sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Natal, o reencontro com o menino que há em nós

Meio século atrás quase tudo na sociedade, profissões, comportamentos, amigos, festas, nos era “imposto”. Porém no seu dia a dia a sociedade assumia uma naturalidade bastante consistente que nos levava a uma atitude de aceitação, de vivência das situações com uma certa autenticidade. Hoje andamos ao sabor das circunstâncias, nem sempre aproveitando a liberdade que temos. Ao menos não percamos aquilo que um dia vivemos.
A festa do Natal, inserida num contexto religioso que genericamente não era posto em causa, enquadrava-se dentro daquilo que na nossa vida há de mais genuíno e reunificador. Efectivamente em nenhuma outra ocasião do ano nos sentimos tão próximos das origens, tão impelidos para um regresso. E quase todas as pessoas se sentem mais próximas do seu íntimo, mais despidos de preconceitos, de papéis sociais, de vaidades.
A liberdade não é motivo para rejeitarmos esta herança do passado. Esta é das boas, porque tudo que nos leve a pensar na nossa situação e a reforçar os nossos sentimentos de solidariedade, é benéfico para nós e para a sociedade. É verdade que, por reforçar os laços de família, para quem a não tem e não fez a devida conversão, pode levar a estados indesejados de solidão. Mas também esses podem aceder a uma transcendência que nos deve acompanhar.
Uma Festa, por tão abrangente e virada para o recolhimento, até podia ser entendida como não possível sem imposição. Não ocorreria só com a nossa vontade individual mas mercê de uma ambiente colectivo criado. Sentíamos como que uma obrigação de ir à terra, de nos aproximarmos da família mais chegada, de visitarmos os amigos e conhecidos. A liberdade porém não nos fez esquecer esses sentimentos e muitas vezes até ajudou a reforçá-los.
Todos os movimentos colectivos, mesmo os mais autênticos, transportam porém em si alguma ambiguidade, podem suscitar sentimentos contraditórios. E em certas franjas sociais podem criar sentimentos de alguma rejeição, por exemplo quando uma outra franja qualquer se tenta apropriar da Festa para si. Felizmente o Natal é de todos e contrariamente a outras festas há um esforço para que continue.
O Natal é a época de preferência de reencontro. E digamos a mais apropriada para isso. Os reencontros de Verão são doutra natureza e leva mesmo a interrogar-me-nos sobre a forma como a época é vivida no hemisfério sul. Mas também se o frio, a neve, os dias pequenos e longas noites ajudam, somos nós que criamos a oportunidade para o intimismo da Festa.
O espírito natalício está tão arreigado que a maioria das pessoas sofrem quando se vêm impedidas de dar satisfação a este apelo de se juntar à família, de revisitar pessoas e locais de infância, de reviver referências e momentos que foram marcantes, embora e talvez por isso, muitas vezes já só a imaginação nos leve aos tempos recuados em que tudo tinha uma significado mais sincero.
O problema é que este espírito se pode perder, por não ser transmitido aos jovens de hoje. O consumismo tem aqui uma culpa determinante., a voracidade do comércio encaminha as mentes para se mostrarem enroupadas pelas prendas em vez de embelezadas por sentimentos e actos de generosidade e boa convivência. É a materialidade a inquinar a espiritualidade.
Quando tão mal se diz dos jovens convém pensar no triste espectáculo dos adultos que afinal são as únicas referências que eles têm. O desgoverno dos jovens é tão natural nas condições actuais como o anarquismo mental que tomou conta do pensamento mais em voga. É tão grave os adultos tentarem impor uma doutrina determinada, como só ter a vacuidade para dar.
Se podemos nos não identificar com o Menino Que Nasceu Para Nos Salvar, podemos e devemos identificar-nos com o Menino que nasceu para encontrar um mundo desorientado, dominado por forças incomensuráveis e cujas hipóteses de ser devorado por ele são imensas.
O meu Menino é incógnito, inlocalizável, sem idade e destino determinado. Encontra-se algures no meio duma calamidade, duma peste, duma guerra, subnutrido, ao frio ou ao calor, incapaz de avançar, de recuar ou simplesmente de alertar o mundo para a sua condição indigna e abjecta. O meu Menino não é vaidoso nem egoísta, não se veste de seda, provavelmente anda despido.
Decerto que esse Menino se identifica com todos os meninos que um dia sonharam salvar o mundo, que tudo fizeram para contribuir para isso, que, em reconhecimento de terem chegado a grandes, aplicaram muitos dos seus esforços na procura do entendimento e no reforço da paz. E decerto com esse Menino cujo nascimento no Natal se celebra.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Um bom vizinho é meio caminho

É uma ideia generalizada que a grande construção em altura, típica das grandes cidades, deu cabo das relações de vizinhança. Mas esta constatação é tão só o resultado de nós procurarmos fora de nós mesmos a justificação para todos os factos, inclusive para a existência ou para a eliminação dos sentimentos que vulgarmente nos animam.
