Também eu pensei um dia em emigrar. Não sei se foi por falta de coragem, de dinheiro, ou de apoio. Não sei se foi por falta de preparação para o trabalho que nos era oferecido lá fora, ou de ambição. Não sei se foi por qualquer outro motivo. O certo é que fiquei preso para sempre a esta terra.
Preso a esta “terrinha”, se quiserem. Por mim não era assim tão depreciativo, que pode suar até como outra conversa, mas lá que se diz, diz. Reconheçamos mesmo que, também na dicotomia amor/ódio, estamos todos divididos entre sentimentos por natureza contraditórios.
Sempre fomos uma terra de emigrantes, numa linguagem economicista, exportadores de mão-de-obra. O nosso espírito aventureiro sempre foi a necessidade. A nossa terra, por mais fértil que fosse, nunca dava alimento para tantos filhos. E o mundo precisava de nós.
Para já não falar de outras aventuras, por acaso mais arriscadas e heróicas, lá fomos nós para as “Franças” de há quase cinquenta anos para cá. Os países saídos da Segunda Guerra Mundial, destroçados e humilhados, recuperaram e puseram mãos ao trabalho, mas a sua população já não chegava para o que havia a fazer. Principalmente desde os anos sessenta precisaram de nós.
A epopeia foi, à sua maneira, grandiosa. Por cá o regime, entretanto a braços com o problema colonial, não dava largas à nossa sede de melhoria das condições de vida. Havia então que ir a salto, correndo perigos e deixando a família em sobressalto.
O sonho não ia além do regresso um dia, com alguns cobres para comprar uns terrenos, fazer uma casa e criar algum negócio na aldeia ou continuar a lida de séculos, a lavoura. Alguns ainda pensariam poder vir no seu regresso a trabalhar na profissão que lá fora tivessem a sorte de aprender, mas logo se veria.
Muitos só foram à aventura depois de terem cumprido o serviço militar, mas outros foram ainda antes e vieram a cumpri-lo mais tarde, quando chegada a sua ocasião. Só alguns por lá ficaram até serem desvinculados dessa obrigação. A emigração não era política. Somos um povo resignado.
Muitos já eram casados, mas foram sozinhos, que a vida lá era difícil naqueles primeiros tempos. Outros, solteiros, logo que já tinham uma situação melhorada, casavam preferencialmente com as namoradas que já tinham deixado na terra. E muitas vezes elas por cá ficavam a cuidar dos campos que se iam comprando e dos filhos que iam nascendo.
Mas também se casavam com raparigas de outras terras, à medida que esta também foram sendo levadas pelos seus pais, que lá era mais fácil de se encontrarem do que na sua própria terra. Lá fora conhecia-se a nossa terra sem a ter percorrido.
Esta emigração para as “Franças” teve a particularidade de se estender a todos o país. Foi mais generalizada do que qualquer emigração anterior, embora o predomínio continuasse a ser do Norte. De todo o lado foi gente, até da Capital.
Sempre se pensou que esta emigração seria temporária, que os primeiros emigrantes foram reforçando aqui os seus alicerces, aproveitando as férias para fazer avançar a construção das suas casas, foram mantendo aqui fortes laços familiares.
Era aqui que eles se queriam afirmar. Era ver a alegria com que traziam os primeiros carros, usados, mas autênticas “bombas” para nós. O contentamento era maior quando, passados poucos anos, já cá apareciam com modernas “máquinas”, a que nós cá nem pensávamos chegar.
Era aqui que eles queriam ver reconhecido o seu esforço, o seu labor e investir os seus cabedais e o seu saber. Mas nós continuávamos pachorrentos, no velho remanso rural, com alguma inveja, mas tentando por todos os modos escondê-la.
Poucos foram regressando, mas, no geral, fizeram-no com sucesso. De tal modo que alguns diziam que a sua “França” era aqui. Vinham com algum capital que procuravam aplicar da melhor maneira em oportunidades que aos de cá escapavam. Os seus negócios quase sempre prosperaram.
Mas a maioria foi-se integrando nas sociedades de acolhimento. Os filhos foram estudando, empregando-se, ganharam novos relacionamentos, misturaram-se com emigrantes doutras origens e com os da “casa” também. Já poucos voltarão.
