terça-feira, 17 de abril de 2007

Quando damos mais do que recebemos podemos morrer em paz

Manuel Luciano era daquelas pessoas que durante a vida vão juntando amigos, amigos e mais amigos. Não quer dizer que não haja falsos amigos, daqueles a quem as suas atitudes e o seu modo de ser não agradassem e a quem faltasse a coragem de lho manifestar.
Mas Luciano seguia o seu caminho, imperturbável na sua convicção de que dava a todos mais do que recebia. Nele havia sempre boa disposição e uma palavra amiga para quem quer que fosse.
Um pouco mais velho do que eu, lembro-me dele da nossa velha Freiria, mas particularmente desde o meu tempo de estudante no Externato, quando ele já trabalhava na Tipografia do Jornal Cardeal Saraiva, e tendo assumido um compromisso com um departamento estatal, tinha de ir analisar umas duas ou três vezes por dia o dispositivo que registava o caudal do rio Lima.
Religiosamente, às horas determinadas, entre as quais me lembro era certa a hora do meio-dia, atravessava a ponte rumo a Santo António, em pé ligeiro, no seu andar leve e despachado, com as chaves já na mão para abrir a caixa que continha o rolo com o gráfico em que era registada a altura do caudal de água, que por um tubo era comunicada da bóia ao mecanismo de gravação.
Mas a água foi descendo, descendo e às tantas o Luciano já tinha que registar manualmente, lendo de uma régua que foi colocada no primeiro arco da ponte. Até que o próprio arco ficou seco e o Luciano com bastante tristeza lá deixou de vir ao seu escritório diário.
Em todos os momentos em que podia, o Luciano aproveitava e visitava, já depois de casado, os seus pais na Além da Ponte, tão forte era essa ligação. Cruzava-me com ele, acompanhava-o, mas também conversava com ele pela janela da apertada tipografia, ele sempre agarrado aos seus caracteres que com uma destreza impressionante ia acumulando de modo a formar a palavra, a frase, o jornal.
No jornal do Luciano não havia gralhas, que ele antes corrigia as falhas dos colaboradores. Era o trabalho de que ele gostava e no qual arranjou muitos amigos, que amigos afinal lhe não faltavam por onde passasse. Na tropa Luciano foi pára-quedista, mas o que fez, fê-lo por sentir ser sua obrigação, nunca fazendo alarido dos feitos, nem desrespeitando os adversários.
Luciano foi um desportista, jogando futebol nos Limianos, com ele joguei a brincar, claro, nos domingos de manhã e também com ele corri por estadas e caminhos, entre a Madalena e Santo Ovídio, enquanto eu pude, que a sua preparação era outra.
O Luciano, com o seu voluntarismo, estava sempre pronto a colaborar em actividades desportivas, festivas, de apoio aos outros. Não faltava na Rua do Souto a dinamizar o seu arranjo para que na quinta-feira de Corpo de Deus estivesse devidamente atapetada de cores e flores.
Nos últimos anos o Luciano deu uma importante colaboração à Comissão de Festas das Feiras Novas, a que pertencia, e que presumo vai ter dificuldade em encontrar um substituto com o mesmo entusiasmo e empenho. Aliás o Luciano ponha essas qualidades em tudo aquilo em que se metesse.
O Luciano tinha um alto sentido de família, demonstrava em relação aos amigos um apego invulgar, que o diga o seu amigo mais próximo, o Padre Eurico. No seu semblante não se notava rancor, sempre discreto e apaziguado.
Luciano era um valente que viveu a vida sem temor, sem rancor, como acho que deve ser vivida. Em relação aos amigos, no Luciano notava-se um forte carácter, não era homem de ressentimentos. Era um bravo e um justo.