sexta-feira, 8 de agosto de 2008

O fim da ideologia, o império da economia e os seus limites

A queda da maioria dos regimes comunistas e as transformações operadas nos restantes levaram a uma despolitização da economia. Passou a discutir-se e a aceitar-se mais os problemas vistos por um prisma puramente económico, o que em Portugal antes do 25 de Abril era atribuído como próprio dos comunistas e mesmo após era subestimado face à defesa da liberdade individual.
E quando se discutia economia, até há uns anos atrás, a opção era entre duas maneiras distintas de a ver, a marxista e a liberal ou então entre simples variantes dentro destas duas opções de base. Com o colapso da União Soviética e seus satélites, o marxismo cristalizou, deixou de fazer sentido discutir variantes dentro do comunismo e, por incrível que pareça, isso favoreceu o PCP.
A fortaleza ideológica que o PCP foi construindo, baseada num sistema de socialismo real cujos contornos na realidade desconhecíamos, ficou sem contestação ideológica interna, que é sempre a forma mais eficaz de a desmoronar. Assim a questão ideológica deixou de constituir qualquer problema para o PCP. A falta de uma retaguarda é afinal melhor que ter uma retaguarda frágil.
Sendo nós um País mais virado para as questões práticas, dizemos que privilegiamos a economia mas na realidade, acima de tudo, privilegiamos os estados de espírito. O PCP já há muito desistiu de produzir uma ideologia própria e ficou-se pelo estado de espírito. Se o proletariado já ia abandonando o PCP, este antecipou-se e abandonou o proletariado, absorvendo outro tipo de contestação, desde que portadora do mesmo estado de espírito do “deita abaixo”.
Se noutros países os partidos comunistas desapareceram e cá tem uma aparente novo fôlego, é porque o estado de espírito prevalecente no PCP ainda consegue ser atractivo para quem, não sentindo a necessidade de uma ideologia, sente crescer em si uma rejeição da sociedade existente, sem necessidade de justificação para as suas opções.
Mesmo que o poder reivindicativo dos sindicatos comunistas seja cada vez menor, mesmo que a diferenciação de rendimentos seja cada vez maior, mesmo que os comunistas procurem integrar camadas de certo modo privilegiadas nas lutas sociais para lhes dar algum colorido que a perca de poder reivindicativo das camadas mais desfavorecidas lhes tirou, o PCP mantém uma carapaça ideológica do tempo do proletariado puro e duro.
Mesmo aqueles partidos comunistas que estão no poder vão fazendo a sua reconversão de modo mais ou menos sui-generis, conforme a sua natureza e as características do respectivo país, Cuba, China, Vietname, etc. No entanto já nenhum deles consegue ter qualquer coerência interna e vão integrando elementos capitalistas na gestão da sua economia. O PCP não necessita disso porque não tem poder.
Se os regimes comunistas aceitam economias paralelas, assentes em lógicas aparentemente contraditórias, o PCP aceita que as classes e sectores sociais defendam estratégias próprias no domínio económico, dando-lhes uma cobertura ideológica em que as contradições são embrulhadas num frentismo e numa pretensa moralidade inconsequente e inconsistente. O PCP mistura empregados de limpeza com magistrados, lavradores caseiros com médicos.
Hoje o papel da economia nas relações sociais, no bem-estar, na satisfação existencial é muito mais claro que no tempo da luta de classes, da queda do feudalismo, da emergência de um proletariado vitorioso. A propriedade física deixou de ter o papel primordial que passou a ser ocupado pelo conhecimento. A injustiça social reside agora na diferente repartição deste.
Hoje a economia impera sobre todos os valores que se possam imaginar. A inteligência humana é mesmo avaliada pela eficácia com que converte conhecimento em valor económico palpável. Tudo é revertível à economia. Cada vez mais só se faz aquilo cujo valor suplanta nitidamente o custo. Aquilo que não traz qualquer espécie de benefício é abandonado.
Tudo que traz benefício tem na sua génese um custo, mesmo que só se possa avaliar através dos custos de substituição. As próprias pessoas são avaliadas nesta perspectiva, sendo que são avaliadas pelo que fazem, como também o podem ser por aquilo que poderiam estar a fazer se substituíssemos o ócio por uma actividade a que as achamos habilitadas.
Já ninguém tem filhos que lhes não atribua à nascença um custo de criação. A naturalidade com que se via a existência, a quase certeza que antes tínhamos de poder criar um filho sem custos evidentes, está hoje convertida num calculismo execrável, que despudoradamente é mesmo atirado à cara dos filhos. Cada um de nós que cá está tem um preço, que muitas vezes não é pequeno, segundo os pais.
Para compreender o mundo não é porém recomendável esta lógica maximalista. Chega aceitarmos que há um custo associado a todos os nossos actos porque neles utilizamos algum valor com interesse social. Mesmo o tempo tem um valor, pelo que, para o termos ao nosso dispor, temos de o comprar, temos que ter as disponibilidades suficientes para não precisarmos de trabalharmos durante um certo período. E para beneficiar do tempo já pagamos o seu custo.

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