Os mais velhos ainda cá vêm, mas estão lá fora a maior parte do tempo a tratar dos netos, quando já estão reformados. Passou a euforia do voltar de vez, de tratar da casa e de alguns terrenos na terra que os viu nascer. Agora preferem o descanso de um apartamento em zona urbana onde estão mais próximos de tudo.
Com os mais novos é diferente. Não são ainda os assimilados, que isso levará gerações, mas muitos já se sentem como nacionais. Estes filhos que nós não soubemos reacolher, que nós não tivemos condições para reintegrar na nossa débil sociedade, que vão perdendo os seus laços, agora familiares, logo culturais, ainda têm saudades, mas cada vez as vão perdendo mais.
Estes compatriotas, que na sua maioria saíram deste país com pouca escolarização e um vocabulário deveras reduzido, cada vez têm mais dificuldade em se expressar em português. Só no meio para onde foram viver é que entraram em contacto com outras realidades e por isso tiveram necessidade de usar termos cuja tradução agora desconhecem.
Se nós não gostamos que eles se exprimam em estrangeiro, com certeza que eles o não farão por gosto. Quando falam em português têm que “meter” necessariamente algumas expressões pelo meio na sua língua adoptiva. A distância à memória destas é mais curta.
É célebre, pela negativa, porque só revela a tacanhez dos que por cá ficamos, a forma depreciativa como víamos a utilização da palavra “vacances”. Se a grande maioria dos que foram nunca haviam pensado em ter “férias”. Se mesmo aqueles que não eram lavradores entendiam por “féria” aquilo que se pagava pelo trabalho de quinze em quinze dias: a féria quinzenal.
Na nossa pequenez de vista “gozávamos”, ou pretendíamos tal, com uma situação que tinha tudo de normal. Os emigrantes, principalmente os que foram para os países europeus, deram um salto, não só aquele salto por cima da fronteira, mas um salto por cima da nossa mesquinhez.
Os emigrantes, genericamente, tornaram-se intelectualmente mais independentes, mais capazes de enfrentar novos desafios, mais audazes. Desligaram-se de velhas amarras e passaram a ver o mundo com outra amplitude.
Claro que temos de dizer que muitas das suas referências ainda são as de cá. Para muitos o seu mundo da juventude ainda se mantém mais familiar e acolhedor que o meio mais indiferente e até agressivo em que vivem. Mas o tempo vai produzindo o seu efeito corrosivo.
Lamentavelmente ficarão cada vez mais afastados de nós, mais assimilados pelas sociedades em que vivem, mais desprendidos do seu berço. As segundas e terceiras gerações já poucas raízes visíveis terão do seu passado geracional.
Contra esse afastamento nós pouco fazemos. A não ser uns brilharetes no futebol, nada reforça a nossa ligação. Muito há a fazer para que os laços se não quebrem e para que eles, sentindo-se lá integrados, possam continuar a viver a portugalidade.
Se há uns anos a esta parte as suas visitas periódicas à terra, no Natal, na Páscoa ou em Agosto, não eram postas em causa por ninguém da família, hoje a situação é diferente. Os interesses são divergentes e para os mais novos visitar a terra de seus pais já não é de modo algum atractivo.
Já não é tempo de pensar no dinheiro que eles possam trazer para cá, embora não seja despiciente para o país. Mas uma visão puramente economicista levou a que não fosse dada qualquer importância aos aspectos culturais e civilizacionais que interessava preservar.
Parece que temos a sensação que também nós não ficaremos por cá muito tempo. Também nós partiremos um dia à aventura. Também nós abandonaremos um dia esta “terrinha”, que nunca o deixará de ser. No fundo a nossa convicção é a nossa resignação.
Só conseguimos ser grandes lá fora. Aqui todos os brilhos depressa empalidecem. Lançam-se nuvens sobre tudo o que é mais progressivo. As invejas suplantam os louvores. Aqui sacraliza-se a mediania. Não temos olhos para a diferença.
Os nossos emigrantes continuam ávidos de ter alegrias com aquilo que também é deles e tem cá a sua fonte. Sentem que com o corte abrupto das suas raízes ficarão mais pobres, mais desprotegidos, mais tristes, mais descaracterizados. Sentem que há mais que aspectos superficiais que os ligam à sua terra.