Se houvesse vontade para tal, o facto de um prédio ter trinta andares decerto que não seria impeditivo de que se estabelecessem relações de vizinhança, pelo menos entre as pessoas dos andares mais próximos. Se recuarmos cinquenta anos veremos que nos prédios que já nessa altura existiam se estabeleciam relações diferentes das de hoje. A porteira conhecia todos e todos se conheciam entre si.
O crescimento dos prédios tem razões económicas e os mais calculistas dizem que os nossos sentimentos também as têm. Mas mesmo aceitando isso, tal não quer dizer que esses processos tenham uma conexão entre si. As mudanças nas relações de vizinhança têm origem na mudança da estrutura do tecido social, na alteração do cimento que dá consistência à sociedade. Nos prédios, seja qual for a altura, o cimento é o mesmo.
As relações de vizinhança ocupavam um lugar primordial nas relações humanas, quase sempre em importância logo a seguir às relações familiares. Até nas sociedades cujo tecido não era muito homogéneo todos procuravam fazer com que essas relações fossem positivas. Hoje estão relegadas para o final da lista, para o domínio do esporádico e perto mesmo do que é de evitar. Gerou-se um processo de criação de indiferença para com o vizinho, de ignorância do próximo.
As relações de vizinhança integram-se naquele grupo que hoje as pessoas entendem de relações de dependência e portanto rejeitam. Ninguém quer ser, nem sequer se quer mostrar dependente doutrem. Não se importam em perder o sentimento de segurança que derivava da união entre os vizinhos, sendo as pessoas cada vez mais favoráveis a um individualismo extremo suportado por um Estado forte e protector.
A vizinhança era o lugar por onde passava a construção de quase todas as outras relações que se estabeleciam entre as pessoas. Entendia-se que esse era um caminho seguro. Hoje essas relações começam, desenvolvem-se e acabam em domínios transversais que se diluem na sociedade, tem os seus pontos de maior concentração em novos centros de interesse que podem ser longínquos, morar na Internet, raramente na proximidade.
A escolha das relações que nos interessa desenvolver começa hoje num estado de ainda muita juventude e parte-se do princípio que elas podem assumir um carácter muito temporário. As relações de vizinhança são daquelas que, quando se estabelecem, há mais dificuldades e é mais doloroso rompê-las. Pelo que as pessoas entendem que o melhor é não investir muito nelas.
Outrora, além do empenho que a maioria das pessoas tinha em criar e manter boas relações, ao menos algumas, qualquer pessoa estranha, oriunda de outro meio, era absorvida ou, pelo menos, rapidamente se dava ao conhecimento e, num processo de assimilação com mais ou menos sucesso, também acabava por fazer parte integrante da comunidade residente.
Hoje estabeleceu-se um direito de reserva que, é bom que se diga, corresponde em muito à dificuldade de pessoas com percursos diversos e oriundas de diferentes meios têm de se darem a conhecer e de se abrirem aos outros. Hoje todos nós temos percursos com etapas que obedeceram a diferentes perspectivas, com expectativas satisfeitas ou desilusões aceites de modo desigual.
Igualmente temos perspectivas em relação ao futuro que passam muito mais por aqueles centros de interesses em que nós nos vamos ancorando. A maneira como encaramos a velhice também contribui para este alheamento em relação à vizinhança. Talvez quando lá chegarmos nos arrependamos mas também já estamos desiludidos sobre a hipótese de termos o apoio que outrora a família e a vizinhança emprestava aos velhos.
Quase todas as pessoas, mas em particular as que se sentem mais independentes, até por uma questão de gestão do tempo, tentam arrumar a questão e fecham-se à curiosidade alheia. Somos demasiados complexos, com interesses diversificados, cultivando relações precisas e praticamente objectivas desde o seu início. As pessoas podem-nos ser agradáveis, mas não como vizinhos.
As relações de vizinhança, pela generalidade e abertura a que normalmente estão associadas, são as primeiras a serem rejeitadas por se não enquadrarem naquelas mais selectivas que hoje privilegiamos. Esta selectividade entende-se também cada vez mais como dispensa de se estabelecerem relações cruzadas entre as pessoas, devido à inexistência de grupos homogéneos.
