Muitas têm sido as razões invocadas para que historicamente a sociedade ocidental não seja favorável a uma interferência vinda do exterior no percurso normal da gestação de um filho após um acto sexual, qualquer que tenha sido a reacção da mulher à sua ocorrência.
Recentemente porém, quase genericamente, se entendeu que, tanto esta atitude da mulher perante o acto sexual, como uma má formação do feto, pudessem justificar uma intervenção que possa corrigir ou pôr fim àquele processo dentro dum limite temporal razoável de dez semanas.
Agora vamos ser chamados a dizer se o Estado deve ou não permitir que até esse mesmo limite temporal após o início da gestação, sejam dados à mulher plenos poderes para determinar o fim desse processo.
Se a acto sexual sob coação ou pela violência, normalmente designado de violação ou a constatação de que o feto está a ser sujeito a uma má formação congénita irreversível são razões determinantes para que actualmente a mulher já possa solicitar uma interrupção da gravidez, o que se pede agora é que se lhe faça a concessão de poderes absolutamente arbitrários.
Para justificar este alargamento da base legal para a interrupção voluntária da gravidez pode-se perguntar se há assim uma tal diferença de natureza entre o sexo sob coação e o sexo inconsciente, imprevisto, que mesmo consentido, não é avaliado nas suas possíveis consequências no momento da sua prática. Se não é legítimo que à mulher se possa atribuir um período de reflexão razoável.
Dir-se-á que ainda há o recurso à pílula do dia seguinte, mas mesmo esse período de vinte e quatro horas pode não ser suficiente para pôr os pés na terra. Por outro lado pode-se pôr a questão de um prazo ainda maior, que mesmo assim não vão deixar de haver mulheres arrependidas de ter dado um passo, voluntário ou não, no sentido da gravidez, principalmente com o parceiro então escolhido. Mas isso, levado ao limite, seria a barbárie, que quase tudo justificaria.
Não haverá dúvidas que há situações complexas em que qualquer mulher, mas em especial a mais imatura, só depois de grávida, depois de estar perante um facto, doutro modo irreversível, pensará em todas as consequências do seu acto. A mulher pode entender, enfim, que não tem condições para criar um filho, que possivelmente lhe vai alterar radicalmente a vida ou exigir-lhe encargos que não se sente de nenhum modo capaz de assumir.
Claro que as mulheres em condições de poderem vir a deparar com este problema serão em número limitado e serão especialmente jovens e somos todos chamados a aceitar ou não que elas possam resolver o seu problema desta maneira. Legalmente não há aqui qualquer problema porque assim é desde que instituímos o Estado como regulamentador de muita da vida social.
Visto de fora, isolado, sem ter em conta antecedentes e suas consequências, o aborto é um acto impróprio mas também não pode deixar de ser visto como uma manifestação do nosso carácter impuro, imperfeito e que até admite alguma perversidade. É, como muitos outros, que outros até louvam, como a guerra, os maus-tratos, etc., um acto identificador da nossa indignidade.
O aborto livre é só mais um aspecto em que o homem, por se sentir senhor da natureza, capaz de a alterar e subverter, está a apostar no sentido de elevar o seu hedonismo a outros cumes, não antes vistos, e eliminar todos os possíveis resquícios do simples hedonismo primário que sempre o caracterizou.
O aborto livre, só por si, será sempre uma condenação porque será praticado pelas mulheres mais frágeis, mais indefesas, mais vulneráveis. Será como um direito envenenado entregue por compensação aos mais fracos. Não é daqueles direitos que dão a quem os pratica mais força e dignidade.
Nós podemos ainda facilmente acrescentar a esta auto-condenação uma condenação moral, se é que a moralidade é para aqui chamada e se é que da moralidade temos todos a mesma noção. Podemos fazer um esforço nesse sentido, de encontrar uma moralidade que satisfaça o maior número, que para mais fácil compreensão seja definida parametricamente e cujos parâmetros sejam os mais partilhados.
Só que aqui surge um problema que é o de saber se essa moralidade está certificada por processos que terão ocorrido no domínio próprio de acção daqueles que os dizem partilhar. Porque a moralidade proclamada, quando é posta à prova, quebranta e é muitas vezes posta de lado. Felizmente que neste âmbito a moralidade não é posta à prova todos os dias e em todas as pessoas mas é um sinal de bom senso e de humildade moral não deitar a primeira pedra.
Assim podemos e devemos condenar moralmente o aborto, mas de modo não radical, e ser tolerante sem ser moralmente permissivo. À mulher restará sempre a liberdade de achar ou não que essa moralidade se enquadra na sua perspectiva de vida. Hoje já ninguém é segregado e condenado até à eternidade.
O que não restarão dúvidas é que cabe ao Estado fazer leis tolerantes mas também difundir valores como a defesa das relações prolongadas, da criação conjunta de filhos, da responsabilização mútua na construção de um futuro estável. E todos devemos pugnar por isso por uma questão de racionalidade e sem falsos moralismos, que só confundem a questão.
Ao Estado cabe defender o património civilizacional que nos enobrece, que nos valoriza perante outras civilizações, que enunciam certos princípios muito rígidos mas permitem e encobrem práticas de desigualdade e atentatórias da dignidade humana. A nossa superioridade passa pela luta aos fundamentalismos.
Podemos atribuir à família um papel fundamental neste contexto. Designando como família aquele sólido mas livre núcleo central em que podem continuar a ser defendidos os valores civilizacionais que um percurso histórico comum mas variado nos conduziu. A família entendida como a base da sociedade. Se o aborto poder contribuir para a defesa da família, não deve ser pois penalizado pelo Estado. E só a mulher, cada mulher por si, pode determinar se fazer ou não fazer aborto é uma forma de tornar viável a sua família. E aqui só esta interessa por ela ser tida em atenção.