Mas sentem também que, no geral, não serão eles o cofre-forte do nosso património. Tiveram que lutar muito pela sobrevivência para que pudessem ter tempo para se preocuparam com outros aspectos. Também nós, dirão muitos. Mas sempre estivemos mais perto da fonte, com mais possibilidades de convívio, de transmissão geracional, de preservação.
É isso que eles esperam, decerto, de nós. Que lhes despertemos a chama, que lhes avivemos a memória, que lhes recordemos o passado, que lhes apontemos as razões porque somos assim. Que os deixemos pensar no substrato comum a nós todos, os de cá e os da diáspora mais longínqua.
A força do momento é muito grande. Possivelmente muitos de nós pensam que é melhor preocuparmo-nos com o presente, que ele já nos dá motivo de muita preocupação. Que é mais importante a integração nas sociedades de acolhimento, o cuidado a ter com possíveis fenómenos de exclusão.
Acho que os nossos emigrantes só terão a ganhar com o fortalecimento da sua identidade. E acho que eles, genericamente, também pensam assim. Nos dias de hoje não é necessário andar escondido, furtar ao conhecimento dos outros as nossas origens.
Num mundo cada vez mais miscigenado, com enormes forças a favor da uniformização e descaracterização dos indivíduos, em que muitos vêm evidentes benefícios, há que manter as particularidades que nos valorizam, que nos diferenciam e em que nos reconhecemos.
Temos de fazer mais e melhor, evitar as nossas descrenças e reforçar em nós o que é mais positivo. No confronto com outros, salva a nossa congénita humildade, temos que reafirmar a nossa postura de povo destemido mas benévolo, de cujo passado nos temos mais de orgulhar do que de desprezar.
Sempre fomos pequenos no poder e na força. Mas com o nosso atrevimento fizemos coisas de que outros mais poderosos se orgulhariam, se o tivessem feito. Os momentos menos bons cabem a todos, mas os nossos foram mais determinados pelo contexto do que pelo nosso âmago.
A nossa influência espalha-se pelo mundo inteiro. Os nossos emigrantes chegaram a todos os lugares da terra. Conseguir manter laços a unir-nos é o nosso maior desafio. Para isso a política não serve. Mas são os políticos que têm o poder de fazerem algo por isso. E, essencialmente, que monopolizam as disponibilidades que podiam ser aplicadas nesse objectivo.
Preso a esta “terrinha”, se quiserem. Por mim não era assim tão depreciativo, que pode suar até como outra conversa, mas lá que se diz, diz. Reconheçamos mesmo que, também na dicotomia amor/ódio, estamos todos divididos entre sentimentos por natureza contraditórios.
Sempre fomos uma terra de emigrantes, numa linguagem economicista, exportadores de mão-de-obra. O nosso espírito aventureiro sempre foi a necessidade. A nossa terra, por mais fértil que fosse, nunca dava alimento para tantos filhos. E o mundo precisava de nós.
Para já não falar de outras aventuras, por acaso mais arriscadas e heróicas, lá fomos nós para as “Franças” de há quase cinquenta anos para cá. Os países saídos da Segunda Guerra Mundial, destroçados e humilhados, recuperaram e puseram mãos ao trabalho, mas a sua população já não chegava para o que havia a fazer. Principalmente desde os anos sessenta precisaram de nós.
A epopeia foi, à sua maneira, grandiosa. Por cá o regime, entretanto a braços com o problema colonial, não dava largas à nossa sede de melhoria das condições de vida. Havia então que ir a salto, correndo perigos e deixando a família em sobressalto.
O sonho não ia além do regresso um dia, com alguns cobres para comprar uns terrenos, fazer uma casa e criar algum negócio na aldeia ou continuar a lida de séculos, a lavoura. Alguns ainda pensariam poder vir no seu regresso a trabalhar na profissão que lá fora tivessem a sorte de aprender, mas logo se veria.
Muitos só foram à aventura depois de terem cumprido o serviço militar, mas outros foram ainda antes e vieram a cumpri-lo mais tarde, quando chegada a sua ocasião. Só alguns por lá ficaram até serem desvinculados dessa obrigação. A emigração não era política. Somos um povo resignado.
