sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O mesmo modelo de desenvolvimento é aplicável no País e em Ponte de Lima?

Será que estamos, nós País, em condições de escolher e de nos impor a nós próprios um modelo de desenvolvimento? Este dilema, que não é só teórico, coloca-se-nos porque há fundamentalmente dois grupos etários que mais sofrem com o problema de desemprego: Os jovens mais qualificados e os velhos pós 50 anos para os quais é mais difícil a requalificação.
Os mais novos estão mais preparados para trabalhos mais selectivos, mais especializados, dos que exigem uma boa preparação de base, um bom grau de organização e, não menos importante, um investimento de capital a que nós não estamos habituados. Por sua vez não estão habilitados na maior parte dos casos naquilo que é cada vez mais difícil: A criação do seu próprio emprego.
Os mais velhos transitaram quase sempre da agricultura para a indústria e os serviços e não têm preparação de base que lhes permita uma adequação rápida a um emprego mais qualificado, menos rotineiro, que exige mais iniciativa do que aquela que lhes era exigida nos antigos postos de trabalho.
Mas também podemos pensar que o fazer uma aposta numa vertente de trabalho mais qualificado ou menos poderá vir tarde de mais. O melhor pode ser aproveitar tudo o que possa aparecer porque para tudo vai havendo gente, à nossa dimensão, claro. Isto é, será de pensar que, mesmo estando já em condições de fazer esta escolha por um modelo de desenvolvimento mais moderno, não o devemos fazer porque comprometemos a necessária solidariedade social.
Não se podem excluir de vez do mundo do trabalho esses desempregados tecnológicos ou por efeito da deslocalização que já alcançaram uma idade em que se torna mais difícil recomeçar, mudar de residência, de profissão, de hábitos. Muito menos se pode dizer aos jovens que todo o seu esforço de valorização é inútil, não tem aplicação prática, têm que aceitar empregos menos exigentes do que estariam à espera.
Se ainda puderem subsistir umas fábricas do tipo das de confecção, mesmo que os seus salários não sejam famosos, é de deixar estar porque a haver alternativas só virão a nível geracional e aliás não custa a ver que também nesse sector já vai sendo possível acrescentar valor e acreditar que possam vir a ter melhores remunerações. È o problema de investir mais na marca, na criatividade, na qualidade, na satisfação do cliente.
Se já nos conseguimos juntar a certos sectores de ponta é uma clara indicação de que podemos ir mais além e acrescentar novos campos de actuação à nossa economia. Por nossa iniciativa ou trabalhando para multinacionais temos comprovado a nossa grande capacidade de acompanharmos e estarmos na vanguarda em alguns sectores. O que sendo muito bom, no entanto não nos permite apostar tudo aí.
Os sectores de ponta caracterizam-se por ter mercado assegurado, possibilidade de ganhar dimensão rapidamente e assegurar a continuidade. Mas são exigentes quanto à necessidade de melhorar continuamente a preparação base, a organização e o reinvestimento apropriado. E, porque de repente se tornam altamente competitivos, estes sectores, mais do que qualquer outros, não permitem que quem lá está esteja parado.
Conclui-se que não deve ser com o objectivo de privilegiar esta ou aquela geração que é importante fazer a nível nacional uma clara opção prévia por certos ramos de actividade. O acompanhamento do avanço tecnológico, a inovação são fundamentais mas temos que ser realistas e saber aproveitar as oportunidades existentes, mesmo em sectores em aparente decadência.
Estes dilemas têm destaque a nível local? Que escolhas deveríamos aqui fazer? Não é importante reter a juventude?
Em Ponte de Lima surgiu há uns anos a ideia peregrina de que o turismo haveria de resolver todos os nossos problemas. Mais recentemente reinventou-se a saga do sarrabulho como uma mezinha milagrosa que daria de comer a milhares de limianos. Ora este sector, sendo importante, tem limitações imensas.
O turismo e a gastronomia são sectores tradicionais que infelizmente ainda funcionam com mão-de-obra com pouca qualificação, muito dependente e que em alguns sectores só trabalha sazonalmente, constituindo nos meses de paragem um encargo extra para a Segurança Social. Acresce que as nossas potencialidades são limitadas. Em fraca louça se coloca o nosso futuro!