As relações de vizinhança de hoje parecem ser mais autênticas do que quaisquer outras. Elas não têm necessidade de hipocrisia e daí a sua aparente crueldade. Elas reflectem tão só toda a complexidade de que são constituídas as vidas individuais, em que o sentimento de partilha já não pode ser o que era. A desconfiança reinante na sociedade não é propícia a confiarmos em quem, por acaso, está em maior proximidade.
Ainda podemos fazer algo para quebrar esse gelo? A proximidade ainda é a melhor condição para estabelecer contactos com pessoas com as quais de outra forma nos não relacionaríamos. Acima de tudo podemos estabelecer todo o tipo de outras relações sociais, mas são as relações de vizinhança que mais dizem sobre o nosso carácter. Quem tem bom carácter é um bom vizinho. Quem o não tem …

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Não estará a TV interessada no debate Defensor-Solheiro?

Enfim, as coisas começam a clarificar-se, se não com debate entre os protagonistas, pelo menos com o monólogo que Defensor Moura vem mantendo connosco, com todos os alto minhotos, afinal todos interessados nesta questão, que a todos diz respeito. Até achamos importante que estes segredos se saibam pela boca de Moura, que pela dos outros seria já apelidada de lavar de roupa suja.
Defensor Moura fala do seu curriculum com o objectivo declarado de depreciar o do seu antagonista. E este aspecto pessoal é só por si revelador da razão que o move nesta guerra. Parte do seu ódio resulta de ter sido derrotado por quem, segundo ele, é intelectualmente inferior. Velhas questões desta sociedade medieval em que a doutorice tem destas pretensões. Ao falar de subserviência Moura deve saber do que fala, não há sector em que ela se não faça mais sentir do que na medicina.
Sobre esta questão apraz-me dizer que Moura terá sido controlador de tráfego aéreo em Luanda e lá começou o curso de Medicina quando lá foi instalado o início este curso, tendo-o acabado no Continente nos turbulentos anos após o 25 de Abril. No entanto tal percurso não é suficiente para se atribuir qualquer mais valia sobre um ex-bancário que se quisesse tirar um curso superior lhe não faltaria capacidade. Nesta questão entendo que Campelo, com quem Moura se identifica tanto, não desceria tão baixo.
Na política está por arranjar um Órgão que certifique a capacidade e preparação de cada um para desempenhar os cargos a que se candidatam. Naturalmente que nos traria muitas surpresas, dado os lapsos que os nossos políticos vão tendo quando querem ser pau para toda a obra. E não restará a dúvida que Moura teria mais altos objectivos e culpa Solheiro de ser a barreira que o terá tramado e por isso esta vingança servida a frio.
Tal Órgão deveria avaliar as capacidades técnicas, nas quais a maioria destes políticos de trazer por casa ficaria a perder, porque o normal é irem para a prática aprender sem qualquer conhecimento de base. Moura sabia de químicos, Campelo de pastagens, Solheiro de livranças. Não sei porque carga de água as seringas e bisturis deram uma preparação política especial a Moura. Mas o principal era que o tal Órgão deveria passar a pente fino o carácter dos candidatos.
Há quem diga que os políticos devem ser aguerridos, persistentes, teimosos, vingativos, impiedosos. Há quem diga que devem ter a qualidade de saber governar bem a sua casa, sem o qual não saberão governar a sua autarquia. Há quem diga que se um político é bom para gerir uma freguesia será bom para gerir um país inteiro. Há quem diga tudo isto, mas tudo isto é falso.
Para já temos que nos conformar a acreditar na vontade popular. Ainda bem que assim é, porque o tal órgão seria tão só uma ajuda. Um dos problemas com que nos deparamos é que cargos diferentes têm diferentes exigências. Mas normalmente somos guiados por aspectos que tem mais a ver com os valores morais e com a mensagem humana que nos é transmitida. A imagem pode ser falsa, podemos ser enganados, mas ao menos raramente duas vezes.
Este caso extravasa a fronteira de Viana. A posição do Governo sem ser explícita é clara. A posição do PS nacional é o “não ser”. Parece que ninguém quer dar achas para a vitimização de Moura. Mas nós, os que em Viana votam e aqueles que no Alto Minho sofrerão as consequências do desfecho desta questão, exigimos que tudo seja esclarecido quanto antes.
Não restarão dúvidas que a questão tem de começar por ser resolvida no nível mais baixo da política partidária. Por isso um debate Moura-Solheiro não seria despropositado e podia ter interesse nacional. Não haverá um canal de TV interessado, mesmo que da TV Cabo?

