecido. O sistema justicialista não é complacente com ninguém e quanto mais alto estiverem os acusados na escala social mais empenho existe em aplicar esta forma peculiar de justiça. Todos achamos que o sistema judicial, aquele que tem orgãos próprios, funcionários e juízes, age em sentido divergente com este.
O sistema justicialista formou-se, cresceu, está numa certa maturidade. Nasceu como uma forma de reagirmos e encontrarmos um paliativo para o real desleixo legal e prático que atribuímos ao sistema judicial. Corresponde a uma exigência de efeito imediato que este sistema não permite. Mesmo que se fique pelos efeitos psicológicos, não nos podem ser assacadas culpas de a realidade se não compadecer normalmente com os nossos desejos.
No sistema judicial andaram-se anos e anos a pensar como se haveriam de reforçar os direitos das pessoas. Legislou-se no sentido de diminuir as penas e de permitir toda a espécie de actos processuais que facilitem a defesa dos acusados. De súbito todos levam as mãos à cabeça e dizem que se exagerou, que agora só chega à barra dos tribunais quem quer, só é condenado quem permitir que o seja. Perante isto o sistema justicialista ganhou o protagonismo principal e contribui para desacreditar cada vez mais o sistema em que deveríamos acreditar.
O problema é que já não temos paciência, já não cedemos tempo nem espaço ao antigo sistema. Quando este necessita de alguma acção mais visível, quando se torna pública a existência dum processo, logo todas as pessoas, quase sem excepção, querem saber tudo sobre ele, para no sistema justicialista levantar um processo paralelo. Nisto reside o nosso erro de querermos emitir logo uma sentença. Podemos pugnar por melhor justiça, mas não podemos querer ser nós a aplicá-la, muito menos já.
O problema é também que o sistema de justiça se demite das suas obrigações. As informações passam para o sistema justicialista num conluio comprometedor. Quando seria necessário que todos respeitassem os actos judiciais, tal contribui para dar razão aos que pretender retirar o que resta de credibilidade às únicas pessoas capazes de aplicar uma justiça mais rápida e eficaz, menos comprometida e conspurcada por tarar sociais momentâneas, os juízes.
Os juízes podem queixar-se de que necessitavam de processos de actuação mais expeditos, de tipologias mais vastas, que lhes fosse dada a possibilidade de aplicarem uma justiça menos dependente da descrição pormenorizada do que é permitido e do que é proibido, uma justiça que atenda à verosimilhança dos actos, e que não permita que se invoque qualquer omissão da Lei. Os juízes podem queixar-se do seu medo, de, na dúvida, serem levados a não aplicar o rigor da Lei, mas tal sucede porque não vêm na sociedade apoio para fazerem o contrário. Mudar o sistema judicial? Se os juristas acham que se construiu um sistema muito bonito, com tanto floreado, vai-se deitar tudo abaixo? Deixe-se ficar e colabore-se com o triunfante sistema paralelo do justicialismo, parece pensar toda a gente.
A doutrina é velha mas só agora se pode dizer bem implementada e com alguma eficácia. O sistema que corporiza esta doutrina conseguiu o apoio de amplas camadas populares e eruditas, umas autodidactas, outras formadas nas mais ilustres Universidades. Todos se renderam à forma expedita como o justicialismo averigua e condena, fazendo disto um espectáculo entusiasmante.
O sistema assenta na jurisprudência de que os orgãos de comunicação social são os fiéis depositários. São estes que possibilitarem a colocação em prática desta doutrina. Eles estão no centro nevrálgico porque passam por si o âmbito do sistema, os limites da sua acção, as penas a aplicar, as possibilidades de remissão e perdão. O sistema judicial é livre para acompanhar o sistema justicialista, mas se o não fizer este segue o seu caminho autónomo.
A averiguação dos factos faz-se de modo sério mas também de forma a rentabilizar o investimento feito. A comunicação social define os processos que são válidos para descobrir a verdade. Servem segredos de alcova, o coscuvilhar de toda a vida privada e pública, porque à partida nada está arredado de ter significado para um processo. O próprio sistema judicial dá com gosto o seu contributo para esta averiguação justicialista. O facto de todos poderem participar dá uma garantia acrescida de que nada escapará que tenha significado.