Recentemente porém, quase genericamente, se entendeu que, tanto esta atitude da mulher perante o acto sexual, como uma má formação do feto, pudessem justificar uma intervenção que possa corrigir ou pôr fim àquele processo dentro dum limite temporal razoável de dez semanas.
Agora vamos ser chamados a dizer se o Estado deve ou não permitir que até esse mesmo limite temporal após o início da gestação, sejam dados à mulher plenos poderes para determinar o fim desse processo.
Se a acto sexual sob coação ou pela violência, normalmente designado de violação ou a constatação de que o feto está a ser sujeito a uma má formação congénita irreversível são razões determinantes para que actualmente a mulher já possa solicitar uma interrupção da gravidez, o que se pede agora é que se lhe faça a concessão de poderes absolutamente arbitrários.
Para justificar este alargamento da base legal para a interrupção voluntária da gravidez pode-se perguntar se há assim uma tal diferença de natureza entre o sexo sob coação e o sexo inconsciente, imprevisto, que mesmo consentido, não é avaliado nas suas possíveis consequências no momento da sua prática. Se não é legítimo que à mulher se possa atribuir um período de reflexão razoável.
Dir-se-á que ainda há o recurso à pílula do dia seguinte, mas mesmo esse período de vinte e quatro horas pode não ser suficiente para pôr os pés na terra. Por outro lado pode-se pôr a questão de um prazo ainda maior, que mesmo assim não vão deixar de haver mulheres arrependidas de ter dado um passo, voluntário ou não, no sentido da gravidez, principalmente com o parceiro então escolhido. Mas isso, levado ao limite, seria a barbárie, que quase tudo justificaria.
Não haverá dúvidas que há situações complexas em que qualquer mulher, mas em especial a mais imatura, só depois de grávida, depois de estar perante um facto, doutro modo irreversível, pensará em todas as consequências do seu acto. A mulher pode entender, enfim, que não tem condições para criar um filho, que possivelmente lhe vai alterar radicalmente a vida ou exigir-lhe encargos que não se sente de nenhum modo capaz de assumir.
Claro que as mulheres em condições de poderem vir a deparar com este problema serão em número limitado e serão especialmente jovens e somos todos chamados a aceitar ou não que elas possam resolver o seu problema desta maneira. Legalmente não há aqui qualquer problema porque assim é desde que instituímos o Estado como regulamentador de muita da vida social.
Visto de fora, isolado, sem ter em conta antecedentes e suas consequências, o aborto é um acto impróprio mas também não pode deixar de ser visto como uma manifestação do nosso carácter impuro, imperfeito e que até admite alguma perversidade. É, como muitos outros, que outros até louvam, como a guerra, os maus-tratos, etc., um acto identificador da nossa indignidade.
O aborto livre é só mais um aspecto em que o homem, por se sentir senhor da natureza, capaz de a alterar e subverter, está a apostar no sentido de elevar o seu hedonismo a outros cumes, não antes vistos, e eliminar todos os possíveis resquícios do simples hedonismo primário que sempre o caracterizou.
O aborto livre, só por si, será sempre uma condenação porque será praticado pelas mulheres mais frágeis, mais indefesas, mais vulneráveis. Será como um direito envenenado entregue por compensação aos mais fracos. Não é daqueles direitos que dão a quem os pratica mais força e dignidade.
Nós podemos ainda facilmente acrescentar a esta auto-condenação uma condenação moral, se é que a moralidade é para aqui chamada e se é que da moralidade temos todos a mesma noção. Podemos fazer um esforço nesse sentido, de encontrar uma moralidade que satisfaça o maior número, que para mais fácil compreensão seja definida parametricamente e cujos parâmetros sejam os mais partilhados.
Só que aqui surge um problema que é o de saber se essa moralidade está certificada por processos que terão ocorrido no domínio próprio de acção daqueles que os dizem partilhar. Porque a moralidade proclamada, quando é posta à prova, quebranta e é muitas vezes posta de lado. Felizmente que neste âmbito a moralidade não é posta à prova todos os dias e em todas as pessoas mas é um sinal de bom senso e de humildade moral não deitar a primeira pedra.
Assim podemos e devemos condenar moralmente o aborto, mas de modo não radical, e ser tolerante sem ser moralmente permissivo. À mulher restará sempre a liberdade de achar ou não que essa moralidade se enquadra na sua perspectiva de vida. Hoje já ninguém é segregado e condenado até à eternidade.
O que não restarão dúvidas é que cabe ao Estado fazer leis tolerantes mas também difundir valores como a defesa das relações prolongadas, da criação conjunta de filhos, da responsabilização mútua na construção de um futuro estável. E todos devemos pugnar por isso por uma questão de racionalidade e sem falsos moralismos, que só confundem a questão.
Ao Estado cabe defender o património civilizacional que nos enobrece, que nos valoriza perante outras civilizações, que enunciam certos princípios muito rígidos mas permitem e encobrem práticas de desigualdade e atentatórias da dignidade humana. A nossa superioridade passa pela luta aos fundamentalismos.
Podemos atribuir à família um papel fundamental neste contexto. Designando como família aquele sólido mas livre núcleo central em que podem continuar a ser defendidos os valores civilizacionais que um percurso histórico comum mas variado nos conduziu. A família entendida como a base da sociedade. Se o aborto poder contribuir para a defesa da família, não deve ser pois penalizado pelo Estado. E só a mulher, cada mulher por si, pode determinar se fazer ou não fazer aborto é uma forma de tornar viável a sua família. E aqui só esta interessa por ela ser tida em atenção.