quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Crónica Política - A morte anda estouvada…

A morte anda estouvada. Em caliça e saibro, em pedras e terra transformada, caindo abruptamente ou deslizando sorrateira e traiçoeira, apanhando desprevenido quem trabalha, ganha o seu pão, sustenta a sua família, valoriza a sociedade. Ela impõe-nos uma luta desigual.
Depois de três em Braga, dois em Arcoselo, tantos são os mortos, gente de meia-idade, madura, consciente, experimentada, com largos anos de labuta, testemunha de muitos perigos, vencida pelo imprevisto, derrotada pela imprevidência de todos, de alguns, vá-se lá saber de quem.
Por todo o lado vai havendo gente sacrificada à sede alheia, daqueles que não olham tanto como deviam para as condições deficientes em que colocam os outros a trabalhar. A facilidade é inimiga da segurança, infelizmente não está nos nossos hábitos prevenir em vez de nos sujeitarmos a que aconteça o irremediável. Também na Serra de Antelas se não terá providenciado para que o perigo não rondasse tão amiudadamente por aqueles lugares agrestes.
O afã de chegar ao alto, de aproveitar a melhor qualidade, de ir à procura dos veios mais valiosos não deve fazer esquecer que o monte não é tão sólido como parece, tem pedras roladas, terra, sedimentos, veios de água, falhas e ranhuras, é o resultado de milhões de anos de transformações e desestabilizações, no qual a intervenção humana se deve fazer com precaução e porque não temor.
Será a Serra rebelde, intempestiva, até vingativa, exigindo o sacrifício de vidas humanas para apaziguar a sua oposição à profanação desenfreada, à voracidade indomável do homem? Será a Serra como um ser vivo que elabora sentimentos para se defender dos fortes e depois acaba por fazer recair todos os mais verrinosos sobre os fracos e inocentes?
Há quem lamente o destino da Serra de Antelas e que desejaria que ela fosse tratada como um jardim dos labirintos. Mas a Serra de Antelas é útil e dela sai matéria para a arte e para o proveito de muitos seres humanos. Não é de todo caso para chorarmos pelo granito que dela se extrai, pelo seu visual lunar, mas sim, isso sim, chorarmos pelos mortos nas suas veredas, nos seus socalcos, nas suas entranhas e contribuirmos para que tudo se faça para estancar este martírio.
Talvez a Serra de Antelas se submeta demasiado cordata à sofreguidão insaciável. O que sabemos é que ela não perdoa a quem comete erros, à ousadia dos destemidos. O nosso empenho deve pois residir em procurar de modo persistente o erro e induzir os outros a que o não cometam.
O erro está decerto no mesmo sítio onde devia estar o sinal de alarme que avisasse peremptório que aquilo que nunca aconteceu, ou que pelo menos só aconteceu aos outros, pode estar a ocorrer ali mesmo onde o sossego parece pairar. Não podemos aceitar que para se ser produtivo seja necessário que se cometam erros e se não acentuam esses sinais de alarme.
Há sinais que faltam e que os nossos cinco sentidos nos não conseguem dar. O perigo rapidamente se transforma na trágica morte que nos quebra a espinha e nos derruba vencidos para sempre nesta luta sofrida e interminável pela vida. Sabemos que no geral temos que correr riscos, muitos os correm em simples actividades de lazer, porque acham importante aumentar os níveis de adrenalina.
O trabalho não é uma actividade inócua, ele obriga à utilização de todas as forças, energias, potencialidades do homem. O trabalho não é exercido num ambiente asséptico, numa redoma protectora. Obriga o homem a activar todas as suas faculdades mas descurando por vezes algumas delas. Só a redobrada atenção de todos pode colmatar lacunas na preparação de trabalhadores, dos fiscais e dos patrões, nas leis. Quantas mais mortes haverão sem o nosso perdão?

Sem comentários: