Um amigo meu, trolha de profissão, trabalhava numa pequena firma de construção civil. Esta, sem administrativos, sem escritórios, fazia os pagamentos dos salários na própria residência do patrão. Uma vez por mês os empregados lá se deslocavam, chegavam à porta, batiam e, como a porta estava aberta, esperavam um pouco no pequeno átrio de entrada.
Avisado o patrão de quem chegava, começava lá dentro de casa uma esquisita conversa na qual a patroa, se assim lhe podemos falar, tentava demover o marido de pagar verbas tão “avultadas” pelo trabalho dos seus colaboradores: “Este dinheiro faz-nos falta, tu deves estar tolo, parece que não tens filhos para criar, metade chegava bem, eles vão estragar tudo na bebedeira” e outras preciosidades do género.
O patrão já conhecia a conversa, tolerava-a decerto, umas vezes queixava-se dos negócios outras nem tanto, mas lá ia tentando amenizar tanta radicalidade. Ele bem sabia que eram os empregados que lhe permitiam ganhar algum dinheiro e haveriam de levar alguma contrapartida. Não haveria de ser por isso que o dinheiro faltaria em casa. Mais ou menos bem disposto, simulando nada se ter passado, pagava com a maior indiferença possível. Afinal ele trabalhava com eles e tinham muito tempo para conversar.
Os trabalhadores lá se iam controlando, pese embora a vontade de dizer àquela “cabra” uma das boas. Só toleravam o despudor com que ponha em causa o seu trabalho honesto dada a amizade do patrão. Ou seja uma certa cumplicidade que lhes permitia aturar aquelas aleivosias como o patrão aturaria outras. Também sabiam que esta ideia de que os empregados nunca merecem aquilo que recebem está por aí mais espalhada que a junça nos campos de milho.
O meu amigo não estava minimamente preocupado com o facto de ocorrer uma tão grande generalização, mas não há duvida que, quando isso acontece, todos os empregados acabam por ser prejudicados, e empregados somos ou fomos quase todos. Também a realidade se encarrega de desmentir tais afirmações e afinal poucos patrões vão à falência e quando o vão é por outros motivos.
Os novos liberais agarram-se à velha teoria de que é necessário ter lucros, concentrar nas mãos de pouca gente, parece que devidamente seleccionada, muito capital para promover o desenvolvimento. Mas não fazem melhor figura do que aquela tresloucada mulher, porque acham que não há que ter quaisquer escrúpulos na obtenção dos lucros, nem proteger os menos poderosos,
Em sua opinião não se poderá distribuir muito pelos empregados porque estes só sabem gastar, não tem possibilidades de acumular capital para serem empresários e o melhor é portanto receberem apenas o suficiente para subsistirem e se reproduzirem, que a caminharem as coisas por esta via, faltará mão-de-obra.
Pequenos e grandes patrões e candidatos a tais são adeptos desta maneira de ver que afinal é aquela que presidiu durante mais tempo aos destinos da humanidade. Muitas vezes só a religião conseguia suster esta ganância, mas hoje não tem neste domínio qualquer influência. Hoje a ideologia chama-se liberalismo económico mas na prática tal doutrina é a do capitalismo selvagem.
È justo necessário e prudente que os investidores obtenham rendimentos da sua actividade até porque só assim é possível reinvestir, actualizar, modernizar, não ser aniquilado pelo progresso irresistível. Não é viável entrar no capital investido para assegurar o prosseguimento duma actividade, porque é como que um animal comece a comer o rabo que não lhe fará muita falta, mas logo em seguida ter de comer o que lhe faz falta para sobreviver.
Os empregados de hoje, até para dar sustentabilidade à economia, não podem ser os servos de outrora que só recebiam o estritamente necessário para não sucumbir e eram os primeiros a morrer quando aos outros ainda faltava muito para tal. É o seu trabalho que cria rendimento e normalmente é dele que sai uma parte para o seu salário. As pessoas que como aquela mulher clamam contra o pagamento deste só revelam imbecilidade.
Também haverá entre os empregados quem pense que é justo que o patrão pague mesmo que o rendimento por si gerado não chegue para tal. Seria uma forma de redistribuição de rendimentos obtidos no passado e a que se dá o labéu de injustos. É natural que da origem nunca saibamos, mas entrar por esse caminho não leva a lado nenhum. As sociedades formaram-se de forma complexa e a justiça que não é feita atempadamente é um simples arremedo.
Criou-se em tempos a ilusão que o Estado poderia ser o patrão universal que a todos remuneraria com justiça. Além de criação recente da sociedade, também o Estado é constituído por homens que não se submetem a disciplinas rígidas. O contrato social que hoje a maioria das pessoas aceita passa por o Estado ser o garante da posse de capital e do respeito por regras que comprometam todos em especial na distribuição dos rendimentos.
É natural que quem contribui com capital, organização, responsabilidade, risco queira ver-se retribuído sob alguma forma. É natural que quem não pode estar desse lado queira obter os meios suficientes para uma vida digna. Mas se não tivermos um Estado atento, definidor de regras de actuação, fiscalizador exigente da sua aplicação, tudo descamba para a ganância mais pura, para o açambarcamento mais iníquo.
