sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

A problemática escolar - A delimitação do problema

Estávamos à espera de algum contributo. De preferência de quem mais soubesse. Mas infelizmente nada. As agendas políticas têm coisas destas.
As conveniências, normalmente, remetem muita gente para o silêncio. Queriam-se opiniões de pais, inquéritos aos estudantes, pareceres dos professores: Nada!
Achamos que não se trata de medo de falar mas de medo das palavras. Há efectivamente que pesar bem as palavras no que elas com precisão significam. Há que dar opiniões com substância, baseadas em documentos e na quantificação dos factos atinentes e nas suas possíveis interpretações. E na nossa visão do futuro, claro, porque se não fosse isso deixaríamos o caso só para técnicos e para mais ninguém.
Fazer-se-ia um algoritmo matemático e aplicar-se-ia de olhos fechados à realidade. Sim, também é necessário. É a chave de ouro. Mas para o ser tem de ser resultante da contribuição de todas as pessoas que a pretendam dar. Tem de ser analisados todos os factores, devidamente sopesados e testados em realidades distintas. Para fazer este trabalho é necessária muita gente e muita informação.
Mas sairá sempre um algoritmo geral e esse, ressalvando as condições atrás descritas, cabe às estruturas superiores do Estado formular. Como há realidades distintas no país, como a lei abre caminhos mas não quantifica todos os factores para cada região, município ou agrupamento escolar, há que introduzir a variabilidade que a própria lei permite.
O Dec-Lei n.º 7/2003 de 15-01 aponta o sentido da autonomia responsável baseada no princípio da subsidiariedade que, basicamente, quer dizer que tendo quem está mais perto possibilidade do exercício de competências que até aqui tem estado na posse da máquina central do Estado, estas serão transferidas para a entidade mais descentralizada, neste caso o município.
Aqui é que não nos podemos permitir que as coisas se façam ao “calhas”. Se tanto esforço não é para conseguir uma melhor solução, deixemos ficar as coisas como estão desde os tempos de Salazar que ele até era professor e algo mais.
Novos tempos, novas soluções, nunca se pode prever se serão para perdurar muito, mas a evolução é galopante, vejamos até ao horizonte que podemos alcançar. A isto a lei obriga.
Diz-se no artigo 10.º que tem de ser feitos um “planeamento e ordenamento prospectivo dos equipamentos”, e prospectivo é isso mesmo, “o futuro é já ali”.
Os objectivos devem ser altos. Diz-se no n.º 3 do artigo 11.º que “se deve promover o processo de agrupamento de escolas com vista à criação nestas de condições mais favoráveis ao desenvolvimento de centros de excelência e de competências educativas”.
E no n.º 4 do mesmo artigo diz-se que na análise prospectiva se deve fixar objectivos de ordenamento progressivo de médio e longo prazo. Há portanto soluções que podem ser transitórias, mas já se deve ter em vista um horizonte mais largo e ainda conforme o n.º 5 do mesmo artigo, “garantir a coerência da rede educativa com a política urbana do município”. Esta questão fica porém para mais tarde.
Continuando na linha antes traçada vamos à alínea b) do artigo 15.º e aí se defende a “sequencialidade entre os diferentes ciclos de ensino básico” e que “o percurso da escolaridade obrigatória se deve efectuar, de preferência, numa única escola ou agrupamento de escolas”.
O problema não é de Internet porque essa já chega a todo o lado, não é de transporte porque de fraldas já os miúdos andam quilómetros (para ver como eu sou velho, quando ia fazer o meu exame de admissão ao liceu vomitei na “camioneta”), nem é da alimentação pois em qualquer lado se faz um refeitório, não é nada material enfim.
O problema está em conseguir o melhor aproveitamento dos alunos, em recuperar o nosso atraso, em pôr os alunos a serem capazes de adquirir cultura, nos seus vários aspectos humanos e abstractos, em melhorar a sua capacidade matemática e de recolha e interpretação de dados referentes a vários aspectos da realidade.
E acham que isto se consegue com turmas de 10 alunos divididos em 4 classes, o que dá uma média de 2,5 por classe e uma variância exagerada.
Por favor: Uma criança só, com um só ou com dois companheiros da sua idade, porque nessa idade há diferença efectiva, não é razoável, é anti-social. Só com uma família estável, pais de um elevado nível intelectual, é que se poderia, no aspecto académico, suprir essa falta mas agravar-se-ia o aspecto social. Daria, talvez, mais um monstrosinho, egoísta e egocêntrico.
As crianças precisam de socialização como da água para a boca. Com uma boa socialização o aproveitamento escolar melhora e criam-se cidadãos solidários e colaborantes.
Também com o caso do “inglês” se viu que a especialização dos professores vai ter de começar mais cedo. Um professor, a dar em simultâneo aulas a 4 turmas e sobre assuntos diversos, tem dificuldade de acompanhamento e dispersa a atenção dos alunos.
Quem bem fala da escola antiga de certeza que se não lembra dos professores a gritar a plenos pulmões para manter quieta e calada uma parte da turma enquanto dava aula à outra parte. Era isto que estava bem?
Embora os professores ainda irão abarcando as matérias dadas no 1º. Ciclo, nós pressentimos a evolução porque ela já começou. A especialização dos professores levará à necessidade de agregar alunos em número razoável.
Ir-se-á deslocar um professor para dar uma aula de inglês a um aluno de uma escola que só tem uma sala para que em simultâneo o professor residente dê nessa mesma sala aulas às outras três turmas sobrantes.
Abstraindo do aspecto economicista, acham que isto é viável, razoável, eficaz ou não será contraproducente? O aluno nem tem sequer com quem treinar o seu inglês.
Há que ver o reverso da medalha.
Maiores turmas resulta em maior dispersão dos laços de amizade, os colegas facilmente são esquecidos. Mas isto será mesmo prejudicial?
A cada vez maior impessoalidade das relações sociais leva até à necessidade de dispersar laços, a soltar amarras que antes eram consideradas essenciais, a dispensar rótulos e etiquetas que nos revelam a origem.
Nos tempos presentes já não temos tempo para discorrer sobre o nosso passado. O homem vale pela sua abertura ao mundo, não pela sua prisão ao berço.
No reverso está também a necessidade de maior deslocação que faz sobrar menor tempo para a permanência em casa, para menos ligação à família. Aí o problema pode ser grave. Mas temos muitas mais vertentes a analisar.
Será suficiente estar mais tempo em casa mas ser ignorado pelos pais, ficar mais isolado do convívio.
São questões altamente complexas que têm a ver com múltiplos factores. Mas parece-me que havendo uma assumpção de responsabilidades pelos pais, tendo estes por objectivo a socialização dos filhos, não lhes impondo perspectivas rígidas quanto ao futuro, colaborando e pedindo a colaboração da escola, podem criar o clima necessário para que o aluno fundamentalmente se sinta bem nos dois lugares e partilhe as duas vivências, certamente complementares e essenciais ao seu desenvolvimento.
Desta harmonia depende o nosso futuro.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

