quinta-feira, 29 de maio de 2008

Crónica Política - Ainda vamos a tempo de discutir a democracia local?

Academicamente as lideranças são classificadas à semelhança dos regimes políticos, o que não há nada mais inapropriado. Os regimes assentam numa base constitucional específica, mas só revelam verdadeiramente as suas características ao fim de um período suficientemente longo, de modo a ver-se como ele reage em várias situações, como ela se adapta ás mais variadas circunstâncias.
Um regime pode ser moldado de modo a se adaptar o mais possível à figura duma pessoa. Uma pessoa pode estar convencida do seu papel transitório e portanto da transitoriedade do regime, mas esses casos são raros e sinónimos de subdesenvolvimento. A característica principal dum regime é a sua perdurabilidade.
Um regime pode comportar vários estilos de liderança, utilizando as mesmas leis e obtendo resultados diferentes. O actual poder local é tido por democrático a até como um dos sustentáculos do nosso actual regime. No entanto, se fossemos a classificar o tipo de liderança que se pratica nas autarquias, facilmente concluiríamos que estaria muito longe de corresponder ao tipo de regime que temos, que não sendo perfeito, é satisfatório.
Se um diferente tipo de liderança dificilmente poderá vingar ao mais alto nível de um dado regime, já a níveis inferiores isso é possível. Ou, por outro lado, é aqui que se vê quando as lideranças têm muitos cambiantes para além daqueles que são utilizados na definição dos regimes. O grande problema é que o que aqui é transitório facilmente se torna em definitivo.
Nas autarquias o perfil do líder é tido por decisivo na sua escolha, procura-se uma combinação adequada entre qualidades e defeitos que cada um acha importante para o exercício do poder. Um novo líder de um partido já votado anteriormente tem sempre dificuldade de afirmação. Se o líder da oposição for claramente pior, vence, senão corre riscos evidentes.
Os líderes autárquicos raramente perdem à segunda votação. Então já todas as pessoas conhecem suficientemente os seus defeitos para que até já passem como qualidades. Efectivamente, as pessoas, mesmo que detectem espírito vingativo, maldade, teimosia, até obstinação, não raro consideram que isso nunca as atingirá e é uma boa maneira de alguém pôr os outros na linha.
Os líderes autárquicos não se distinguem pela forma como impõem a sua vontade, que é invariavelmente igual, mas pela forma como formam a sua vontade. Esta formação foge ao imediatismo e por isso hoje em dia é subestimada em detrimento do espectáculo mediático em que pequenas nuanças sem significado são elevadas a factos marcantes da governação.
Quando o líder sabe ler a vontade popular, adoptar mesmo os seus gostos pessoais aos desejos colectivos, esquecer os seus caprichos e aceitar as soluções mais consensuais, está no auge do seu aprendizado. Só que cá os líderes não aprendem, antes estão sempre prontos a ensinar, sem que ensinem a forma como chegaram a líderes.
Na verdade não há líder democrático que não diga que o mais importante é saber ouvir, já que também hoje é impossível que alguém saiba tudo. O problema é terem o espírito preparado para ouvirem. Tanto para utilizar o conhecimento recebido, como também para se não deixarem manipular por ideias enroupadas numa vestuário vistoso.
É neste sentido que eu adopto as minhas opiniões. Abomino todos os manipuladores porque estão na antecâmara dos corruptores. Reconheço a dificuldade de transmitir conhecimentos, sabendo-se que só há honestidade intelectual se nós fizermos as nossas asserções num enquadramento correcto, legível e interpretável por quem tem que decidir.