Muitos já eram casados, mas foram sozinhos, que a vida lá era difícil naqueles primeiros tempos. Outros, solteiros, logo que já tinham uma situação melhorada, casavam preferencialmente com as namoradas que já tinham deixado na terra. E muitas vezes elas por cá ficavam a cuidar dos campos que se iam comprando e dos filhos que iam nascendo.
Mas também se casavam com raparigas de outras terras, à medida que esta também foram sendo levadas pelos seus pais, que lá era mais fácil de se encontrarem do que na sua própria terra. Lá fora conhecia-se a nossa terra sem a ter percorrido.
Esta emigração para as “Franças” teve a particularidade de se estender a todos o país. Foi mais generalizada do que qualquer emigração anterior, embora o predomínio continuasse a ser do Norte. De todo o lado foi gente, até da Capital.
Sempre se pensou que esta emigração seria temporária, que os primeiros emigrantes foram reforçando aqui os seus alicerces, aproveitando as férias para fazer avançar a construção das suas casas, foram mantendo aqui fortes laços familiares.
Era aqui que eles se queriam afirmar. Era ver a alegria com que traziam os primeiros carros, usados, mas autênticas “bombas” para nós. O contentamento era maior quando, passados poucos anos, já cá apareciam com modernas “máquinas”, a que nós cá nem pensávamos chegar.
Era aqui que eles queriam ver reconhecido o seu esforço, o seu labor e investir os seus cabedais e o seu saber. Mas nós continuávamos pachorrentos, no velho remanso rural, com alguma inveja, mas tentando por todos os modos escondê-la.
Poucos foram regressando, mas, no geral, fizeram-no com sucesso. De tal modo que alguns diziam que a sua “França” era aqui. Vinham com algum capital que procuravam aplicar da melhor maneira em oportunidades que aos de cá escapavam. Os seus negócios quase sempre prosperaram.
Mas a maioria foi-se integrando nas sociedades de acolhimento. Os filhos foram estudando, empregando-se, ganharam novos relacionamentos, misturaram-se com emigrantes doutras origens e com os da “casa” também. Já poucos voltarão.
Os mais velhos ainda cá vêm, mas estão lá fora a maior parte do tempo a tratar dos netos, quando já estão reformados. Passou a euforia do voltar de vez, de tratar da casa e de alguns terrenos na terra que os viu nascer. Agora preferem o descanso de um apartamento em zona urbana onde estão mais próximos de tudo.
Com os mais novos é diferente. Não são ainda os assimilados, que isso levará gerações, mas muitos já se sentem como nacionais. Estes filhos que nós não soubemos reacolher, que nós não tivemos condições para reintegrar na nossa débil sociedade, que vão perdendo os seus laços, agora familiares, logo culturais, ainda têm saudades, mas cada vez as vão perdendo mais.
Estes compatriotas, que na sua maioria saíram deste país com pouca escolarização e um vocabulário deveras reduzido, cada vez têm mais dificuldade em se expressar em português. Só no meio para onde foram viver é que entraram em contacto com outras realidades e por isso tiveram necessidade de usar termos cuja tradução agora desconhecem.
Se nós não gostamos que eles se exprimam em estrangeiro, com certeza que eles o não farão por gosto. Quando falam em português têm que “meter” necessariamente algumas expressões pelo meio na sua língua adoptiva. A distância à memória destas é mais curta.
É célebre, pela negativa, porque só revela a tacanhez dos que por cá ficamos, a forma depreciativa como víamos a utilização da palavra “vacances”. Se a grande maioria dos que foram nunca haviam pensado em ter “férias”. Se mesmo aqueles que não eram lavradores entendiam por “féria” aquilo que se pagava pelo trabalho de quinze em quinze dias: a féria quinzenal.
Na nossa pequenez de vista “gozávamos”, ou pretendíamos tal, com uma situação que tinha tudo de normal. Os emigrantes, principalmente os que foram para os países europeus, deram um salto, não só aquele salto por cima da fronteira, mas um salto por cima da nossa mesquinhez.
Os emigrantes, genericamente, tornaram-se intelectualmente mais independentes, mais capazes de enfrentar novos desafios, mais audazes. Desligaram-se de velhas amarras e passaram a ver o mundo com outra amplitude.
Claro que temos de dizer que muitas das suas referências ainda são as de cá. Para muitos o seu mundo da juventude ainda se mantém mais familiar e acolhedor que o meio mais indiferente e até agressivo em que vivem. Mas o tempo vai produzindo o seu efeito corrosivo.