Rejeitou-se tudo o que pudesse, mesmo que remotamente, trazer algum prejuízo para um ambiente puro. Fundamentalizou-se uma questão a que no dia a dia as mesmas não ligam nenhuma. Apelou-se ao mais avançado para que para cá viesse, mas em vão porque se utilizou mais a poesia do que as novas formas de convencimento. Ficamos com pouco e com as expectativas mais baixas ainda.
Mas sendo as expectativas assim tão baixas, tudo o que vier já é uma vitória conseguida, mas não a podemos levar a crédito de ninguém. Entretanto os jovens vão-se embora, os que têm menos qualificação vão trabalhar onde podem na construção civil. Não é a miséria mas não nos abre perspectivas de futuro. Temos que ser mais exigentes.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

As nossas necessidades não são ditadas pelo bom senso

A necessidade é um fenómeno com diferentes manifestações em diferentes lugares e que está, na sua globalidade, em contínuo crescimento e em permanente deficit de satisfação. A possibilidade dessa satisfação também está em desenvolvimento mas ocorre a ritmos diferentes e normalmente a posteriori. Claro que a economia, se deixa algumas necessidades por satisfazer, também tem apresentado soluções para outras que ainda se não fizeram sentir e contribui assim para a sua criação. Economia/necessidade é uma luta de irmãos inimigos.
Em termos globais todos caminhamos no sentido do desenvolvimento, endeusamos o consumo e tornamos todo o anti-consumismo limitado e efémero. A economia nem se dedica sequer a questionar esta maneira egoísta de olhar só para a frente, de procurar que tudo se resolva a contento dos consumidores, preocupando-se muito pouco com as consequências que das suas propostas e decisões possam advir para o futuro colectivo.
No geral a economia, por mais empenho que mostre, não satisfaz todas as necessidades existentes, acrescidas das que entretanto e continuamente se vão criando. Atribuímos cada vez mais ao Estado essa responsabilidade derivada da falta de resposta pelos entraves que cria, pelos condicionalismos que estabelece, pelos regulamentos tendenciosos, ou ditos como tal, que estipula.
Mas o Estado tem a sua lógica de prioridades com a qual podemos não concordar, mas que muitas vezes tem a ver com questões fiscais, preservação de recursos, defesa do meio ambiente e outras. O Estado é no geral mais avisado do que nós, que nos esquecemos facilmente das limitações que devemos pôr no desenvolvimento e tudo exigimos, atribuindo as falhas a má vontade do poder.
A economia por si só, livre, não atribui níveis às necessidades. A economia age preferencialmente numa lógica de oportunidade. A rentabilidade, o menor investimento, a existência de recursos, de know-how e de tecnologia disponíveis, a existência de necessidades bastantes, são factores prioritários, que levam a avançar em detrimento doutros possíveis projectos.
Como quase todos os recursos não são ilimitados, se se escolhe a satisfação de um dado tipo de necessidade, vão faltar recursos e em especial fundos financeiros para ocorrer a outro. Num Estado não interventivo, em que imperasse o livre jogo económico nem todas as necessidades seriam satisfeitas ou teriam que o ser em condições incomportáveis para a generalidade das pessoas.
Mas a economia não só não consegue satisfazer todas as necessidades, como deixa de melhorar a satisfação de algumas. Quando uma necessidade deixa de crescer em quantidade, a economia deixa de se preocupar com ela e direcciona-se para outras em que há carências e possibilidade de crescimento. Porém quando há um abandono excessivo, isso pode dar origem a oportunidades para outros produtos e outros produtores.
Se os recursos o permitirem, há um permanente reforço qualitativo que se exerce em relação à satisfação de necessidades antigas e permite criar as tais novas necessidades de que as pessoas no geral não suspeitam antes delas aparecerem. Quem anteveria a revolução na alimentação com o frango de aviário e a carne de suíno? Quem sonharia com umas férias nos trópicos?
A economia só entra em crise quando produz em excesso com uma tecnologia ultrapassada. Quando os agentes económicos temporariamente não encontram mercado para o que inadvertidamente produziram. Ou quando não dominam as técnicas já disponíveis ou não se dotaram de capital suficiente para evoluir para a satisfação de necessidades qualitativamente superiores.