Tem que haver um limite para a acumulação de capital. Não há porém necessidade de perseguição individual aos capitalistas porque nem sempre os maiores são os piores. Há necessidade sim de garantir que uma percentagem significativa dos rendimentos seja para remunerar o trabalho e que a parte destinada a acumulação seja empregue em investimento produtivo e selectivo.
Avisado o patrão de quem chegava, começava lá dentro de casa uma esquisita conversa na qual a patroa, se assim lhe podemos falar, tentava demover o marido de pagar verbas tão “avultadas” pelo trabalho dos seus colaboradores: “Este dinheiro faz-nos falta, tu deves estar tolo, parece que não tens filhos para criar, metade chegava bem, eles vão estragar tudo na bebedeira” e outras preciosidades do género.
O patrão já conhecia a conversa, tolerava-a decerto, umas vezes queixava-se dos negócios outras nem tanto, mas lá ia tentando amenizar tanta radicalidade. Ele bem sabia que eram os empregados que lhe permitiam ganhar algum dinheiro e haveriam de levar alguma contrapartida. Não haveria de ser por isso que o dinheiro faltaria em casa. Mais ou menos bem disposto, simulando nada se ter passado, pagava com a maior indiferença possível. Afinal ele trabalhava com eles e tinham muito tempo para conversar.
Os trabalhadores lá se iam controlando, pese embora a vontade de dizer àquela “cabra” uma das boas. Só toleravam o despudor com que ponha em causa o seu trabalho honesto dada a amizade do patrão. Ou seja uma certa cumplicidade que lhes permitia aturar aquelas aleivosias como o patrão aturaria outras. Também sabiam que esta ideia de que os empregados nunca merecem aquilo que recebem está por aí mais espalhada que a junça nos campos de milho.
O meu amigo não estava minimamente preocupado com o facto de ocorrer uma tão grande generalização, mas não há duvida que, quando isso acontece, todos os empregados acabam por ser prejudicados, e empregados somos ou fomos quase todos. Também a realidade se encarrega de desmentir tais afirmações e afinal poucos patrões vão à falência e quando o vão é por outros motivos.
Os novos liberais agarram-se à velha teoria de que é necessário ter lucros, concentrar nas mãos de pouca gente, parece que devidamente seleccionada, muito capital para promover o desenvolvimento. Mas não fazem melhor figura do que aquela tresloucada mulher, porque acham que não há que ter quaisquer escrúpulos na obtenção dos lucros, nem proteger os menos poderosos,
Em sua opinião não se poderá distribuir muito pelos empregados porque estes só sabem gastar, não tem possibilidades de acumular capital para serem empresários e o melhor é portanto receberem apenas o suficiente para subsistirem e se reproduzirem, que a caminharem as coisas por esta via, faltará mão-de-obra.
Pequenos e grandes patrões e candidatos a tais são adeptos desta maneira de ver que afinal é aquela que presidiu durante mais tempo aos destinos da humanidade. Muitas vezes só a religião conseguia suster esta ganância, mas hoje não tem neste domínio qualquer influência. Hoje a ideologia chama-se liberalismo económico mas na prática tal doutrina é a do capitalismo selvagem.
È justo necessário e prudente que os investidores obtenham rendimentos da sua actividade até porque só assim é possível reinvestir, actualizar, modernizar, não ser aniquilado pelo progresso irresistível. Não é viável entrar no capital investido para assegurar o prosseguimento duma actividade, porque é como que um animal comece a comer o rabo que não lhe fará muita falta, mas logo em seguida ter de comer o que lhe faz falta para sobreviver.
Os empregados de hoje, até para dar sustentabilidade à economia, não podem ser os servos de outrora que só recebiam o estritamente necessário para não sucumbir e eram os primeiros a morrer quando aos outros ainda faltava muito para tal. É o seu trabalho que cria rendimento e normalmente é dele que sai uma parte para o seu salário. As pessoas que como aquela mulher clamam contra o pagamento deste só revelam imbecilidade.
Também haverá entre os empregados quem pense que é justo que o patrão pague mesmo que o rendimento por si gerado não chegue para tal. Seria uma forma de redistribuição de rendimentos obtidos no passado e a que se dá o labéu de injustos. É natural que da origem nunca saibamos, mas entrar por esse caminho não leva a lado nenhum. As sociedades formaram-se de forma complexa e a justiça que não é feita atempadamente é um simples arremedo.
Criou-se em tempos a ilusão que o Estado poderia ser o patrão universal que a todos remuneraria com justiça. Além de criação recente da sociedade, também o Estado é constituído por homens que não se submetem a disciplinas rígidas. O contrato social que hoje a maioria das pessoas aceita passa por o Estado ser o garante da posse de capital e do respeito por regras que comprometam todos em especial na distribuição dos rendimentos.
É natural que quem contribui com capital, organização, responsabilidade, risco queira ver-se retribuído sob alguma forma. É natural que quem não pode estar desse lado queira obter os meios suficientes para uma vida digna. Mas se não tivermos um Estado atento, definidor de regras de actuação, fiscalizador exigente da sua aplicação, tudo descamba para a ganância mais pura, para o açambarcamento mais iníquo.
Tem que haver um limite para a acumulação de capital. Não há porém necessidade de perseguição individual aos capitalistas porque nem sempre os maiores são os piores. Há necessidade sim de garantir que uma percentagem significativa dos rendimentos seja para remunerar o trabalho e que a parte destinada a acumulação seja empregue em investimento produtivo e selectivo.
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