sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O direito à indignação e à ingratidão

Aqui há poucos anos andávamos a dizer mal dos funcionários públicos, a criticar os professores, a deitar abaixo os médicos, a zurzir nos magistrados e em pouco tempo tudo se virou. Agora ninguém diz que tenha dito tal coisa, alguns até são capazes de jurar que sempre disseram bem, todos parecem querer agradar a quem tão atacado foi e merecer as suas graças.
A força das forças políticas manifesta-se pelas ondas que consegue lançar de modo a suplantarem as promovidas pelos adversários, roubando-lhes apoios de que antes beneficiariam. Há sempre alguém a sair favorecido e outros sairão prejudicados e prontos a ajudar a onda contrária. Quando a onda espalha injustiças, e é natural que algumas hajam sempre, são as mais frescas na memória.
Muitos funcionários se levantaram contra a afronta, sentiram-se melindrados, arrastados por uma avalancha que a todos levou. Porém os movimentos sociais, os movimentos da opinião pública são assim, não há nada a fazer, só esperar que o tempo cure os danos e reponha alguma justiça. Ou então caminhar depressa para o outro lado, ajudar nova onda que decerto vai criar ainda mais injustiças, mas muitas vezes aí já só vemos os nossos próprios interesses.
No meio desta confusão criada há correntes de opinião alicerçadas em partidos, em sindicatos e noutras organizações sociais mais ou menos estruturadas que se aproveitam com objectivos menos honestos destas ondas de certo modo irracionais, incapazes de grandes destrinças, com tendência a fugir a controles individuais e até de quem lhes esteve nas origens. Se algum mérito aquelas organizações têm, é o de tentarem estabilizar, um tempo que seja, essas ondas.
É bom que se esclareça que estas ondas se comportam como as ondas de calor num incêndio. Havendo um bom local de ignição, um bom pretexto neste caso, atingindo o fogo uma certa intensidade, mesmo que localizado, a sua propagação está garantida mesmo que o restante território a arder não apresenta características tão favoráveis. No meio arde tudo.
Isto é o que está a acontecer com os movimentos de professores capitaneados por quem tem interesse muito para além dos ordenados, do tempo de serviço ou da classificação. No entanto esta luta dos professores não teve efeitos práticos nos dois primeiros anos de alterações que o Governo vai tentando promover no ensino de modo a obter os índices de profissionalismo, organização e disciplina sem os quais todo o esforço é inglório.
Em anos passados os professores conseguiram um nível de autonomia, remunerações e suficiência incomportáveis neste País relaxado e relapso a obedecer e a se empenhar em objectivos colectivos. Os sindicatos querem garantir o apoio dos professores defendendo estas conquistas revolucionárias. Apertados pelo Governo e sem apoio na opinião pública tudo fizeram para inverter esta situação. A sua ambição foi sempre virar a opinião pública contra o Governo.
Daí o seu apelo recente aos pais e alunos para ajudarem à subversão geral. E vá de arranjar professores dedicados que os há, professores competentes que os há, professores sacrificados que os há, professores vítimas de ingratidão que os há e tentar criar uma onda benévola debaixo da qual se acobertem os professores baldas, incompetentes, incapazes de qualquer sacrifício e merecedores de que os mandem tratar doutra vida e que são precisamente os mais barulhentos, os que mais engrossam manifestações e greves, os que não têm espírito democrático e insultam e isolam os professores dignos que não partilham das suas opiniões.
Está-se a criar dentro das escolas um clima de agressividade, de perseguição, de intimidação, de medo. É necessário que o poder democrático chegue a todo o lado e não se permita que forças totalitárias consigam manobrar os professores com propósitos que passam muito ao largo dos seus interesses e da sua dignidade. Já existem vários professores a precisar de ajuda.
A maioria dos professores talvez não esteja habituada a viver climas destes, em que a tensão social ultrapassa as suas forças, climas que há tempos só se viam no seio das fábricas, dos locais de trabalho dos mais proletarizados. A maioria dos professores dificilmente resiste só por si a estes movimentos que tudo querem avassalar, que utilizam a insídia e a delação.
Esta maioria de professores está a dar às gerações futuras um exemplo de degradação moral, como não se vê em pessoas com muito menos responsabilidades, com rendimentos infinitamente inferiores, com problemas familiares e sociais de que eles não sofrem. São uns privilegiados que aproveitam a sua função, que não querem avaliada, mas cujo valor está à vista de todos, para se arrogar um estatuto que estão longe de merecer.
Muitos dos professores acederam à profissão com habilitações reduzidas outros exercem profissões paralelas, outros manifestamente não têm condições psicológicas para uma profissão que, levada a sério pode, conforme as circunstâncias, ser bastante desgastante. O Estado tudo tem feito para eles se valorizarem, mas o que surge é a ingratidão.
Anos sabáticos, férias prolongadas, tempos não lectivos, nada chega para a voracidade desta gente. Não faltam os professores a sabotar iniciativas que deveriam tomar. É posta em causa a integralidade dos alunos, os seus apoios, e eles tanto precisavam de apoio na resolução dos seus problemas, na manutenção de algum discernimento na sua mente. O ambiente criado não ajuda os alunos.

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