sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Como é difícil o caminho da intervenção política!

Durante várias décadas não tivemos liberdade, mas as motivações económicas só por si foram-se diluindo e passou-se a um situação de resignação generalizada. Dado o longo período de ausência de liberdade criou-se porém uma grande ansiedade. As motivações para a intervenção política afinal não faltaram. A abertura democrática era o grande objectivo independentemente do que cada um queria para o dia seguinte.
Os partidos políticos são as estruturas que enquadram dentro de perspectivas possíveis as variadas opções pessoais e logo depois do 25 de Abril surgiram em catadupa. Também não faltou quem pensasse que era melhor regressar ao dia anterior, mas já no dia seguinte era impossível que isso acontecesse. E não tardou muito que tudo fosse irreversível.
A muitos custou abandonar a ideia de um Império que nunca teve o poder que se lhe quis dar. Mas também a outros custou não levar a revolução até onde queriam. A custo desistiram do comunismo à séria, puro e duro, projecto secreto que sempre alimentaram, como o reconhecem todos os dissidentes.
Ficamos reduzidos ao nosso território natural e condicionados como nunca tínhamos estado. Esvoaçaram sonhos imperiais e sonhos de pôr em prática velhas ideias comunistas que acreditávamos nunca tinham tido os intervenientes adequados e sabíamos estarem a claudicar em todo o lado. Também aqui haviam de falhar que a massa humana não é afinal significativamente diferente.
Os mentores do 25 de Abril, temerosos de um povo que tinha sido manietado durante tanto tempo, criaram expectativas irreais e ainda por cima colocaram-nas como realizáveis, como se elas pudessem ser o resultado de atitudes grosseiras tomadas por pessoas cuja personalidade tem esse traço como o mais marcante. O bom senso levou porém a que as pessoas entendessem resolver de modo mais pacífico as suas divergências.
Com mais ou menos relutância, lá fomos adaptando as práticas das famílias políticas europeias com que mais nos identificávamos. Com o passar do tempo e o amadurecimento dos partidos e de todas as instituições, a maioria afinal recuperada do regime anterior, foram-se criando barreiras a que muitos se não adaptaram e a falta de transparência tomou conta da vida política.
Se analisarmos a nível de ideias vemos que a coberto das grandes foram as mais pequenas e mesquinhas que foram triunfando. Em vez de pôr em prática qualquer projecto consistente foram-se adoptando soluções de curto prazo, atirando remendos para o corporativismo herdado de Salazar.
A Previdência Social foi servindo para fins políticos e só recentemente se instituiu um sistema alternativo e consistente de Segurança Social. À metade herdada referente à saúde deram o pomposo nome de Serviço Nacional de Saúde que cresceu desgovernado mas cheio de buracos. A governação tem sido no geral executada sem profissionalismo, com a atenção virada para assuntos imediatos. A competição eleitoral faz-se a um nível de verbosidade desligada da realidade, fazendo com que a pratica governativa se afaste significativamente do falado.
As desilusões foram muitas, e muitas pessoas se sentiram desenquadradas num regime político com bases demasiado movediças. Em compensação muitos viram os seus interesses particulares satisfeitos, mesmo que para tanto se tivessem que reposicionar na acção política. À política foram trazidos toda a espécie de oportunistas e de gente sem escrúpulos e que ainda por cima foram corrompendo alguns mais puros que lá estavam.
Com a democracia solidificaram-se os aparelhos partidários e as preocupações dos seus membros passaram a ser essencialmente de conservação e defesa das posições adquiridas e transmitidas segundo regras que eles foram manipulando. O essencial passou a ser estar no momento certo, no lugar certo, com a teia de relações adequadas para beneficiar da ocasião.
Se os partidos políticos, tão essenciais num regime democrático, deveriam estar abertos e serem receptivos à participação daqueles que assumam a defesa dos seus valores fundamentais, como será que se consegue isso sem que invejas, desconfianças, vaidades venham ao de cima e sem que se possam defender dos oportunistas que aderem no momento mais apropriado aos seus interesses?
As motivações pessoais são no geral legítimas. É muito complicado definir aquelas que se não enquadram dentro dos princípios defendidos por um dado partido político? Pode-se recusar a participação política de alguém que é ambicioso? Tal não pode servir de desculpa para que os partidos estejam na prática fechados. Por sua vez a opinião pública não mostra ter critérios precisos para definir quem deve exercer cargos públicos.
Muita da aversão que os políticos criam na população em geral deriva da barreira que se estabelece à entrada nos partidos políticos. As pessoas desconfiam do que se passa no interior dos partidos e preferem políticos desbocados, anti-sistema, tipo “que põem tudo em pratos limpos” mesmo que sejam corruptos. Quem se queira ter uma honesta intervenção política terá que ter motivações muito fortes, para se não deixar enredar em esquemas pré-concebidos.
Por mais contraditório que possa parecer, a opinião pública acolhe os políticos pela retórica e não pela ética, pela qualidade técnica, pelo profissionalismo. Os políticos referem-se às qualidades que não têm, sentimentos que não partilham, virtudes que não cultivam, é igual. As pessoas apreciam-lhes um certo ar de intelectuais que sobrevoam superiormente o nosso pobre mundo.