sábado, 14 de abril de 2007

Precisamos de ter certezas e … … … cumplicidades

Quando queremos comunicar com a generalidade das pessoas, quando não escolhemos nem segmentamos o auditório ou o leitorado, seja pela oralidade ou pela escrita, é nossa obrigação falarmos com a nossa própria voz.
Há na conversa sempre aquela possibilidade de puxarmos a nossa maneira de nos expressarmos mais para aqui ou mais para ali, de modo a nos aproximarmos da terminologia e da postura mais adequadas para quem ouve.
Na conversa há mesmo a possibilidade de acrescentarmos explicações complementares e até marginais, que na economia da linguagem escrita são de todo dispensáveis e quiçá prejudiciais.
Com as limitações de tempo e espaço, não podendo usar aquelas técnicas para “levarmos a água ao nosso moinho”, tendo que usar uma linguagem universal, que podemos fazer para sermos lidos?
Este jornal, tão difundido na nossa emigração, com certeza que encontrará uma dificuldade acrescida. A maioria dos nosso emigrantes têm uma terminologia mais rica em Francês, ou na língua do País de acolhimento, do que em Português. O contrário se passa connosco. Se acrescentarmos as diferentes vivências são enormes as dificuldades que temos que enfrentar.
É nossa obrigação mantermos a continuidade do discurso, não é vã pretensão, que as pessoas se vão habituando a interpretar o texto pelo contexto, com o esforço que isto requer, e a serem capazes de ler escritos de várias proveniências.
A facilidade de leitura é hoje fundamental, porque ninguém está para fazer grandes esforços para, muitas vezes, ter acesso a coisa nenhuma. Daí a necessidade de o jornalista de hoje ser cada vez mais “directo”, mais”asséptico”, mais “redutor”.
Mas não há volta a dar, os “factos” nunca são os factos, nunca ninguém tem uma visão global, unitária de um acontecimento e o consegue resumir e embalar num invólucro em vácuo e o envia directamente e de modo a ser deglutível, sem um aditivo sódico, pelo destinatário, qualquer que ele seja.
Assim, não sendo eu jornalista, não convirjo nesta orientação, assumo claramente que não falo a verdade, falo com a consciência da mais perfeita contingência. Mesmo quando parece que falo de certezas falo só naquilo que é verdade para mim e o poderá ser também para quem comigo consiga estabelecer um mínimo de cumplicidade, historicamente falível e intelectualmente descomprometida.
É na facilidade de estabelecer esta cumplicidade que reside a diferença entre conversa e escrita. A relação social, a conversa, quando nos aproxima, leva-nos a adequar a linguagem, a fazermos pequenas concessões, nós não vamos estar a desconversar constantemente a propósito de tudo e de nada, sem que isso queira dizer assentimento.
Na escrita temos de manter uma linha de rumo, temos de nos convencer que estamos a falar para estranhos, que teremos sempre leitores novos, que não podemos nem queremos escolher, que não sabem nada de nós, o texto tem de ter o valor só por si, na medida em que outrem o possa fazer, pelo menos parcialmente, seu.
Na escrita só a tempos podemos e devemos repensarmo-nos e repensar os outros, os eventuais leitores. Não temos “feedback” suficiente mas temos mais tempo para especular sobre a forma de, sem nos chegarmos a aproximar, pudermos urdir cumplicidades.
Aparentemente não há nesta situação uma relação social. Na realidade há uma relação social não explícita que inevitavelmente se estabelece entre quem comunica e quem aceita de forma activa a comunicação. Não nos podemos esquecer que, de parte a parte, estamos a acrescentar a nós mesmos algo de novo.
E isso não depende da qualidade do contacto, do carácter positivo ou negativo que advenha do conhecimento que se estabelece, da mais ou menos valia que ele possa constituir. Todos os nossos contactos com o mundo exterior nos afectam seja ténue, seja marcadamente.
Perante a fraqueza do ensino é mesmo pela comunicação social, pelos contactos com amigos e menos amigos, com a Internet, até com a publicidade, que nós apreendemos mais do mundo. Esta situação deve levar-nos a estudar melhor todo o género de comunicação, que a que prevalece não é mais a dos meios familiares. Não nos podemos deixar levar pela aparência.
Porém na vida prática não podemos ter a dúvida metódica sempre presente. Precisamos de certezas, nem que elas sejam só temporárias. Precisamos de cumplicidades nem que elas sejam só parcelares. Precisamos de ter confiança em alguém e de desconfiarmos o suficiente de todos.
Não se trata de dividir o mundo entre o Bem e o Mal. Toda a dicotomia é redutora, não nos permite pensar mais para além. Só por simplificação podemos atribuir a “Bondade” à Natureza e a “Maldade” à Insídia. Mas toda a simplificação não dá clareza, antes perturba as nossas palavras.
Devemos estar preparados mas não obcecados com a Naturalidade ou a Insídia. Toda a luz que consigamos projectar sobre a realidade favorece o estabelecimento de uma relação saudável entre as pessoas, ajuda a que a não deixemos inquinar por aquela perspectiva primária que sempre nos persegue.

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