sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Poderá a inveja ser um sentimento aceitável?

Há quem afirme que a inveja é o grande motor do desenvolvimento. Ela tudo suplanta: O dinheiro, o conhecimento, a entre ajuda, a solidariedade, o brio pessoal, o trabalho. Sem a inveja seria a apatia a tomar conta das pessoas, nada se faria para além do trivial, por não existir estímulo para tal. Para quem assim pensa, só a inveja é capaz de fazer com que as pessoas multipliquem as suas forças e façam aquilo que por vezes é necessário: O impossível.
Quando assume um carácter absoluto, a inveja visa a substituição de outrem, a ocupação do seu lugar, apropriação do seu estatuto, o desempenho da sua função. Neste caso é evidente que a inveja não traz nada de novo e bom ao mundo, antes pelo contrário, na sua plena realização elimina o outro, não se fica sequer pela troca de situações, resulta em todas as suas consequências num saldo claramente negativo.
A inveja não é uma forma responsável de obtenção de justiça porque, na sua cegueira, raramente tem por objecto quem será culpado pela sua carência. A inveja rapidamente se dispersa, se generaliza a toda a circundância. A inveja manifesta-se através de muitos outros sentimentos a que são continuamente acrescentados os mais nefastos motivos para se reforçarem. A inveja tem esse dom excepcional de desaparecer do nosso espírito mas trocada por outro sentimento ainda mais gravoso que traz ao próprio menos proveito.
O invejoso valoriza como mais importante tudo aquilo em que vê prejuízo, em relação a tudo aquilo de que possa ter benefício. A partir de certa altura o invejoso em tudo vê injustiça, em tudo vê situações de desigualdade, não aceitando sequer que seja ele próprio vítima da inveja dos outros porque beneficia de todos os merecimentos e nunca está satisfeito com as suas benesses.
O invejoso é mau julgador, faccioso mas sempre pronto a debitar sentenças, a revelar o seu carácter inflexível, a querer reflectir nos elementos do seu mundo mais próximo todos os cambiantes e mudanças do seu mundo imaginário. Quem se vê como uma reserva de virtude acha-se inatacável e permite-se pensar que só os outros são vulneráveis à contaminação. Quem se julga permanentemente injustiçado não está em condições de julgar imparcialmente os outros.
O invejoso é desconfiado, todos estão sujeitos a ser colocados sob suspeita até que provem o contrário, o que é manifestamente difícil. Porém, dado que a desconfiança pode resultar de um alerta justificado, ela pode existir e não ser ofensiva. Noutros aspectos também não será possível não levar a inveja a estes extremos, controlar as suas manifestações, aproveitar os seus aspectos positivos, sem sofrer os seus efeitos nefastos?
A maioria das pessoas utiliza o mesmo mecanismo mental quando cria em si o desejo de copiar alguém com a mais normal das razões. Não há aqui qualquer problema se houver um reconhecimento dos factos e uma aceitação dos motivos que levaram a este acto. O problema está nas relações que se podem estabelecer a partir daí.
A criação de modelos resulta de uma abstracção reveladora de mais maturidade, de uma racionalidade característica do homem. O modelo pode incluir traços de uma e outra pessoa, caracterizar-se-á pela sua despersonalização. Sendo assim não se cria a inveja em relação a uma dada pessoa, nem sequer a um conjunto de pessoas, quando muito dispersa-se sem objecto específico.
Mesmo sem copiar alguém podem-se utilizar as pessoas como referências. Esta será mesmo, na opinião de muitos, a melhor forma de nos guiarmos e de estabelecermos objectivos. Não dá origem a inveja, pelo menos tal qual nós a conhecemos no nosso dia a dia. Permite utilizar a experiência dos outros e o seu saber para adoptar um comportamento adequado.
Mas só percebo aquela afirmação sobre a importância positiva da inveja se estivermos a falar dela como esta forma de emulação, pela qual nós usamos alguém ou várias pessoas como modelos e não desejamos que elas percam aquilo que têm, antes pelo contrário. Como uma rivalidade que não visa excluir ninguém, antes se prontifica a dar algo de si. Não como cobiça que visa excluir os outros e arrastar tudo para si.
No entanto na nossa mesquinhez, por mais que reconheçamos que nos devemos manter no domínio da intelectualidade e não nos deixarmos arrastar pelo domínio da emotividade, não raro somos tentados a cair na parte mais sombria daquele sentimento que, por mais elevados atributos que se lhe possam dar, sempre será a que nos vêm à mente em primeiro lugar quando se lhe referimos. Por princípio somos levados a pensar que essa é uma mancha negra a evitar.
Há mesmo assim alguma vantagem em usar o mesmo termo para designar coisas de certo modo desiguais se, de tal modo, se conseguir que vá caindo em desuso essa sua conotação negativa. Enfim, que as pessoas se vão habituando à ideia de que, para ser um ser semelhante a alguém, não há necessidade de promover a sua eliminação e à inveja pode ser dada uma conotação positiva.
Que não haja confusões: A inveja ainda é na sua maior significância aquele sentimento pernicioso que torna as relações humanas degradantes. Há mesmo quem diga que existem pessoas que já transformaram esse sentimento num instinto incontrolável que actua através do olhar e que corresponde a um estado de espírito que se manifesta em expressões características. O lado emocional suplanta o lado racional.
Pelo sim, pelo não, não vá o diabo tecê-las, em sentido figurativo, não confundamos, o melhor é pôr o invejoso a léguas, porque no éter se dispersarão os seus fluidos mais prejudiciais. E que tire bom proveito dos bons.

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