Uma das formas de obstar ao excesso de produção é o típico condicionamento promovido pelos regimes ditatoriais. Mas a economia reage mal, com uma certa paralisia, porque não necessita de evoluir para ter rendimentos garantidos. Os agentes económicos têm que aceitar a concorrência e estar preparados para não serem surpreendidos por ela.
Uma das formas de progredir é antever o fim do ciclo de vida dum produto e investir em investigação e desenvolvimento de maneira a dominar constantemente as tecnologias mais avançadas e actualizar permanentemente as formas e a qualidade da produção. Só assim se mantém a clientela e se conquistam novos mercados.
Para que a economia funcione bem tem que haver um bom conhecimento do homem. Mesmo que o não queira, o homem, o abstracto, da raça que nós somos é um escravo da necessidade absorvente, sem objecto definido. E ainda por cima constrói discursos pretensamente racionais sobre a sua razoável insaciedade.
As tentativas para a construção de uma economia racional, num Estado racional, em que as pessoas se entenderiam racionalmente, redundaram numa economia irracional, num Estado irracional, em que as pessoas agiram das formas mais irracionais que alguma vez se viram ao cimo da terra.
Quando se pensa que basta dar ao homem o pão e a sopa e se luta por isso, logo que tal seja conseguido o homem passa a ter necessidade de presigo e vinho. Numa etapa seguinte virá a indispensabilidade da sobremesa e do café e assim sucessivamente.
Claro que isto tem que ter um fim antes que se esgotem todos os recursos disponíveis e para isso há algo que não actua sempre mas tem que vir ao de cima: o bom senso.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O brincalhão … não se vai cansar

O Sr. Armando Pereira disse em recente entrevista a este Jornal que eu, Manuel Pires Trigo, sou um brincalhão, e não fico melindrado por isso. Efectivamente pretendo emprestar às minhas intervenções, seja em que ambiente for, uma alegria que falta no nosso convívio e já tenho escrito sobre isso.
Mas A. P., assim como outras pessoas que me tem manifestado, de uma forma ou doutra, o mesmo parecer, têm o desejo mais íntimo de relativizar as minhas opiniões. Também as não critico por isso. Mas essa questão, de se ter que ser mau para que as pessoas confrontem as nossas ideias com as suas, não me convence e acho até que só convence quem pretende impor-se pelo medo, ou quem está habituado a ser convencido dessa maneira.
Desde a primeira hora, há pouco mais de dois anos, que intervenho na Assembleia Municipal de Ponte de Lima, que tenho constatado diferentes propósitos dos seus membros e, como tem sido evidente, independentemente do partido pelo qual se candidataram.
Há aqueles que só querem que a sessão da Assembleia acabe depressa. Outros porque se dizem a favor de uma linguagem mais incisiva que, além de inadequada na minha perspectiva, lhes falta ânimo e até sabedoria para a assumirem. Outros simplesmente têm o intuito de calar a minha voz, que os incomodará, sabe-se lá porquê.
Neste tipo de Assembleia o mais normal é falarmos para a Câmara Municipal e em particular para o seu Presidente. Por vezes impõe-se que falemos para a própria Assembleia mas infelizmente a maioria não se acha merecedora disto. No entanto tal seria a única forma de criar uma vontade própria, leal para quem o entenda ser mas sem ser fiel acriticamente.
Eu procuro compreender aquilo com que não estou comprometido e relativizar o que entendo serem erros dos outros, desde que as pessoas os façam com propósito sério. No entanto eu estou na Assembleia para dar o meu ponto de vista, não tanto para denegrir o passado, mas para tentar contribuir para abrir perspectivas de futuro.
Afinal o que interessa é pormos o maior número possível de pessoas a falar do futuro, e não só mas também, neste prisma puramente político por que passa a afirmação de A. P. de que “vai sendo tempo de Daniel Campelo descansar um pouco…”. Com certeza que A. P. o viria a dizer mais tarde, ou tem-no dito noutros locais, mas assim disse-o já e no seguimento desta última Assembleia.