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A aposta não proposta dos professores

A proposta em que os sindicatos dos professores apostam, mas que não apresentaram, o decoro parece ainda ser suficiente para eles não avançarem mais nesta galopada infernal, é claramente a autoavaliação. É um método já gasto, que já revelou todos os seus malefícios. Ele é mesmo de rejeitar independentemente da natureza dos próprios avaliadores. E os professores não são de carne diferente de todos os outros.
É uma maravilha quando cada qual diz o que vale e ninguém vai contra isso. Para quê as pessoas se vão chatear se disso parece não vir mal ao mundo, ao pequeno mundo como é o dos professores nesta questão envolvidos? Poucos terão a ousadia de se acharem prejudicados no processo. Beneficiam-se os velhos, acomodam-se os novos, os alunos ficam por ser irrelevantes no contexto.
Sabendo da desonestidade intelectual que por aí paira esta suposta proposta nem mereceria comentários. No entanto, não fosse o Ministério aceitá-la, os sindicatos resolveram retroceder e não a apresentar. Eles entenderam apostar agora a fundo na discussão da verdadeira fonte da sua insatisfação e ir sugerindo que sem a queda das cotas e das categorias entre os professores não vale a pena propor nenhuma avaliação. É mais sincero mas arriscado também.
0u então reservam a proposta da autoavaliação para mais tarde, se virem que não têm força para avançar decididamente no que agora sugerem. É que se o Governo cedesse em matéria de cotas e categorias o caso já estaria resolvido há muito. Neste jogo do gato e do rato os sindicatos têm receio em abrir o seu verdadeiro jogo e o Governo não cederá no essencial, vai cedendo no acessório que não comprometa a avaliação, essencial também para consolidar o conjunto.
A autoavaliação não serve para diferenciar as pessoas pelo extremado cariz pessoal que assume. A avaliação só se consegue por um processo de distanciamento, que de preferência obedeça ao princípio da hierarquia, mas não excessivo. A avaliação deve ser feita por quem está pelo menos um nível acima e não mais que dois e tenha estatuto que torne o avaliador imune a retaliações. Porém é provável que os sindicatos queiram voltar àquele sistema da autoavaliação e vale a pena analisar a sua consistência e os seus resultados:
Há muitas pessoas que até se têm a si próprias em fraco conceito mas que nas horas de verdade não descuram que lhes dêem a boa imagem a que têm “direito”. E quando se trata de verter para o papel a merecida classificação não será a obtida pelo seu conceito não confessado mas aquela que é fornecida pela outra imagem que interessa cultivar. Ninguém se vai auto diferenciar para se prejudicar.
A maioria das pessoas até dirá que isto é o legitimo espírito defensivo a vir ao de cima e ninguém o levará a mal. Cada um trata de si e o Sindicato de todos. Claro que haverá alguns ensandecidos, daqueles que estão mesmo convencidos que não são tão maus como os possam julgar, antes pelo contrário, será difícil encontrar melhor. Nunca se coibiriam de dar a si próprio as melhores classificações. Com razão ou sem ela que se fiquem todos pela mediania.
Mas nem só os ensandecidos são vítimas neste processo. Pode haver transposição de um efeito psicológico proveniente doutro contexto, doutra vivência, mas também pode ser genuíno, originado nesta situação e circunscrito a ela. Nós facilmente nos esquecemos que há mais mundos para além do nosso e que eles não são concêntricos, não giram à nossa volta. Porém há mesmo situações que nos podem ultrapassar, quando involuntariamente nos abstraímos desses mundos ou somos obrigados a isso.
Um dia prestei prova de aferição do 12º ano em Geografia e fiquei estupefacto com o 12 que me colocaram na pauta. Queria recorrer mas era Agosto e a minha professora não estava na Escola, claro. Estava de merecidas férias. Só me informaram que poderia recorrer a outro docente, mas não tive outro remédio se não ser eu mesmo o avaliador e fazer o recurso.
Foi manifestamente difícil porque, analisados os livros de apoio, os meus apontamentos e fazendo mesmo apelo a outros conhecimentos que eu já tinha adquirido antes, concluía que nas minhas respostas não havia lacunas significativas. Parecia-me uma falsa modéstia atribuir alguma valoração a falhas de pouca monta que houvesse, porque achava ter compreendido aquilo que me tinha sido transmitido e se estava errado a mim se não devia.
E vá de me atribuir 20 valores. Claro que levei 17 e já fiquei satisfeito, tão satisfeito como se fora à primeira vez. Eu não tinha pretensões a saber tudo e faltava-me a clara noção do limite, daquilo que me poderia ser transmitido se o professor fosse outro, a escola fosse outra, o contexto outro. Por natureza os limites têm que nos ser transmitidos por outrem, fixá-los nós é pura hipocrisia.
