sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Ainda haverá esquerda e direita?

A esquerda e a direita digladiam-se de modo permanente. Com mais ou menos vigor, com períodos de acalmia, até já vimos ocasiões festivas. No entanto era bom que soubéssemos que está sempre em causa muito do nosso futuro, mesmo quando a direita social faz recuos tácticos, pois mantém os seus líderes a trabalhar para reaverem o poder. A direita social tem séculos de experiência para ludibriar e confundir a esquerda.
Às vezes aos nossos olhos a confusão torna-se mesmo profunda. As circunstâncias obrigam os líderes da direita a fazerem políticas que desagradam aos seus mais acérrimos apoiantes da direita social. Também tem sido muitas as vezes em que a esquerda não tem campo de manobra para fazer a sua politica construtiva, limita-se a uns remendos no edifício que é obra da direita. Mas não podemos nunca perder de vista a luta política de demarcação, mesmo que hoje seja ainda mais difícil devido à nossa integração na Comunidade Europeia.
Mas regridamos um pouco no tempo, mesmo só no nosso tempo, vivido é certo num ambiente de certo modo atípico, de um capitalismo rural. Houve tempo em que a direita se confundia com dinheiro. Quem tinha dinheiro era de direita, quem o não tinha era de esquerda. As excepções não eram muito significativas e tinham a sua justificação por factores culturais, percursos muito específicos de vida, heranças recebidas ou projecções a que alguns eram mais susceptíveis.
Nesse tempo a direita não falava de dinheiro porque não ia pôr em causa aquilo que possuía por demais. Se em Portugal a direita se caracterizava mais pela propriedade do que pelo dinheiro, tal devia-se ao nosso atraso. A direita falava de segurança, ordem, respeito. Fazia com que a esquerda passasse por uma horda de maltrapilhos, gente sem dinheiro, sem valores, causadora de insegurança, desordem e desrespeito.
Nesse tempo a esquerda falava de dinheiro, daquilo que faltava aos trabalhadores e mais aos pobres para poderem ao menos subsistir, para terem uma vida digna, para criarem os filhos com honra e falava de dinheiro. Para a esquerda o dinheiro era aquilo que sobejava aos ricos e que não era colocado na promoção de desenvolvimento. O dinheiro era aquilo que o próprio Estado gastava mais na sua própria defesa, na promoção da guerra do que no bem-estar.
A ambição da esquerda política era colocar o dinheiro ao serviço da população em geral e por isso aquela primeira reacção primária e instintiva de promover o colectivismo de tão fraca memória. Em certa altura os totalitarismos tomaram de tal modo conta dos movimentos sociais que ainda hoje mantém vasta influência por via do fascismo e do comunismo. Mas a esquerda já percebeu que não é necessária a apropriação colectiva do dinheiro para que ele seja útil a todos.
A partir da altura em que se esclareceram certos equívocos de que foi prisioneira na primeira metade do século passado, a esquerda nunca desistiu de promover a democracia e a utilidade social do dinheiro. O fascismo só persistiu em poucos espaços, o comunismo começou o seu processo implosivo. Mesmo assim os movimentos sociais não totalitários tiveram dificuldade em se adaptarem às novas condições e em intervirem eficazmente a nível da divisão do trabalho.
A esquerda foi-se libertando lentamente dos totalitarismos. Também a direita, em especial no pós guerra e para se não confundir com o totalitarismo de direita, tomou atitudes até aí tidas como próprias da esquerda. No entanto nem toda a evolução se deve à acção política. A melhoria operada na organização social também se deve aos fantásticos desenvolvimentos a nível da ciência, da tecnologia, de todos os ramos de conhecimento que permitiram que o homem se fosse libertando do trabalho mais escravo.
Nem toda a gente atribui à esquerda todos os progressos conseguidos. A esquerda perdeu mesmo muito terreno na acção política. A custo tem conseguido recuperar e alargar a sua influência na sociedade, mas à custa de acções dispersas e sem coordenação. No entanto a esquerda totalitária espreita e procura arregimentar toda a esquerda invocando uma superioridade moral que está longe de ser verdadeira. A esquerda precisa com certa urgência de balizar os seus limites e afastar de vez o fantasma do totalitarismo marxista.
Para escândalo dos fundamentalistas e de uma certa ala nostálgica, que sempre alimentou um discurso idealista, mas foi inoperante na acção, a esquerda já não clama contra a existência de detentores do dinheiro, mas tão só pelo mau uso que dele fazem. A esquerda preocupa-se mais com o aperfeiçoamento da organização social, está integrada no mundo de hoje sem ser conivente com as suas aberrações. A esquerda está comprometida em defender os elementos determinantes, aperfeiçoando o seu alcance social.
A esquerda de hoje já reivindica mesmo a gestão do dinheiro em parceria com os seus detentores maiores. O dinheiro deixou decididamente de ser a linha divisória entre a esquerda e a direita. Ainda assim a direita gosta de abrir por aí uma trincheira, agora que já deixou os escrúpulos de ao dinheiro se referir. A direita acusa a esquerda de esbanjadora e tem-se por melhor gestora. A esquerda tem que provar que não é bem assim e tem objectivos mais solidários. A direita persiste em promover a ganância devoradora do dinheiro.
Hoje o maior inimigo da esquerda é a esquerda radical. Com a direita pode a esquerda muito bem, ocupe ela os cargos que ocupar na Presidência, nas Forças Armadas, na Banca, no aparelho de Estado. A direita não é mais honesta, mais séria, mais precavida, mais segura, bem pelo contrário. O Estado não pode ser obsessivo como a esquerda radical ambicionaria, nem pode ter a leveza que a direita lhe quer dar. A esquerda de hoje é a que tem uma melhor ideia de Estado.

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