sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A política de hoje só é compreensível pela economia

Hoje em dia o poder da política não lhe é adquirido por direito próprio ou atribuído por outras forças mas é dado pela economia. À política compete configurar e administrar o poder mas a razão da sua existência, a base da sua manutenção é a economia. A economia assumiu um papel preponderante que já faz esquecer a identidade, a segurança ou outros aspectos tidos até aqui como fulcrais na estruturação das sociedades e na vida social.
O papel da economia sempre lá esteve mas como as nossas sociedades antigas como que paralisaram durante séculos, só se realçava o seu papel passivo quando havia movimentações, alterações provindas normalmente de factores externos, de invasões, domínios e libertações. A economia só passou a ter um papel activo nas cidades burguesas que se desenvolveram na Europa Ocidental.
Nós andávamos como que anestesiados e ainda atribuímos todo o papel activo ao poder e pouco desse papel à economia. Neste ponto a nossa Idade Média só há pouco terminou. A economia era tão só uma vítima do poder que a mantinha imóvel para se garantir a si próprio. A economia, mesmo com tantos dos seus principais agentes ligados ao poder, começou a ter necessidade de se libertar.
É certo que nem Salazar conseguiu manter uma imobilidade total pelo menos à volta das grandes cidades. Ainda que sob a orientação dos seus planos de fomento, e maugrado as leis de condicionamento industrial, a economia foi desempenhando em Portugal um papel cada vez mais activo. O 25 de Abril constituiu uma libertação para todas as forças económicas.
Nenhuma transição consegue ser linear e como todas também esta trouxe ao de cima as muitas contradições existentes. Numa economia débil muitas contradições tornaram-se insanáveis, isto é, não resolúveis sem a derrota de uma das partes ou sem que o Estado patrocinasse a manutenção de um equilíbrio instável. O mais dramático é que custou à maioria dos agentes económicos assumir um papel mais activo que lhes competia numa economia liberalizada.
A entrada na Comunidade Europeia criou muitas expectativas mas também as destruiu depressa ao promover uma transformação enorme na base económica e social em que assentava a estabilidade deste País. Os remédios não foram aproveitados, se é que isso era possível. A abertura ao comércio mundial veria a acentuar todos os processos de desagregação da economia tradicional.
É só ver como as forças mais conservadoras, também economicamente mais passivas, eram contraditoriamente as que tinham menos rendimentos e mais contribuíram para a não realização de mudanças drásticas. Se muito esperaram, menos receberam. Muitas estão definitivamente arredadas do progresso por não terem sabido assumir o papel activo que lhes podia caber. No fundo acabou por se instituir uma mudança radical que processos violentos nunca teriam conseguido.
A política deixou cair muito do seu anterior poder e a economia tem que saber aproveitar esta ocasião para se impor no seu papel central na estruturação da sociedade e na vida social. Não a favor dos ricos ou dos pobres, dos favorecidos ou dos remediados, mas a favor do desenvolvimento harmonioso das suas potencialidades de modo a que todos beneficiem.
Não há muito tempo a economia era vista com ciência fora do nosso alcance, própria só para iniciados. Os entendidos sempre a restringiam a um conjunto de normas e métodos que só eles estavam em condições se manipular. Havia, é certo, uma economia de pacotilha reduzida a fórmulas simples, própria, sem desprimor, para domésticas e merceeiros. No meio era o deserto.
De resto a maioria da população emprega todas as suas energias na labuta diária. A ansiedade por uma melhoria pessoal não deixa tempo a especulações sobre um tema tão esquivo. Os que se sentem com a vida estabilizada até acham mesmo despiciendo, os que não tem a vida estabilizada já têm por isso mesmo preocupações bastante para que lhe dediquem algum tempo.
Mas a actual situação é mesmo como que uma Nova Oportunidade, talvez a última para que as forças económicas, em vez de se digladiarem permanentemente entre si, passem a ter o papel activo que afinal lhes advém de serem a fonte criadora de toda a riqueza “visível”. A economia tem que ser capaz de dizer ao Estado que se remeta às suas funções institucionais, jurídicas, que trate da economia “invisível”, o ensino, os bens sociais e faça a redistribuição dos rendimentos. Isto sem resvalar para o liberalismo selvagem.
Também os órgãos de informação deveriam contribuir para transmitir uma visão da economia para todos os que não são entendidos. Ressalvando falsas interpretações, porque quando se fala de economia ela é referida a um pretenso cidadão médio nos rendimentos, nos conhecimentos, nos gastos e nas ambições.
Ao falar de economia cria-se sempre um estereótipo a que muitos dos leitores ou espectadores aderem facilmente. Pois devem ser advertidos para que, se não lhe corresponderem, se não deixarem passar por ele. Cada um deve saber com a possível exactidão o seu papel no todo da economia. Por exemplo, não podemos ser pobres para umas coisas e ricos para outras.
Não só as interpretações da economia são decisivas para entender o passado, o presente e principalmente o futuro, também elas nos dão uma melhor noção da maneira como havemos de entender, de actuar sobre o poder político e em última instância de como exercer esse poder.