P.S.P. versus G.N.R. - A função de soberania

Uma função primordial do Estado é a de soberania. Essa função teve o seu desenvolvimento durante o longo percurso da humanidade, mas esteve sempre presente em todas as sociedades organizadas. A cada passo dado no sentido da civilização correspondeu uma melhoria no seu desempenho.
Se anteriormente a soberania já existia como função específica, foi com o Estado Moderno que ganhou realce e autonomia. Criaram-se estruturas permanentes e delimitaram-se os seus poderes e zonas da sua intervenção. Deu-se um grande salto no sentido da sua dignificação.
É verdade que quando o homem se sente mais auto-suficiente vê esta função de soberania como um mal a que só contra vontade se sujeita. Com o advento da modernidade passou a haver uma consciência mais generalizada do carácter essencial dessa função para promover o progresso, o bem-estar, a segurança e muitos outros objectivos que o Estado legitimamente prossegue para atingir o bem comum. “Prescindimos” de muitos dos nossos direitos ditos naturais a favor de direitos colectivos devidamente constituídos.
Porém reconheçamos que os resultados são em parte contraditórios. Ditadura ou anarquia, usurpação de direitos ou desleixo, centralidade ou divergência, unidade ou fraccionismo, negociação ou destruição, quantos têm sido os nossos dilemas!?
Intercalando muito sofrimento, muita cobardia e grandes retrocessos com alguma satisfação, muita galhardia e avanços intermitentes, o progresso vai-se consolidando. O consenso que se vai obtendo, vai-se propagando, passa regiões e fronteiras. O Estado vai adquirindo uma configuração mais inteligente e eficaz, mais racional e universal.
Um dos princípios basilares em que assenta a configuração do Estado Moderno é a universalidade da sua soberania. As leis que a sustentam têm de abranger todo o seu universo. As descontinuidades na sua aplicação têm de ser excepcionais e estar expressamente previstas na lei. Os agentes do Estado têm de fazer respeitar as suas leis em todos os recantos do território estadual.
Mas o verdadeiro poder soberano pertence ao Estado unitário. Se este tem legitimidade para impor como objectivo uma uniformização “antinatural”, simultaneamente tem a obrigação de a fazer corresponder ao padrão de desenvolvimento médio da sociedade.

