sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Votos contados, vale a pena falar?

Votos contados, não vale a pena falar, dirão os mais cépticos, dirão também os mais arrogantes. Vale sempre a pena falar, diremos nós, porque estamos a falar do homem, do seu modo de encarar a vida, os outros, e porque devemos alertar para o desdém com que alguns inteligentes serão tentados a encarar quem os produziu e para os abusos que alguns serão tentados a cometer sobre os mesmos.
Votos contados, vamos ao trabalho, que não querem ouvir falar mais em votos, dirão os mais fracos, dirão também os mais apressados, desejosos de pôr em prática aquilo que congeminaram à revelia dos eleitores. Vale a pena deixar trabalhar quem tem obrigação disso, mas também vale a pena aproveitar para pensar porque as coisas correram assim e não doutro modo qualquer.
E valerá a pena ser oposição, mas convenhamos que aqui deveríamos ter uma conduta mais comedida. Nas eleições nacionais é comum fazer-se oposição logo a partir do dia seguinte à eleição, sem um balanço feito, sem uma autocrítica, muitas vezes sem ter em conta as consequências dessa posição. Tanto nas locais como nacionais impor-se-ia que um balanço completo fosse feito porque o idealismo político de cada um comporta decerto alternativas mais flexíveis dos que as mostradas durante as campanhas eleitorais.
Porém mesmo quem se propunha trabalhar com os vencedores não pode ou não deve abdicar assim de rompante das suas ideias e passar a partir da derrota a perfilar outras, só porque aparentemente saíram vencedoras. Pelo menos haveria que ver se foram as pessoas ou as ideias que venceram, porque estas só parcelarmente são tidas em conta., e, se uma pessoa está bastante convencida da validade das suas, mais se deve empenhar na sua defesa.
Afinal o que faz as pessoas votarem? O que faz as pessoas mudarem de voto de umas eleições para outras, como acontece tão drasticamente em Ponte de Lima? Será apenas um benefício imediato, nem que seja só um bom relacionamento com os poderosos, que levará tantos milhares de eleitores a redireccionar nas autarquias os votos em relação ao que se praticara nas legislativas?
Mas as pessoas também gostam de se olhar ao espelho e de olhar do mesmo modo o seu grupo, a sua aldeia, a sociedade em que se integram. Será apenas o benefício mediático que levará a entregar a gestão da imagem àqueles que contribuem para projectar a imagem básica do concelho, mas também, reconheça-se, acrescentaram a essa imagem, para o bem e para o mal, algo da sua lavra?
Ou serão tão só as pessoas, umas com que nos identificamos porque elas se identificam connosco, e votamos nelas, e outras com quem não temos ligação, que nos são avessas, indiferentes ou fracamente apelativas e que não merecem o nosso voto? Afinal de que tipo de pessoas gostamos mais, aqueles que se identificam mais com o nosso estado de espírito, ou daqueles que nos dão ânimo para enfrentar o futuro?
Desde finais dos anos oitenta, desde que entramos na Comunidade Europeia e dela começamos a sentir a influência, desde a queda do muro de Berlim, que a política deveria ter deixado de ser vista com o empirismo de outrora. O relacionamento político pode estar enfim a um nível diferente do relacionamento social, inter-pessoal, familiar mesmo. A política pode dar um contributo para a dignificação humana que a própria família, abandonada à sua sorte, é incapaz de dar.
Quem votou neste ou naquele candidato a autarca deve ter para nós a mesma dignidade, mesmo que vejamos que houve factores que influenciaram o sentido do voto, sejam efeitos psicológicos ou materiais, do âmbito da coacção ou do constrangimento, da chantagem ou da sedução. Se houve quem se deixasse “levar” isso só revela a nossa falha política quando nos propomos defender os direitos e a dignidade dos outros.
Afinal o ser indefeso, que pode ser vítima, mas também o abutre pronto a cair sobre a presa, é o princípio e o fim de toda a actividade política. Elevar a dignidade do homem é também colocá-lo em situação de ser elemento de uma relação aberta, leal, igual entre quem é chamado a trabalhar na organização do Estado e quem tem que delegar em alguém as funções que ele próprio não pode ou não quer executar.
Quando há muito poucos a queixarem-se, há, do outro lado, muitos a rejubilar, porque é sempre bom estar do lado dos vencedores. No entanto a liberdade é suficiente para que possamos atribuir culpas próprias aos que se queixam e nenhum valor aos que enaltecem a vitória porque o seu contributo poderá ter sido nulo.
Aqueles que perdem fazem bem em repensar o seu enquadramento e a sua intervenção política nesta sociedade que, não os tendo escolhido, não formula desta forma qualquer juízo explícito de valor. O que não podem é ignorar, querer teimosamente persistir no erro e arrastar as organizações em que se inserem para um abismo permanente. O eleitorado perdoa melhor àqueles que são fracos mas ganham e não perdoa aos que perdem, mesmo sendo um pouco mais fortes. Ou será que só são teimosos?

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