sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

O ensino, uma falência anunciada

É conhecida a falência do sistema de ensino que não fornece ao País os técnicos em quantidade e qualidade que todos reclamam. É sabido que as actividades económicas progridem à revelia do ensino, que este se vê impossibilitado de as acompanhar.
Numa sociedade em que a competição foi alcandorada ao ponto mais alto, como factor capaz de elevar os níveis de todos os parâmetros com que se pode medir o seu sucesso, o ensino não corresponde, antes parece ser a causa principal de tanto ineficiência.
Existe no sistema de ensino um outro sistema paralelo e incrustado naquele, uma malha de interesses que se complementam, que torpedeiam qualquer reforma consistente, qualquer melhoria, qualquer inovação. É um sistema de tal modo entrançado no que devia ser o sistema público oficial que o estrangula.
Não é por falta de dinheiro, nem de empenho de alguns bem intencionados que os tem havido em todos os governos, antes por os sucessivos governos se terem deixado levar por cantos de sereia e terem metido tanto dinheiro num sistema que só tem servido para alimentar parasitismo.
Têm-se confiado na boa vontade de estruturas sindicais, directa ou indirectamente elevadas à categoria de gestoras do sistema, dos professores isolados ou manietados por aquelas estruturas, de outros intervenientes internos e externos com interesses específicos na área. Tudo com uma certa inocência útil.
A displicência instalada nos serviços de Estado directamente relacionados com o ensino, na poderosa máquina do Estado que superintende, inquinada pelo imobilismo, pela chantagem, pela sabotagem, contaminada por tudo que são interesses adversos, faz do ensino público um arremedo de prática pedagógica.
A política do ensino generalista instalada pós 25 de Abril, imposta por uma visão do mundo hoje já decrépita e moribunda, que com o fito de criar igualdade entre os alunos, acabou por dar origem às mais injustas desigualdades ao pôr todos a aprenderem tudo para que o ensino só tenha sentido para quem chega ao seu topo. Quem vai ficando de fora é um segregado do sistema.
A entrada no sistema de ensino de gente não preparada para tal agravou as deficiências já herdadas do antigo regime. Claro que havia que alargar o ensino a nova camadas da população e democratizar o acesso a novas profissões e, se não havia professores para tal, tinha que se recorrer ao que havia.
A criação de emprego no ensino além do mais fez-se em detrimento de outros possíveis empregadores estes sim penalizados pela situação. O sistema de ensino esteve muitos anos canalizado para a sua própria reprodução. A anarquia e o desleixo reinantes foram-se solidificando.
Criou-se a negligência do lado dos professores porque os seus alunos, como não iam no fim do curso para o mundo do trabalho, não tinham que se sujeitar à aferição da qualidade do seu ensino. Criou-se nos alunos a ideia de que teriam sempre um lugar de professor à sua espera, sem se preocuparem muito com isso.
Além de se ter criado a realidade de que qualquer um podia ser professor, permitiu-se a acumulação com outras actividades mais rentáveis, mais trabalhosas, ocupando o essencial do tempo de trabalho das pessoas. O ensino ficou para essas como uma actividade secundária, que cada vez menos tempo ocupava, mas que se não abandonava porque é bem paga e dará um dia uma choruda reforma.
Ainda há um conluio real mas não assumido entre políticos, mulheres dos políticos, estruturas sindicais, professores dispensados total ou parcialmente de o ser, professores passados a políticos ou sindicalistas a tempo inteiro, professores sem sentido ético, “compagnons de route” anestesiados que enviam para a sociedade ideias peregrinas de que o futuro está nas suas mãos e sem eles não há saída possível. Chantageiam com o máximo descaramento.
Os alunos nada sabem do futuro, andam à sua procura e nisso são orientados por gente sem escrúpulos que pintam cenários em que eles próprios são os bons da fita e o resto são monstros cínicos e alguns antropófagos.
Os alunos, desprevenidos, facilmente entram na malha previamente montada porque os pais também não estão preparados para afastar esses fantasmas e estão em muito arredados do contexto e da cultura reinante nas escolas e em que os seus filhos se movem quase exclusivamente durante o dia, uma cultura de relaxamento, de displicência, de desenrasque.
Os ricos metem os filhos nas escolas privadas na fase obrigatória e secundária e nas universidades públicas na fase superior. Os pobres mandam os seus filhos para as escolas públicas na fase do ensino obrigatório e secundário e, se podem, para as universidades privadas, que se arrastam sem glória.
As universidades públicas mantêm ainda uma certa qualidade ao contrário das privadas que querem ter bons resultados mas não investem, socorrem-se de professores que trabalham por baixo preço, herdam todos os males do sistema de ensino secundário público. Os ricos contornam facilmente essas dificuldades.
São mais os pobres que dão razão aos seus filhos no seu permanente conflito com tudo e em que confundem exigência e valorização com descriminação e arbitrariedade. Na impossibilidade de dar uma orientação meritória aos filhos neste mundo deliberadamente confuso, claudicam com os seus argumentos.
O objectivo mais ambicioso é ultrapassar etapas e chegar depressa ao ambicionado canudo, malgrado às vezes só sirva para encaixar e pendurar na parede. Agora que a realidade se vai distanciando cada vez mais das pessoas e mais difícil é de perceber, é sempre bom ter um doutor em casa.
Se se não criar uma opinião pública esclarecida, que não seja monopolizada por aqueles que, directa ou indirectamente, tenham interesses no sistema de ensino vigente, temos um futuro negro à frente, que os empregadores não estão dispostos a investir demasiado na formação dos seus empregados.