Também é na comunicação social que se define toda a matéria da acusação. Esta nunca pode pecar por defeito, antes que peque por excesso. Todos os contributos de todas as proveniências, desde alcoviteiras a delatores, são acrescentados de modo a traçar perfis psicológicos e sociológicos o mais condicentes com a realidade. Isto ajuda sobremaneira a recorrer àquela velha norma, não escrita como todas as outras, de que, se o acusado não confessa mas tem todas as características de quem era capaz de cometer um dado crime, é mais que provável que o tivesse feito. Condena-se segundo o “código” justicialista.
Aos acusados é dada o grande prazer de poderem falar para todas as rádios e televisões, jornais e revistas e até para os blogs mais na berra. A exposição pública tem desvantagens, mas também vantagens a explorar. E ao passo que ao comum dos mortais só são dados uns cinco minutos de glória, estes podem contar com um dia e na melhor das hipóteses com uma semana, até serem substituídos por outros e esquecidos. Há sempre um novo processo em gestação, a preparar-se para romper a casca do ovo e explodir no universo de algum.
Aos acusados cabe-lhes a tarefa gratificante, mesmo que já no anonimato, de desmontar a acusação, sem o que estarão condenados a suportar a vingança social. Nunca se livrarão de uma suspeição latente e sempre ávida de objecto, mas podem sempre atenuar a gravidade da acusação e arranjar algumas atenuantes, afinal também eles são vítimas sociais. Também eles têm que aprender a gerir as suas aparições nos média, não podem ser em excesso. A melhor cura é o tempo.
Mas o mais importante deste sistema é que ao primeiro rumor já todos os intervenientes estão condenados. A pena é para se aplicar logo e com a severidade exemplar, não se corra o risco de três semanas depois estar tudo esquecido. O sistema justicialista não é complacente com ninguém e quanto mais alto estiverem os acusados na escala social mais empenho existe em aplicar esta forma peculiar de justiça. Todos achamos que o sistema judicial, aquele que tem orgãos próprios, funcionários e juízes, age em sentido divergente com este.
O sistema justicialista formou-se, cresceu, está numa certa maturidade. Nasceu como uma forma de reagirmos e encontrarmos um paliativo para o real desleixo legal e prático que atribuímos ao sistema judicial. Corresponde a uma exigência de efeito imediato que este sistema não permite. Mesmo que se fique pelos efeitos psicológicos, não nos podem ser assacadas culpas de a realidade se não compadecer normalmente com os nossos desejos.
No sistema judicial andaram-se anos e anos a pensar como se haveriam de reforçar os direitos das pessoas. Legislou-se no sentido de diminuir as penas e de permitir toda a espécie de actos processuais que facilitem a defesa dos acusados. De súbito todos levam as mãos à cabeça e dizem que se exagerou, que agora só chega à barra dos tribunais quem quer, só é condenado quem permitir que o seja. Perante isto o sistema justicialista ganhou o protagonismo principal e contribui para desacreditar cada vez mais o sistema em que deveríamos acreditar.
O problema é que já não temos paciência, já não cedemos tempo nem espaço ao antigo sistema. Quando este necessita de alguma acção mais visível, quando se torna pública a existência dum processo, logo todas as pessoas, quase sem excepção, querem saber tudo sobre ele, para no sistema justicialista levantar um processo paralelo. Nisto reside o nosso erro de querermos emitir logo uma sentença. Podemos pugnar por melhor justiça, mas não podemos querer ser nós a aplicá-la, muito menos já.
O problema é também que o sistema de justiça se demite das suas obrigações. As informações passam para o sistema justicialista num conluio comprometedor. Quando seria necessário que todos respeitassem os actos judiciais, tal contribui para dar razão aos que pretender retirar o que resta de credibilidade às únicas pessoas capazes de aplicar uma justiça mais rápida e eficaz, menos comprometida e conspurcada por tarar sociais momentâneas, os juízes.
Os juízes podem queixar-se de que necessitavam de processos de actuação mais expeditos, de tipologias mais vastas, que lhes fosse dada a possibilidade de aplicarem uma justiça menos dependente da descrição pormenorizada do que é permitido e do que é proibido, uma justiça que atenda à verosimilhança dos actos, e que não permita que se invoque qualquer omissão da Lei. Os juízes podem queixar-se do seu medo, de, na dúvida, serem levados a não aplicar o rigor da Lei, mas tal sucede porque não vêm na sociedade apoio para fazerem o contrário. Mudar o sistema judicial? Se os juristas acham que se construiu um sistema muito bonito, com tanto floreado, vai-se deitar tudo abaixo? Deixe-se ficar e colabore-se com o triunfante sistema paralelo do justicialismo, parece pensar toda a gente.
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