Na luta incessante entre o passado e o porvir, entre uma identidade perdida e uma nova identidade a adquirir, em que nos deparamos impotentes perante o peso da nossa ascendência e o vazio do nosso futuro, inquirimos o espírito deste lugar de Ponte a que nos sentimos umbilicalmente ligados.
Também ele está perplexo, tão baralhado, podemos dizer que se pela e nos devolve rapidamente a questão, aliás, numa linguagem que já nos custa a entender. Sentimo-nos ainda mais confundidos, incapazes de lhe dar a pretendida resposta, de lhe fornecer uma saída, de lhe apontar um caminho.
As nossas linguagens já são tão diferentes que a minha primeira suspeita é que não vamos poder dialogar eficazmente. No fundo a linguagem traduz formas diversas de organização social e económica, de associação, de distribuição de esforços, de concentração de capital.
O velho lugar de Ponte, após muitas transformações Centro Histórico de Ponte de Lima já, no seu espírito, nos olha estranhos, desprendidos, perigosos, diabólicos. Também nós o olhamos estupefactos, como se fora a primeira vez. Se não fosse uma réstia de amor diríamos quanto é mais fácil construir tudo de novo.
Resistimos e tentamos familiarizarmo-nos de novo com ele, com este espírito do lugar que julgávamos conhecer. De tão próximo que críamos saber o que ele sabe, sentir como ele sente, emocionarmo-nos como ele se emociona, ter os mesmos sentimentos que lhe sustentam o ser.
Apalermamo-nos porque o achamos mais resignado ainda do que nós, mais alquebrado que um carvalho centenário, mais insensível que uma pedra da ponte, mais pasmado que uma galinha, mais ignorante do futuro que um animal de pasto.
O Centro Histórico está em manifesto conflito com o futuro mas conformado com a perda eminente da centralidade que os diversos poderes dispersam, da segurança que as suas muralhas outrora garantiam. O tempo, se não corrói as pedras, vai delapidando o edifício, vai-lhe sugando o sangue, vai esvaziando a alma, vai-lhe enfraquecendo a sua capacidade de reacção.
As pedras dão-lhe a patine dos séculos mas coarctam-lhe a plasticidade. As novas práticas são as proporcionadas pela maleabilidade dos novos materiais. Hoje brinca-se com “Legos”, trabalha-se com moldes.
São também novas formas de organização que polarizam as energias, sacralizam outros ritmos e rotinas, dão novos brilhos às vivências. Mas exigem outros espaços, outras panorâmicas, outras condições menos inóspitas e menos naturais, ambientes mais climatizados e artificiais.
São os centros de gravidade que se deslocalizam, criam-se novas correntes, novos fluxos convergindo para novas potencialidades. Vence-se acreditando nas próprias forças mas congregando outras à sua volta. A novidade é naturalmente atraente. Mas a força e lógica do que é novo não são copiáveis para o que é velho.
Coloca-se um dilema ao Centro Histórico de Ponte de Lima: Ou não se faz nada porque o ritmo de desertificação é imparável e os apreciadores de ruínas agradecem, ou se adapta ao futuro e resiste aos movimentos desagregadores.
O Centro Histórico era o palco da vida de alguns funcionários e proprietários mas de muitos artífices, comerciantes, prestadores de serviços. Muitos dos ofícios foram trucidados pelo progresso técnico, outros pela legislação ambiental e regulamentar que os deslocou. Mas outros ainda pela dificuldade ou proibição de circulação automóvel.
Incentivou-se uma autêntica lixiviação por via legislativa que pretendeu dar aos centros históricos uma salubridade laboratorial. Em seguimento destas políticas, para coroar o ramalhete, promoveu-se uma política zoológica de turismo. Pretendeu-se enjaular os nativos em redomas assépticas e deixar as ruas para os passeios displicentes dos turistas.
Esta pretensão de copiar modelos que tem a sua razão de ser em cidades monumentais em que a pressão turística é grande, o afluxo de milhões e as zonas históricas já há muitos anos passaram a zonas museus mas que aqui não têm qualquer viabilidade, só se justifica por excesso de parvoíce.
Para que o turista cá venha chega tão só que possa passear num meio seguro e natural, presenciar um modo de vida normal, conhecer uma terra com “algum” significado, de preferência ficar com uma recordação agradável. De resto que não vá em dívida e se arranje um modo honesto de ele deixar cá ficar algum.
A criação de um qualquer artificialismo é na minha opinião contraproducente para a captação desta importante indústria. Estando nós vocacionados para um turismo específico, não se justifica a imposição de grandes sacrifícios até porque os benefícios que podem advir estão longe de serem compensatórios.
Mas o fundamental aqui é que o artificialismo, que se possa criar à volta de uma realidade que vale por si, em nada a favorece. O erro de pretender submeter o Centro Histórico a uma disciplina rígida, pela qual são coarctados praticamente todos os direitos dos seus habitantes, vai pagar-se caro.
Ponte de Lima está a passar a ser só mais uma terra sem automóveis, sem gente, sem crianças, com pedras lisas no chão, com cães às poucas janelas abertas, com fantasmas atravessando a noite deserta.O espírito do lugar deambula triste por entre paredes nuas, com a melancolia de quem vê cada vez mais longínquo o dia em que possa readquirir a vitalidade de outros tempos, quando não era objecto turístico, nem se falava de noções como dormitório, centro comercial ou o próprio centro histórico.
