sexta-feira, 6 de abril de 2007

Da conversa à … … … leitura

Todos nos havemos de penalizar por não fazermos um esforço para nos aproximarmos dos outros, quando com eles falamos. Com a aceleração que a vida hoje comporta a imagem que nós temos daqueles que conhecemos num dia raramente perdura para além dele.
Mesmo em relação à maioria dos nossos relacionamentos, não chegamos a conhecer ninguém, senão através do seu enquadramento social. Nós fugimos, as pessoas fogem-nos, não porque haja de parte a parte qualquer aversão ou outro sentimento mais negativo, mas porque é assim, naturalmente, sem dar azo a ressentimentos ou recriminações.
E todos nos vamos habituando à indiferença com que somos tratados, ao desprendimento com que hoje se estabelecem e se desfazem as mais variadas relações sociais. A pressa com que hoje se vive faz com que esta atitude seja considerada como a que melhor evita conflitos desnecessários.
Não fora a pressa que nos leva a considerar muitas situações como puras percas de tempo, teríamos ainda a constatação de que as aproximações intempestivas podem ser facilmente fonte de arrelias e arrependimento.
Em relação às pessoas com quem lidamos habitualmente, julgamos conhecê-las bem e em relação àquelas com as quais existe maior distância, julgamos conhecê-las suficientemente bem para que pensemos que possa ocorrer qualquer surpresa que faça mudar o nosso relacionamento.
Nós conhecemos essencialmente as pessoas pelo seu enquadramento social, pela rede de relações em que estão envolvidas e pensamos ser isso perfeitamente suficiente para o mais normal relacionamento.
Normalmente só é possível oferecer e encontrar nas pessoas maior receptividade se houver interesses específicos, localizados e devidamente temporizados, principalmente se essa maior aceitação dum relacionamento pessoal for importante para a satisfação dos interesses em jogo.
Esta confiança interessada, pela importância que pode assumir, pode ser o sustentáculo de um relacionamento mais aprofundado. Mas o normal é que terminada esta etapa, logo o invólucro se feche em redor e a impressão que fica não seja mais que um apontamento para futuros relacionamentos da mesma natureza e para o enquadramento social.
Os relacionamentos continuam a estabelecer-se preferencialmente com pessoas ligadas aos mesmos interesses profissionais e de negócio ou assentam em cumplicidades já suficientemente testadas para terem alguma solidez. Neste aspecto todos somos preferencialmente conservadores.
Cada vez é mais difícil estabelecer uma conversa, muito menos um relacionamento perdurável com quaisquer pessoas e em especial com pessoas com interesses, extractos sociais, idades ou experiências diferentes.
Também a comunicação por via dos jornais, livros ou através de outros meios está sujeita à mesma pressa, à escassez do nosso tempo, à economia da atenção e do relacionamento. Procuramos sempre aquilo que do antecedente já nos diz alguma coisa.
E na leitura já quase se passa o mesmo que nas conversas, mesmo que encontremos algo que poderia ter algum interesse, dificilmente temos tempo para isso e, mesmo que penalizados, passamos ao lado, indiferentes.
Hoje, por parte de quem pretende comunicar, exige-se um redobrado esforço e algum talento. Mesmo o comunicador que só transmite aquilo a que um sector específico está disposta a prestar atenção e tem por isso audiência certa, terá que acrescentar sempre algo de novo, se não é ultrapassado.
Aqueles que como eu, só esporadicamente comunicam, se forem lidos, vão-no sendo de forma cruzada, de modo a que o leitor possa apanhar aqui ou ali uma ideia susceptível de suscitar alguma curiosidade. De qualquer modo uma primeira impressão manifesta-se normalmente decisiva.
Como o leitor tem que escolher, e de, para cá chegar, ultrapassar o que lhes parece mais imediato, de entre a variedade que se lhe apresenta, provavelmente só por casualidade terá chegado aqui.
Muitos deixam de escrever, como outros deixam de tentar conversar com alguém, porque é difícil, é necessário muito esforço para mantermos viva a curiosidade, quando aquilo que escrevemos não passa de algo estranho, pela maneira como hoje se encara a vida e o relacionamento.
A melhor maneira de comunicar é aquela que se pode cingir à brevidade de uma mensagem de telemóvel. Mas se é fácil estabelecer uma cumplicidade temporária, indispensável para a eficácia desta forma de comunicação, torna-se difícil, imprevidente, estabelecer a partir daí uma cumplicidade duradoira.Ora nesta forma de comunicar pressupõem-se que na maioria dos leitores, em vez de cumplicidade, haja estranheza. E tem a grande vantagem de ser descartável. Dá-se-lhe uma reviravolta como quem deita um papel ao lixo.