sábado, 5 de agosto de 2006

Conversa à mesa dos Quatro Abades

O Senhor Joaquim, homem de provecta idade, atravessou montes e escarpas para cá chegar, à Mesa do Quatro Abades. O tio já o fizera antes e aqui perto assentou arraiais. Um dia disse-lhe:
Oh! Joaquim olha que tu tens aqui uma boa rapariga para ti. Ela é bonita e, podemos dizer, cobiçada, que pretendentes não lhe faltam. Mas não a vejo lá muito virada para os “santos da beira da porta”. Aproveita tu a oportunidade.
Um domingo o Joaquim pôs-se a caminho. Ele já estava habituado a longas caminhadas. De Refoios, sua terra, até à Vila de Ponte, ia muitas vezes a pé. Ia à feira, ao Salvato Ferreiro, mesmo ao fogo das Feiras Novas. O caminho não lhe metia medo.
O pai só lhe recomendava: Joaquim se vais a algum lado toma tempo ao caminho que à hora da ceia tens que estar em casa. O que houvesse todos tinham que comer juntos.
De Refoios para Vilar do Monte eram quelhas autênticas, ora íngremes ora sombrias, por picos e rabinas, por matos e bosques, mas não se cansou muito: Passados poucos meses, o Joaquim já estava casado.
Ela gostou dele, não há dúvida. Ele agradeceu a boa hora em que o tio e padrinho lhe sugeriu a passagem por esta terra. E tratou logo de vir ajudar a sua nova família nos trabalhos do campo. Que ela era filha única e os bens eram bastantes para ocupar os braços de mais um.
Filhos haveria de ter dois, um que morreu novo, mas também a filha o já deixou. A mulher e o genro foram de igual modo. Ficou com a família reduzida aos seis netos que a sua filha lhe deixou, mas este quiseram ir ganhar a vida por esse mundo além. Para os Algarves, as Franças, só uma filha está mais próxima de si.
O Joaquim, permita que o trate assim, nunca deixou a sua terra, esta sua nova terra, a não ser para se tratar na França e passear a Angola. A sua quinta e outros terrenos que tem espalhados por sete lugares dão-lhe muito que fazer.
Mas o Joaquim também teve necessidade de amealhar uns cobres mais e trabalhou noutros ofícios. Na sua casa fazia de tudo um pouco e, como as vinhas precisavam de esteios, aplicou aqui o que tinha aprendido com seu pai: fez centenas de esteios de pedra.
O Joaquim ainda hoje tem uns maravilhosos foles que tanto o ajudaram a aguçar os picos, os ponteiros e outras ferramentas necessárias para cortar a dura pedra. Com o pai foi muitas vezes ao Salvato Ferreiro à Senhora da Luz, carregado com ferramentas para aguçar e lá aprendeu como o fazer.
Aproveitou a sabedoria para o trabalho que a lavoura lhe ia permitindo. Tem à sua porta esteios de 22 palmos perfeitos e fortes, prontos a resistir aos séculos, se assim o consentirem.
Enquanto teve forças nunca fugiu à labuta dura e persistente. Mas ainda hoje vai tratando da sua horta e do seu vinho, tão bom e puro que não precisa de outras químicas. Para podar e vindimar usa um curioso escadote que tem duas pernas fixas e uma móvel. Assim é mais fácil de guardar e transportar.
Casou com dezanove anos e tem hoje noventa e um. Foram setenta e dois anos neste lugar paradisíaco que lhe deu vida e saúde. Tem a vivacidade e jovialidade de uma criança que está a nascer para a vida. Vive feliz.
O Joaquim tem a franqueza de um justo que não necessita de mentir. Sabe o que é o mundo, mas mantém-se indiferente ao mediatismo da Mesa dos Quatro Abades ali tão perto. A sua vida será doutro tempo mas é pura e cristalina.
O Joaquim é de Cepões porque arbitrariamente alguém assim quis. Mas as linhas divisórias só existem no mapa. Os seus mais próximos estão em Vilar do Monte e é para lá que ele quer ir, um dia, para o eterno repouso.
Que esse dia esteja o mais longínquo possível, que as forças o não abandonem, que tenha muita vida e saúde, é o nosso sincero desejo, Senhor Joaquim.