O que me preocupa nas minhas intervenções é, além de eu ter uma ideia para a “cidade”, para o concelho, para o país, para o mundo, querer aferir da correspondente ideia que os outros têm, de modo a encontrar pontos de encontro e divergência e infelizmente verificar que a maioria não vai além de uma maneira superficial de ver as coisas, que muitas vezes até é pouco humilde.
Mas vamos continuar no mesmo caminho, com amizade, condescendência, humildade com todos os nobres sentimentos que devem estar presentes na discussão da coisa pública. Vamos continuar a pensar que as pessoas serão capazes de abandonar ideias simplistas e redutoras e a analisar as coisas com alguma profundidade e a sintetizar em intervenções as suas conclusões.
Esta questão de discutir a necessidade ou a simples ideia da sucessão de Daniel Campelo interessa-me obviamente, primeiro como membro da opinião pública e em qualquer qualidade de natureza representativa e o que eu procuro é que haja clareza na defesa das opiniões de cada um, com apresentação descriminada dos argumentos de cada parte.
Armando Pereira “manda” descansar Daniel Campelo mas não mostrou o que lhe vai na alma. Ora ainda se não viu qualquer político que gostasse de ser escorraçado pela porta fora. Para mais neste caso em que se não vê que tenha sido preparado qualquer delfim. D. C. é politicamente forte, o suficiente para secar tudo à sua volta, para não deixar despontar ninguém.
Os seus vereadores têm sido pessoas que têm que abdicar de toda e qualquer afirmação pessoal para o servir. D.C. utiliza a actual Lei reforçando o poder presidencial no sentido para que vai apontar a nova lei das autarquias que está a ser elaborada.
Os servidores de D. C. cumprem as suas orientações. São o escudo para o dia a dia, para o proteger das arremetidas esporádicas, para amortecer o impacto dalguma contestação e até da rejeição de algum pedido mais abusivo. A veste que “fica bem” a Campelo soa a falsa posta no corpo dos seus vereadores.
Poderão ser tão ardilosos como ele, mas não têm a visão e a força política do chefe. Com qualidades e defeitos, fruto do seu tempo, das circunstâncias históricas em que viveu, D. C. não está cansado e, não sendo um exemplo de gestão democrática, parece que são os outros políticos que lhe dão razão e não o contrário. Também eu, tendo espaço para intervir, me não cansarei.
Como A. P. sou pelo afastamento de Daniel Campelo desde que as pessoas se apercebam que o seu tempo passou, que há alternativas fora do seu grupo de seguidores, que estes agindo por fidelidade não podem ser seus sucessores porque há muito prescindiram da sua coerência e cada um por si já não dá sustentação a um corpo coeso de ideias.

As nossas empresas, os “Call Center” e os espanhóis

Nos negócios, na vida económica, era hábito privilegiar determinados valores para servir de base à postura de cada interveniente. A boa condução do negócio dependia em última análise de garantias pessoais que muitas vezes não iam para além da palavra, do aperto de mão. E tanto chegava, a não ser que um cataclismo, uma guerra viesse baralhar tudo e tudo colocar na estaca zero.
O negociante apresentava-se com as suas duas faces, que ninguém se pode orgulhar de não as ter, unidas numa só cara. Quando o negociante se fazia representar por alguém, essa pessoa defendia por norma os mesmos princípios, tais eram as indicações que lhe eram dadas para não por em causa princípios quase universalmente aceites.
À medida que o negociante foi sendo substituído por sociedades e em particular por sociedades anónimas, esses rostos em que se viam duas faces mas em que se reconhecia uma só cara passaram a não ter traços definidos, a esconderem-se na sombra do anonimato. Hoje as grandes empresas têm as faces que forem precisas para que o negócio tenha sucesso.
Uma das faces de uma empresa actual é a do vendedor que tudo faz para cumprir os objectivos que lhe definirem, sem cuidar de fazer um negócio sério. Dá-se mesmo esse trabalho a indivíduos recrutados à peça nos chamados “Call Center” para chatearem a toda a hora a população indefesa, propondo os mais rocambolescos negócios em que eles querem passar por samaritanos para que nós não tenhamos dificuldades em ser passarinhos.