Lamentavelmente ficarão cada vez mais afastados de nós, mais assimilados pelas sociedades em que vivem, mais desprendidos do seu berço. As segundas e terceiras gerações já poucas raízes visíveis terão do seu passado geracional.
Contra esse afastamento nós pouco fazemos. A não ser uns brilharetes no futebol, nada reforça a nossa ligação. Muito há a fazer para que os laços se não quebrem e para que eles, sentindo-se lá integrados, possam continuar a viver a portugalidade.
Se há uns anos a esta parte as suas visitas periódicas à terra, no Natal, na Páscoa ou em Agosto, não eram postas em causa por ninguém da família, hoje a situação é diferente. Os interesses são divergentes e para os mais novos visitar a terra de seus pais já não é de modo algum atractivo.
Já não é tempo de pensar no dinheiro que eles possam trazer para cá, embora não seja despiciente para o país. Mas uma visão puramente economicista levou a que não fosse dada qualquer importância aos aspectos culturais e civilizacionais que interessava preservar.
Parece que temos a sensação que também nós não ficaremos por cá muito tempo. Também nós partiremos um dia à aventura. Também nós abandonaremos um dia esta “terrinha”, que nunca o deixará de ser. No fundo a nossa convicção é a nossa resignação.
Só conseguimos ser grandes lá fora. Aqui todos os brilhos depressa empalidecem. Lançam-se nuvens sobre tudo o que é mais progressivo. As invejas suplantam os louvores. Aqui sacraliza-se a mediania. Não temos olhos para a diferença.
Os nossos emigrantes continuam ávidos de ter alegrias com aquilo que também é deles e tem cá a sua fonte. Sentem que com o corte abrupto das suas raízes ficarão mais pobres, mais desprotegidos, mais tristes, mais descaracterizados. Sentem que há mais que aspectos superficiais que os ligam à sua terra.
Mas sentem também que, no geral, não serão eles o cofre-forte do nosso património. Tiveram que lutar muito pela sobrevivência para que pudessem ter tempo para se preocuparam com outros aspectos. Também nós, dirão muitos. Mas sempre estivemos mais perto da fonte, com mais possibilidades de convívio, de transmissão geracional, de preservação.
É isso que eles esperam, decerto, de nós. Que lhes despertemos a chama, que lhes avivemos a memória, que lhes recordemos o passado, que lhes apontemos as razões porque somos assim. Que os deixemos pensar no substrato comum a nós todos, os de cá e os da diáspora mais longínqua.
A força do momento é muito grande. Possivelmente muitos de nós pensam que é melhor preocuparmo-nos com o presente, que ele já nos dá motivo de muita preocupação. Que é mais importante a integração nas sociedades de acolhimento, o cuidado a ter com possíveis fenómenos de exclusão.
Acho que os nossos emigrantes só terão a ganhar com o fortalecimento da sua identidade. E acho que eles, genericamente, também pensam assim. Nos dias de hoje não é necessário andar escondido, furtar ao conhecimento dos outros as nossas origens.
Num mundo cada vez mais miscigenado, com enormes forças a favor da uniformização e descaracterização dos indivíduos, em que muitos vêm evidentes benefícios, há que manter as particularidades que nos valorizam, que nos diferenciam e em que nos reconhecemos.
Temos de fazer mais e melhor, evitar as nossas descrenças e reforçar em nós o que é mais positivo. No confronto com outros, salva a nossa congénita humildade, temos que reafirmar a nossa postura de povo destemido mas benévolo, de cujo passado nos temos mais de orgulhar do que de desprezar.
Sempre fomos pequenos no poder e na força. Mas com o nosso atrevimento fizemos coisas de que outros mais poderosos se orgulhariam, se o tivessem feito. Os momentos menos bons cabem a todos, mas os nossos foram mais determinados pelo contexto do que pelo nosso âmago.
A nossa influência espalha-se pelo mundo inteiro. Os nossos emigrantes chegaram a todos os lugares da terra. Conseguir manter laços a unir-nos é o nosso maior desafio. Para isso a política não serve. Mas são os políticos que têm o poder de fazerem algo por isso. E, essencialmente, que monopolizam as disponibilidades que podiam ser aplicadas nesse objectivo.