sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Seremos ainda uma sociedade conservadora?

Normalmente associa-se o Minho ao conservadorismo, a um atraso atávico, onde não entram ideias modernas, nem inovações. Há um certo erro nesta visão porque, paralelamente à formal, sempre no Minho se desenvolveu uma cultura de transgressão em muitos aspectos do comportamento. O Minho não é uma sociedade imóvel, apática. Só que as referências parecem não ter mudado e a transgressão não significa mais nada além disso mesmo, não representa uma vontade de mudança
Para caracterizar esta sociedade podemos recorrer a um aspecto da vida, um domínio de acção a que se possa atribuir a responsabilidade por todos os outros? Será de atribuir o conservadorismo à religião? Com certeza que a religião está associada a alguns comportamentos de contenção e sobriedade mas que as pessoas assumem também levadas por outros motivos. De certo que quem associa religião a conservadorismo também associa modernidade a excesso, o que é excessivo.
Haverá sempre alguns aspectos da vida que voluntariamente ou não assumem temporária e conjuntural a prevalência sobre outros. Qualquer domínio da actividade humana pode mesmo assumir uma importância desmedida e até alterar certezas tidas por absolutas. As forças e fraquezas próprias surpreendem-nos por vezes. Para sabermos se um domínio da actividade trava ou acelera a mudança exige-se um olhar sobre o que lhe é intrínseco e sobre o exterior hipoteticamente afectado.
O grande travão do desenvolvimento económico tem sido os próprios factores económicos. É a economia que se mostra incapaz de gerir convenientemente as suas insuficiências e os seus excessos. O grande travão do desenvolvimento cultural tem sido a própria cultura que não controla as suas próprias fontes de financiamento. Também o grande travão ao desenvolvimento político democrático são as próprias forças instaladas que condicionam a nossa visão das relações sociais, do ambiente e mesmo das formas de economia possíveis.
Não somos atrasados, entendemos é mal toda a organização social que extravase o domínio da nossa aldeia. O nosso mundo vivencial pode aumentar mas o conhecimento relacional mantém-se. De tal modo que gente que hoje é erudita, cultivada, cosmopolita, mas que tem a sua origem nesta terra, cultiva ainda essa visão estreita que lhe ficou da infância e para não perturbar as relações cá vividas assume, quando cá está, essa forma de comportamento reservado e obsequioso que nos caracteriza.
Tais pessoas são capazes de se baixarem ao nosso nível, embora usando uma visão estereotipada e essa sim ultrapassada, mas nós somos incapazes de nos elevar até eles, de colocar os problemas que eles colocam, porque para nós tudo se resume a uma realidade trivial e a alguns medos que a imprensa nos trás. A nossa visão do mundo desenvolveu-se com muito pouca formação, pouca mais informação e está condicionada pelo passado, pelo presente e pela falta de uma visão esclarecida do futuro.
Tal como o fazem com as aldeias os meios de comunicação social também vão criando e mantendo os seus estereótipos que falam daquilo que se desenrola nas grandes metrópoles, no sexo, na política e nalguns outros sectores mais especializados, mas que em nada nos ajudam a perceber a realidade. Limitamo-nos a ser caixas de ressonância, repetidores de umas vozes mais tonitruantes que por acaso se façam ouvir.
Ter voz própria nunca aqui foi uma ambição particularmente sentida. Há uns loucos que de vez em quando despontam e falam em dissonância com todos. Mas aí o discurso é incoerente e repentista. E como podia deixar de ser assim, como é que se poderiam desenvolver vozes personalizadas e com suficiente ligação à realidade nesta terra de fundos caminhos, altos muros, espessos bosques, culturas exuberantes?
Faltam-nos as grandes planuras, horizontes largos, visões diversificadas? Mas também nós podemos subir a altos miradouros, vislumbrar de lá planícies verdejantes, outros montes mais longínquos, ainda e sempre barrando-nos a paisagem. Só que não podemos permanecer lá tanto tempo quanto queríamos. Temos a beira-mar, essa imensidão líquida de que não nutrimos medo, antes nos atrai sempre. Faltam-nos os barcos para nos fazermos ao mar.
Podemos sonhar, só que os nossos sonhos não coincidem com os sonhos dos outros. Estes, aqueles que têm acesso à largueza da mundividência, têm os seus sonhos construídos noutra base, assentes em pilares de outra flexibilidade, movimentam-se melhor, aspiram a outros céus. A nós até este verde persistente e sombrio nos enche, não deixando espaço para outras cores, para outros odores, é um travão aos nossos sentidos. Somos duros, de cintura firme, de imaginação paralítica.
Não está em causa a beleza do local, a ternura da paisagem, a amenidade da aragem, o vigor que brota do próprio solo. Está em causa a saturação, o excesso, a asfixia, a necessidade de subir ao monte para respirar, evitar a paralisia, o atrofiamento, o definhamento e a necessidade de exercitar a voz. Principalmente exercitar a voz quando as vozes dominantes são monocórdicas. E conservadorismo existe quando isto acontece.

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