São negócios falaciosos que não envolvem grandes gastos para a empresa porque não tem necessidade sequer de mandar os seus vendedores porta a porta. É perfeitamente abusivo que se alterem contratos existentes através de uma simples conversa telefónica em que muitas vezes não fica sequer claramente expressa a vontade do cliente.
Todos os contratos que se estabelecem por esta via, sejam novos ou alterações a outros já existentes, tem sempre tantas cláusulas que nunca são todas bem explicadas às pessoas e tal facto só por si é suficiente quase sempre para retirar as vantagens com que o negócio é impreterivelmente apresentado. Prometem-se rebuçados mas para os incautos está guardado um sabor a fel.
Quando se dá por ela, que se caiu num negócio do conto do vigário, e se pretende corrigir a situação, a verdade é que isso normalmente se consegue sem grandes custos. Telefona-se e aparece já uma outra face, compreensiva em geral, pronta a ouvir, a responder e a responsabilizar-se pelos abusos cometidos. É uma atitude dúplice que se aproveita da ignorância alheia.
Se a trapaça pega a empresa fica a ganhar e para que ela ganhe é óbvio que alguém há-de perder. Se o logro é detectado a empresa ganha menos, o cidadão perde menos, mas passa por um mau momento de indisposição, que é ter sido enganado e para os mais sensíveis ver que tanta gente está a cada momento a ser vítima deste embuste.
As empresas desculpam-se com o excesso de concorrência, com o uso de outros meios ainda mais desonestos por parte de muitos competidores, com a perca de clientela e a diminuição dos lucros, com a falta de normas orientadoras nesta matéria, com o baixo custo da utilização do telefone, com a criação de emprego nos tais centros de chamadas, afinal tão simpáticos à inglesa.
As empresas desculpam-se mas isso é o mínimo que se pode fazer quando se tem uma cara com duas faces e se quer fazer de cada uma um rosto de um ser bicéfalo em que uma parte responde pelos erros da outra. Mas é também indesculpável que uma empresa não preze a unidade de todos os seus serviços, mesmo os contratados e não responda com uma só cara e a uma só voz.
O problema está em que as grandes empresas são cada vez maiores e cada vez mais absorventes em relação a toda a actividade económica. Aos monopólios antigos sucederam-se empresas com dificuldade de conviver em livre concorrência. Os consumidores estão cada vez mais dependentes de poderosas máquinas empresariais que tudo fazem para aumentar os seus proventos.
A promiscuidade que constitui a transferência de governantes para a administração das empresas e vice-versa leva ainda a uma suspeição maior daqueles que não possuem qualquer poder em relação à legitimidade de certos procedimentos que as empresas adoptam para terem sucesso na competição global. Embora o discurso seja sempre em defesa do consumidor há razões para crer que nem todos somos honestos.
Informalmente defende-se muito a ideia de que nós precisamos de grandes empresas, sólidas e lucrativas para concorrer, não a nível só português, mas pelo menos a nível ibérico. No entanto é de questionar se somos nós que temos de contribuir com pagamentos extras para este capitalismo selvagem.
Afinal é sempre o acenar com o medo dos espanhóis, homens sempre predispostos a fazer de nós uns serôdios sem ensino e sem cabeça para nos governarmos. Mas duvido que eles alguma vez quisessem pagar a nossa inoperância. A realidade é que, sem nunca gostarmos deles nos negócios, já é com eles que nós mais comerciamos. E afinal é só isso que eles querem.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Uma só identidade com muitas cidadanias

Cada vez é maior o número de problemas com que deparamos. Cada vez identificamos mais bloqueios no mundo que nos rodeia. Cada vez mais os nossos ideais têm dificuldade em sobreviver. Já há saudosistas que recordam com agrado quando vivíamos num canto isolado do mundo. Na verdade temos dificuldade em identificarmos o nosso papel nos vários cenários em que somos chamados a intervir. A nossa cidadania suplantou a nossa identidade.
Aqui há uns anos só um louco poria em causa a nossa pertença a um País tão velho e sedimentado como Portugal. È verdade que hoje, ainda que com uma expressão mínima, já existem para aí alguns celtas e outras denominações pouco claras, que põem em causa o País. Este espírito desagregacionista é em parte resultado daquela nossa incapacidade para abarcarmos toda a realidade, para vermos a nosso mundo como um todo.
