segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Água das pedras

Se me perguntarem de que gosto mais, se de pedras ou de água, a minha resposta óbvia é que a natureza no geral toda me agrada, mas a água satisfaz-me uma necessidade primária que pode surgir a qualquer momento e é essencial para a vida. O contra é que a água se esvai rápido e a pedra dura muito.
Este é o meu lado utilitário a reagir a quente. No entanto ainda neste aspecto a pedra também tem a sua utilidade. Além daquela mais óbvia da construção, a pedra pode ser objecto de inscrições múltiplas com mais ou menos significado ou sem significado algum como as que estão nas pedras do Monte de Góis e lá terão sido feitas há uns bons 5.000 anos, dizem.
A preservação desta pedra levou o Corema a desencadear uma guerra a propósito do traçado da estrada destinada a passar o Rio Coura e o Monte de Góis entre Vilar de Mouros e Lanhelas que acabaria pela redução da estrada de duas faixas em cada sentido para uma só e a uma imensa perca de tempo. Mas os malefícios podem não ter ficado por aqui, o Diabo seja surdo.
A estrada lá se acabou com algumas pedras deslocadas como é evidente, mas nada que nos fizesse perder a mensagem que um povo antigo eventualmente nos tenha querido transmitir. Sou daqueles que considera que ninguém se dá ao trabalho de sarrabiscar uma pedras se não tiver um trauma qualquer, o que será sempre uma informação importante. Afinal já havia stress nessa altura.
Mas algumas pedras terão ficado ainda no seu sítio que agora o Corema diz que os exploradores de água as podem estragar. Acho que para extrair água não será preciso mover muitas pedras pelo que o interesse do Corema parece ser outro: Que não estraguem as captações que afinal outros já lá têm e fizerem por aqueles montes quando ainda não havia Corema para os contestar.
Os vários interesses em jogo devem ser defendidos de forma clara e transparente por quem deles beneficia. Isto é, devem ser defendidos com legitimidade para que possam ser legítimos. Confundir as coisas não enobrece a meritória defesa do ecosistema, que todos devemos apoiar.
Uma actividade perniciosa no mundo de hoje é a de todos os fundamentalismos que só vêm aquilo que lhes interessa e que subestimam ou mesmo amesquinham tudo o resto. Como se os outros fossem todos movidos por sentimentos negativos, subterrâneos e só eles tivessem acesso a uma pureza que não está ao alcance de mais ninguém.
Na questão da estrada foram postos em causa os problemas de segurança, com um súbito atrofiamento da mesma. Agora quer-se pôr em causa a exploração da água, mas essencialmente a sua exploração comercial. Haverá decerto muitas entidades a ter que se pronunciar até que tal exploração seja licenciada.
Esta pressa em aparecer na primeira linha, duma luta que nem se sabe se é de louvar, destina-se mais a meter medo do que a esclarecer as pessoas. Também me parece que aquela zona não terá as reservas de água necessárias para justificar a sua exploração comercial, sem pôr em causa outros legítimos interesses, mas era isto que o Corema deveria provar.
A vertente integralista do fundamentalismo é a que causa efeitos mais nefastos no interesse pelo progresso e pelo desenvolvimento dos povos. Até contra a alteração da paisagem se manifesta quando esta é uma resultante da actividade humana que todos os dias transfigura espaços. Não prescindem do carro, do aquecimento, de todas as mordomias mas gritam contra o malvado dióxido.
Minimizar impactos, conseguir medidas reparadoras e compensatórias é muito louvável. Oporem-se a tudo por dá cá aquele palha é condenável. A credibilidade ganha-se com coerência, clareza. A visibilidade faz falta, mas não se pode ganhar a qualquer preço.

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