Também ele está perplexo, tão baralhado, podemos dizer que se pela e nos devolve rapidamente a questão, aliás, numa linguagem que já nos custa a entender. Sentimo-nos ainda mais confundidos, incapazes de lhe dar a pretendida resposta, de lhe fornecer uma saída, de lhe apontar um caminho.
As nossas linguagens já são tão diferentes que a minha primeira suspeita é que não vamos poder dialogar eficazmente. No fundo a linguagem traduz formas diversas de organização social e económica, de associação, de distribuição de esforços, de concentração de capital.
O velho lugar de Ponte, após muitas transformações Centro Histórico de Ponte de Lima já, no seu espírito, nos olha estranhos, desprendidos, perigosos, diabólicos. Também nós o olhamos estupefactos, como se fora a primeira vez. Se não fosse uma réstia de amor diríamos quanto é mais fácil construir tudo de novo.
Resistimos e tentamos familiarizarmo-nos de novo com ele, com este espírito do lugar que julgávamos conhecer. De tão próximo que críamos saber o que ele sabe, sentir como ele sente, emocionarmo-nos como ele se emociona, ter os mesmos sentimentos que lhe sustentam o ser.
Apalermamo-nos porque o achamos mais resignado ainda do que nós, mais alquebrado que um carvalho centenário, mais insensível que uma pedra da ponte, mais pasmado que uma galinha, mais ignorante do futuro que um animal de pasto.
O Centro Histórico está em manifesto conflito com o futuro mas conformado com a perda eminente da centralidade que os diversos poderes dispersam, da segurança que as suas muralhas outrora garantiam. O tempo, se não corrói as pedras, vai delapidando o edifício, vai-lhe sugando o sangue, vai esvaziando a alma, vai-lhe enfraquecendo a sua capacidade de reacção.
As pedras dão-lhe a patine dos séculos mas coarctam-lhe a plasticidade. As novas práticas são as proporcionadas pela maleabilidade dos novos materiais. Hoje brinca-se com “Legos”, trabalha-se com moldes.
São também novas formas de organização que polarizam as energias, sacralizam outros ritmos e rotinas, dão novos brilhos às vivências. Mas exigem outros espaços, outras panorâmicas, outras condições menos inóspitas e menos naturais, ambientes mais climatizados e artificiais.
São os centros de gravidade que se deslocalizam, criam-se novas correntes, novos fluxos convergindo para novas potencialidades. Vence-se acreditando nas próprias forças mas congregando outras à sua volta. A novidade é naturalmente atraente. Mas a força e lógica do que é novo não são copiáveis para o que é velho.
Coloca-se um dilema ao Centro Histórico de Ponte de Lima: Ou não se faz nada porque o ritmo de desertificação é imparável e os apreciadores de ruínas agradecem, ou se adapta ao futuro e resiste aos movimentos desagregadores.
O Centro Histórico era o palco da vida de alguns funcionários e proprietários mas de muitos artífices, comerciantes, prestadores de serviços. Muitos dos ofícios foram trucidados pelo progresso técnico, outros pela legislação ambiental e regulamentar que os deslocou. Mas outros ainda pela dificuldade ou proibição de circulação automóvel.
Incentivou-se uma autêntica lixiviação por via legislativa que pretendeu dar aos centros históricos uma salubridade laboratorial. Em seguimento destas políticas, para coroar o ramalhete, promoveu-se uma política zoológica de turismo. Pretendeu-se enjaular os nativos em redomas assépticas e deixar as ruas para os passeios displicentes dos turistas.
Esta pretensão de copiar modelos que tem a sua razão de ser em cidades monumentais em que a pressão turística é grande, o afluxo de milhões e as zonas históricas já há muitos anos passaram a zonas museus mas que aqui não têm qualquer viabilidade, só se justifica por excesso de parvoíce.
Para que o turista cá venha chega tão só que possa passear num meio seguro e natural, presenciar um modo de vida normal, conhecer uma terra com “algum” significado, de preferência ficar com uma recordação agradável. De resto que não vá em dívida e se arranje um modo honesto de ele deixar cá ficar algum.
A criação de um qualquer artificialismo é na minha opinião contraproducente para a captação desta importante indústria. Estando nós vocacionados para um turismo específico, não se justifica a imposição de grandes sacrifícios até porque os benefícios que podem advir estão longe de serem compensatórios.
Mas o fundamental aqui é que o artificialismo, que se possa criar à volta de uma realidade que vale por si, em nada a favorece. O erro de pretender submeter o Centro Histórico a uma disciplina rígida, pela qual são coarctados praticamente todos os direitos dos seus habitantes, vai pagar-se caro.
Ponte de Lima está a passar a ser só mais uma terra sem automóveis, sem gente, sem crianças, com pedras lisas no chão, com cães às poucas janelas abertas, com fantasmas atravessando a noite deserta.O espírito do lugar deambula triste por entre paredes nuas, com a melancolia de quem vê cada vez mais longínquo o dia em que possa readquirir a vitalidade de outros tempos, quando não era objecto turístico, nem se falava de noções como dormitório, centro comercial ou o próprio centro histórico.