Se alguns põem em causa o País, naturalmente muitos mais põem em causa a Comunidade Europeia. Muitos acreditam que se impérios duraram e caíram ao fim de milénios, pelo que estas realidades mais vulneráveis, como Portugal e a Comunidade Europeia, terão os dias contados. A pertença a comunidades mais restritas parece ser a tábua de salvação que perdura mais tempo.
Simplesmente há uma diferença. Os impérios e em geral as forças políticas que defendem em primeiro que tudo a governabilidade e as forças económicas que contribuem para criar uma realidade uniforme têm por objectivo ir destruindo as particularidades de cada comunidade. Os Estados de que fazemos parte defendem que as diferenças devem ser mantidas, mesmo reforçadas naquilo que não seja anti-social, independentemente das dificuldades que isso possa acarretar.
Mas, se as realidades políticas existentes são favoráveis à manutenção da nossa identidade, não se vê que esta absorva tão rápido como seria desejável a nova cidadania que nos é atribuída. Independentemente de lutarmos ou não por essa cidadania, era importante que considerássemos a sua importância no mundo actual e a sua perdurabilidade dentro de limites temporais razoáveis. Mas a cidadania só é definitiva se é aceite de pleno pela nossa identidade.
Acima de tudo não é pela insatisfação em relação a algum aspecto particular ou temporário que vamos pôr em causa o que satisfez as gerações anteriores e tanto custou a criar. Ainda por cima nunca chegaremos a saber qual seria a realidade se ela não fosse o que é, se a opção pela integração europeia não tivesse sido tomada e os passos subsequentes não tivessem sido dados. Se já está a pôr em causa a nossa adesão pode ficar por aqui.
Digo isto porque os que apoiam a adesão também têm direito a ter dúvidas, embora saibam que elas não põem em causa as certezas adquiridas. Olham para a Comunidade como o seu segundo Estado, como lhes dando a segunda cidadania. Mas a verdade é que nenhuma relação é saudável se não soubermos como a outra parte nos olha, precisamos de saber como este Estado olha para nós.
Qualquer aversão a esta ideia de sermos cidadãos europeus pode ter resultado de a Comunidade nos ver por um prisma a que não estávamos habituados. Mas talvez a nossa identidade comportasse elementos puramente ficcionais, sem base histórica plausível. A ideia de sermos uns samaritanos, altruístas sempre prontos a ajudar o parceiro, que, embora gostássemos do poder pelo poder, nunca o exercemos de forma a prejudicar ninguém é falsa. Como o é a ideia de que com a nossa adesão passamos a ser uns devassos.
A Comunidade vê quase tudo em termos económicos, não consegue passar outra imagem. E assim sendo até nos parece que nos vê como uns pedintes que, quando temos os recursos que nos dispensam e a que não estávamos habituados, logo pensamos em os gastar alegremente. Até aceitamos ser veneradores quando nos convém, mas somos ingratos quase sempre, e julgamo-nos merecedores de um certificado final de bons alunos.
Podemos ter que rever a nossa identidade. Que deixar de defender valores que na prática não são considerados e que foram em tempo utilizados para nos limitar excessivamente as nossas possibilidades de acção. Eles desaparecerão com as gerações futuras, mas passamos por fazer o papel de trouxas se nos mostrarmos agarrados exageradamente a eles.
Podemos ter que fazer uma concessão à realidade e mudar a forma como vemos as nossas relações com os outros. Em vez de relações de poder que as pessoas exploram em seu favor, ou a que se submetem tentando minimizar os prejuízos, as novas relações tem a primazia do económico, fazem-se entre pessoas livres de aceitar ou não as condições em que desejam trabalhar, negociar, viver.
São relações menos protegidas, menos providas de sentimentos, em que não há outra defesa além da difícil e escorregadia lei. Mas são relações que não implicam dependência, submissão, humilhação. Não se prolongam para além do seu objectivo próprio, salvo vontade em contrário dos intervenientes.
Assim também as relações entre Estados não dependem de um poderio assumido, de uma prevalência, de um ascendente, mas são mais voláteis, mais determinadas pelas vantagens obtidas caso a caso, pela conveniência de momento, sempre assentes numa defesa comum de princípios e de benefícios a longo prazo.