Órgãos e agentes de soberania

O Estado Português dispõe de vários órgãos que actuam de modo esporádico ou permanente, e que exercem funções que cabem no conceito de soberania. Todos têm uma estrutura centralizada, em pirâmide encimada por uma entidade unipessoal, directamente responsável perante outro órgão hierarquicamente superior.
Os agentes do Estado podem ou não estar distribuídos por todo o território, podem ou não ter carácter de permanência em local fixo, mas estão integrados numa estrutura rígida e permanente e no exercício das suas funções estão investidos daquele poder de soberania.
Em Portugal chegaram a existir quatro fortes estruturas que enquadravam a maioria daqueles agentes estaduais. A P.S.P., a G.N.R., a P.V.T. e a G.F. exerciam funções de soberania com carácter permanente e abrangendo todo o território.
A P.V.T. foi a primeira de entre aquelas estruturas a ser extinta já no antigo regime. Os seus agentes foram maioritariamente integrados na G.N.R.. A G.F. teve mais recentemente o mesmo destino.
A G.N.R. incorpora hoje forças que têm funções distintas entre si mas complementares. Essas forças visam assegurar o cumprimento de múltiplas leis essenciais ao funcionamento do Estado. Só algumas dessas funções são executadas pela P.S.P. nas áreas urbanas em que esta força existe.
Há uma clara distinção entre estes corpos (G.N.R. e P.S.P.) mas já não tanto entre algumas das forças que os incorporam, se vistas do ponto de vista individualizado. Todas as forças integradas na P.S.P. têm a sua correspondente integrada na G.N.R..
Se, infelizmente, a actuação de qualquer destas duas forças correspondentes nem sempre é feita a contento de todos, está hoje provado que onde há G.N.R. a executar as funções que em locais semelhantes são desempenhadas pela P.S.P. se consegue igual nível de desempenho.
Porquê criar situações de descontinuidade territorial na área do município?
Porquê a duplicação da cadeia de comando?
Porquê ter duas forças que não são complementares, antes nos aspectos relevantes para este caso, são concorrentes? Se as pudéssemos pôr em concorrência no mesmo espaço talvez valesse a pena. Assim não.
Sem querer entrar em questões internas de disciplina e funcionamento, direi que, dada a especialização que hoje é necessário existir em várias áreas de actuação, se torna imperioso que num corpo de segurança existam várias forças com formação específica para o desempenho de funções determinadas.
É evidente que quanto maior for o corpo, maior o grau de especialização que se pode obter. A especialização pode ser melhor obtida com uma só corpo de polícia, com uma só cadeia de comando para onde convirjam todos os esforços parcelares. Mesmo que na P.S.P. existissem especializações próprias, elas seriam facilmente integradas na orgânica da G.N.R.
O que é necessário é a formação permanente e adequada dos agentes, o investimento em actualização dos meios técnicos ao seu dispor e uma cadeia de comando que consiga obter o melhor aproveitamento desses factores fundamentais para o cumprimento da sua função.
O que é necessário é investir na prevenção em detrimento da investigação. O reforço desta vertente exige a criação de forças cada vez mais especializadas e a uniformização de critérios de actuação, a centralização da informação, a racionalização dos meios. Esta vertente é o factor primordial na criação dum sentimento de segurança nas pessoas e de confiança nos agentes encarregues de a assegurar. Todos os esforços feitos neste sentido são benéficos.

A tentação do ridículo

Não vamos ao ridículo de dizer que uns agentes são melhores para os meios urbanos e outros para os meios rurais. As velhas etiquetas já estão ultrapassadas, tanto em relação aos agentes como em relação à população. Os agentes são igualmente capazes, a população igualmente merecedora.
A ruralidade mental por mais que os ruralistas a apregoem está hoje plenamente afastada. Todos temos de ser tratados da mesma maneira. Só por pretensiosismo alguém dirá que a ruralidade existe na cabeça das pessoas.
Antigamente era estipulado que uns andassem de bicicleta ou mota e outros de jipe ou carro. Os agentes até se diferenciavam pelo meio de locomoção. Hoje o que interessa é o fim em vista. Para cada fim utiliza-se o meio mais apropriado.
Mas a ruralidade continua a existir sim mas nas condições físicas em que se vive. E as zonas urbanas não crescem por decreto. Colocar em todas as estradas que convergem para Ponte de Lima, como vi algures, placas a delimitar a zona urbana não é uma solução inteligente. É uma esperteza saloia.
A urbanidade não nasce dos supermercados e centros comerciais proliferantes. Corresponde a um conceito muito mais amplo e exigente que quando se dirige ao aspecto humano comporta os agentes da G.N.R. e que quando se dirige aos aspectos físicos não comporta a nossa “circundança”.