sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Porque são diferentes as eleições autárquicas?

A maioria de nós não está vinculado a qualquer partido político mas poucos lhes serão manifestamente indiferentes. Haverá também alguns equidistantes em relação a dois dos partidos mais significativos, mas não em relação a todos. Quase todos nós temos a tendência para em cada momento “cairmos” mais para o lado de um do que para o lado de outro ou dos outros. No fundo para estarmos mais à esquerda ou mais à direita.
Mesmo aqueles que estão vinculados ou têm uma ligação forte a um partido político o terão atraiçoado seja em eleição presidencial, legislativa, autárquica e desde há uns anos nas eleições europeias. Mas é nas autárquicas que se encontra o terreno de eleição para essas democráticas traições. As autárquicas contribuem muito para isso porque aqui o histórico pesa muito mais e até quem está no poder a nível nacional tem muitas vezes dificuldade em conseguir candidatos autárquicos a condizer. A qualidade deixa muito a desejar e convida à traição.
É uma verdade comummente aceite que as eleições autárquicas se perdem, não se ganham. Quer dizer que as eleições se resolvem por arrastamento, quem ganhou uma vez dificilmente não repete a proeza. Quando alguém sai dum partido e muda para outro para concorrer ao mesmo cargo arrasta atrás de si uma legião de seguidores e quase sempre consegue ser eleito. Quem se mantém não precisa de revelar grandes dotes. O que está vale sempre mais do que se propõe vir.
A procura de razão para estes factos leva a pensar que há ocasiões em que os eleitores não gostam de apostar no desconhecido que é sempre quem não tem experiência autárquica do mesmo tipo. O eleitor odeia a descontinuidade salvo se se sentir directamente atingido ou ofendido. Por isso a traição do nosso eleito é tolerada mesmo que nos obrigue a votar num partido diferente e é bem vista se nos permite votar ao mesmo tempo na mesma pessoa e no partido do nosso agrado. Já hoje ninguém se sente constrangido a não fazer trair.
Afinal os partidos não são parte credível nesta questão, as suas indicações são sempre colocadas sob suspeição. Embora todas estas razões possam estar na mente do eleitor, no momento de votar parece haver uma ou mais razões mais profundas para que isto aconteça desta maneira. Uma razão imediata é a cobertura mediática que é dada e o facto de que o ela ser positiva ou negativa é indiferente, ela acaba por proporcionar um saldo positivo a quem dela beneficia.
Outra razão mais longínqua será a manutenção de uma maneira própria de ver o poder local, já não de proximidade ou de afastamento, mas de indiferença próxima. Por mais cordata que seja a população sempre houve ocasiões em que enfrentamos e afrontamos o poder. Mas para nos levantarmos contra o poder local é preciso um motivo muito forte. Mesmo quando o poder local era exercido sob mandato do poder central não era aquele que sofria os efeitos da nossa oposição.
Quando o poder local passou a ser eleito houve de tudo um pouco nas escolhas que os partidos fizeram e que o eleitorado sufragou. Fora alguns equívocos resolvidos nas eleições seguintes, as mudanças verificaram-se depois disso mais por desistência do que por derrota. E esta só ocorreu por evidente falta de jeito demonstrado num mandato infeliz. O crivo para ver a competência autárquica é mais grosso, não é comparável ao usado para a escolha do governo. Há mesmo muita leviandade no eleitorado autárquico.
A entrada em cena de algumas figuras mediáticas viria alterar um pouco a forma de eleição nos grandes centros urbanos onde também o voto político mais se faz sentir. Nos outros locais é o mediatismo que tem reforçado o poder dos que já estão no terreno. Entre pequenas realizações e grandes obras tudo é aproveitado para ter algum tempo de exposição pública que extravase o território. A fama sentida pelos de fora vale mais do que a sentida pelos da casa. Um autarca “querido” do País nunca é traído pela sua população.
Se o eleitorado vê com alguma leviandade a escolha dos autarcas já os interessados não brincam. A luta mais eficaz é subterrânea. Interessa obter apoio seja qual for o método, aliciamento, coacção, sedução. O cerco vai-se apertando sobre Juntas, associações e particulares. Qualquer pretexto é utilizado, agravando-se o método à medida da relutância, com coação moral e económica, com discriminações positivas e negativas, usando os poderes autárquicos de modo arbitrário e pessoal.
Aqueles que se deixam coagir a qualquer título porque disso tiram benefício pessoal ou relacional, económico ou outro, arrastam atrás de si muitos que apostam em manter a mesma cobertura e não vêm razão para mudar. Oferece-se protecção utilizando hierarquias sociais já estabelecidas, lideranças formais e informais e aceita-se protecção que não altere substancialmente o relacionamento normal com o meio social. Os eleitores não se querem chatear muito.
As hierarquias estabelecidas não aceitam com naturalidade lideranças informais. No entanto não tardam a tentar integrá-las sob o seu abrigo protector. A rejeição absoluta quase não existe, existe sim uma tentativa permanente de corrosão e corrupção moral que desvaloriza a ideologia e arrebanha os incautos. No poder local a ideologia funciona pouco e à medida que os mandatos se prolongam cada vez menos influência têm. Porque temos uma relação diferente com ele não vemos no autarca o político nacional do mesmo partido que odiamos, mas no geral ele é mesmo igual, às vezes pior, depende da sua heterodoxia.
Nas escolhas autárquicas os sentimentos ditos pessoais, sem serem provenientes de qualquer aprofundamento de relações realmente pessoais, contam imenso. Quem está no poder, desde que aberto a esse tipo de relações de falsa proximidade, tem uma evidente vantagem. A maioria das pessoas, se diz preferir uma pessoa dura, não dialogante, daquelas de pôr tudo na “ordem”, só aceita essa dureza para os outros, de resto vota preferencialmente em quem for mais permissivo, quem prometa defendê-lo directamente ou por entreposta pessoa.

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