Os alunos sabem das imensas contingências, seja quando são avaliados pelo seu docente, seja quando avaliados por outro e principalmente quando este é quase ou mesmo desconhecido. Os professores sentirão os mesmos problemas. Quando se trata de avaliarem outros professores sentir-se-ão inibidos. Mas se os professores desconfiam dos seus próprios colegas, o que dirão os alunos do professor que lhes tenha ganho raiva, daquele que desconhece o seu contexto?
Uma pessoa isolada, pensando o seu saber, poderá estar consciente das suas limitações, se já teve provas anteriores para isso, mas nunca é tão estúpida para as fixar. Pensará que, na dúvida, é melhor valorizar-se do que passar por parva. Deixar que eu e todos os outros nos valorizemos a nós próprios não dá garantia de qualquer equidade. Mas neste jogo do gato e do rato o mal estará sempre em as pessoas pensarem que ao rato tudo é permitido.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A falta de maioria em Caminha não favorece ninguém

É velha a questão dos poderes dos Presidentes da Câmara. Tão velha pelo menos desde que há dinheiro, praticamente desde que entramos na Comunidade Europeia. Discute-se se, para ter algum poder de iniciativa, não serão poucos os seus poderes. Além de poder não ter a maioria dos vereadores a seu lado, tem que fazer uma escolha anterior às eleições e para quatro anos quanto a aceitar os membros que o acompanham, normalmente em listas partidárias.
Formada a Câmara cabe ainda ao Presidente escolher aqueles que ocuparão lugares de vereação a tempo inteiro e distribuir os pelouros que lhes darão a superintendência em órgãos e serviços camarários. Será legitimo que o Presidente de Câmara tenha por Lei que se responsabilizar por todo o trabalho da Câmara sem poder substituir os vereadores nas suas funções?
Respondendo o Presidente por todo o executivo parece que deveria residir em si todo o poder de escolher os colaboradores e de delegar neles conforme o estilo de liderança que lhe é próprio. Podendo demitir de funções um vereador sem poder colocar no seu lugar outra pessoa, resta-lhe distribuir essas funções entre si e os outros vereadores, o que pode não ser prático.
Por outro lado, tendo já surgido tantos casos de abuso e de utilização abusiva de poder, este modelo parece que iria promover a proliferação de sacos reais e virtuais, pessoais, partidários ou promocionais, azuis mas sempre opacos. Não é seguro que assim seja, embora exija uma lealdade maior por parte dos seus colaboradores, não exige que as pessoas sejam subservientes.
Houve um projecto do PS e do PSD de Marques Mendes no sentido do reforço dos poderes presidenciais que seriam contrabalançados com o reforço do poder fiscalizador dos membros eleitos das Assembleias Municipais. A oposição passaria a ser feita aí e não no executivo em que existiria sempre uma maioria favorável ao Presidente.
Qualquer incompatibilização entre o Presidente e um membro da sua maioria permitiria que aquele propusesse a substituição deste. Os vereadores da maioria presidencial podiam não ser todos eleitos pela mesma lista, nem ser empossados por ocuparem certo lugar na lista. Esta forma permitiria tornar o Executivo mais coerente, complementar melhor a competência dos seus membros. Aumentaria o poder do Presidente, mas em simultâneo aumentar-lhe-ia as responsabilidades e clarificaria os papéis de cada um.
Filipe Menezes rasgou este acordo. Manuela Ferreira Leite não ata nem desata. O caso de Caminha, por acaso ocorrido entre as hostes do PSD, talvez a faça pensar. Se um Presidente não deve ter poderes absolutos, também não pode estar nas mãos de um vereador qualquer. Digo qualquer porque na verdade quando há eleições só o candidato a Presidente é visível, os vereadores como se escondem debaixo da sua capa e raramente se lhes conhecem ideias.
A democracia tem que começar muito cá para baixo e principalmente há necessidade de fazer das Assembleias Municipais órgãos democráticos, de discussão, de acompanhamento e fiscalização. Lá em cima, no Executivo, não há necessidade de haver tricas, salvo as naturais e suportáveis diferenças de opinião, mas que não pode dar origem a acções divergentes. Se o Presidente e qualquer um dos vereadores da sua maioria se já não suportam, só há um caminho, a reorganização do Executivo.
Por este caso de Caminha se vê que não há maior transparência adicional só porque uma Presidente retirou os pelouros a um vereador e este mudou de campo. Ou mais propriamente a roubar à oposição o papel desta. Ninguém esclareceu nada. Se esse vereador tivesse sido substituído ganhar-se-ia em clareza, teria que ser mais explícito se quisesse sobreviver.