sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

As separações de conveniência

Uma das críticas mais comuns que se fazem ao estado actual da sociedade é a falta de valores que transparece em muitos dos actos que se vão tornando triviais, sem contestação evidente por parte de qualquer sector social. A culpa deste estado de coisas é atribuída com demasiada superficialidade a factores ditos corrosivos que vão destruindo a base moral duma civilização em reformulação.
O dinheiro é o primeiro desses factores mas facilmente constataremos que o amor ao dinheiro é tão só o resultado de outras alterações ocorridas na forma de ver a vida e na elaboração dos sentimentos que nela nos integram e lhe dão continuidade. Os sentimentos formam-se pelo acumular de experiências, pela intelectualização de vivências que nem sequer são colocadas ao dispor dos jovens.
Os jovens integram-se na vida activa sem resistências à “degradação” do ambiente moral reinante. Uma das suas manifestações, um dos reflexos mais salientados é o casa/descasa a que se assiste, em que a vontade manifestada e registada de constituir família estável depressa dá origem a uma desvinculação com graves consequências se ocorre quando já existem filhos.
Entendeu a sociedade que a falta de sentimentos que aproximem um casal é razão suficiente para promover a separação do mesmo, isto é, a manutenção de uma situação falsa do casal pode ser um mal maior do que aquela privação imposta aos filhos de se criarem no lar a que tinham direito natural. Claro que os sentimentos que não conseguem sustentar uma relação, presume-se que prometedora à partida, são frágeis e a sociedade não tem forma de os certificar.
O casamento pode fortalecer ou não os sentimentos de partida e a sociedade preparou-se para isso. O que a sociedade não terá previsto é que o divórcio seria aproveitado por aqueles que se presumem que ainda mantenham os mesmos sentimentos que os levaram ao casamento para darem o golpe de baú, agora já não ao parceiro, mas ao Estado, àqueles com quem mantinham relações comerciais, aos parceiros de negócio.
Estas falsas separações têm-se expandido e abrangem todo o leque social, com predominância nos poderosos, nos que mais meios possuem. São estes que mais facilidades têm de organizar estas coisas e de que a sociedade tem menos defesas. Além das posições que ocupam, têm crédito na praça e no geral têm um discurso que se caracteriza pela defesa da moralidade mais tradicional. E a condescendência das “autoridades” suas “fieis” depositárias.
Em suma enganam as pessoas usando todas as armas de que os poderosos deste mundo se munem habitualmente. Caberia pois ao Estado defender-nos destes crápulas em vez de lhes dar as armas para nos roubar. E quem melhor do que eles para utilizarem a justiça, a comunicação, o dinheiro para nos intimidar e calar, à medida que nos vão metendo a mão ao bolso? A falta de vergonha e escrúpulo dizem não fazer falta a quem negoceia.
“Um banqueiro preso colocou toda a sua fortuna na posse da mulher por efeito da declaração de partilha de bens adquiridos até à separação de ambos “ dos jornais. Legalmente tais bens que foram parar ao regaço da tal mulher sem que ela sequer se tenha envolvido nos negócios que ocupavam o marido e lhe permitiram encher o seu dote de descasamento não podem ser arrolados para o efeito do pagamento dos danos que tal senhor terá causado a quem tão levianamente nele confiou os seus bens.
É da nossa cultura que quando o roubado é o Estado não há problemas, está tudo bem, embora se saiba que os roubados são todos nós. Mas neste caso os grandes lesados são os particulares pelo que se impõe uma alteração drástica nos textos legais que tal permitem. Se qualquer pessoa pode ser condenada por receptação de coisas roubadas e por cumplicidade na prática de roubo este caso não parece diferente.
Não deveria ser a separação a permitir colocar em esquecimento a proveniência dos bens e ainda mais em casos como este em que não existe separação efectiva e as pessoas continuam a partilhar todos os bens que possuem. Além da necessidade de que o Estado nos proteja, não é de mais chamar a atenção para o seu discurso nada consentâneo com a prática destas pessoas.
O problema é que as pessoas sabem que nós já nem conseguimos distinguir quem fala por convicção e quem fala por conveniência. Podemos concluir que aqueles que falam por convicção fazem-no em qualquer ocasião e local, aqueles que falam por conveniência escolham o ambiente e as circunstâncias em que transmitem a sua falsa mensagem. Ou então apoiam aqueles que se dedicam profissionalmente a esse objectivo. E nós não estamos lá para desmascarar estas encenações de que os poderosos são capazes.
Um mundo permanente de conveniência enforma hoje toda a vida social e a permissividade, desde que praticada com recato em meios de difícil acesso, é o sal que alimenta todas as relações sociais que se estabelecem entre os poderosos deste mundo. Mas já vimos que os poderosos também se abatem, que é possível encostar à parede aqueles que por ganância quiseram açambarcar com o poder que tinham todo o dinheiro que lhes passava na mão.
Este desmascarar de quem defende acerrimamente que tem um papel social a desempenhar e abusou dele nada tem com abater todos os poderosos, capitalistas ou não, deste País. Tem a ver com mostrar à ignara gente que tem que tomar nas suas mãos a defesa de valores que se mantém válidos mas que já ninguém defende, a não ser por conveniência.

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