sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Não será também a ganância um pecado capital?

Os teólogos católicos que se debruçaram sobre este tema dos pecados, e de que conhecem opiniões, elaboraram uma lista de sete com poucas diferenças entre si. Os nomes talvez variem somente em função da época em que viveram e das circunstâncias que os rodeavam. Nas três principais dessas listas surge a Vaidade (2), Orgulho ou Soberba, a Inveja (2), a Ira (3), a Preguiça (2) ou Melancolia, a Avareza (3), a Gula (3) e a Luxúria (3).
Se de seis dos pecados se pode dizer que são os extremos do mesmo defeito humano que falta definir, porque será que a preguiça corre sozinha? A mesma força que determina o sermos vaidosos parece ser a mesma que impulsiona os invejosos. Também a gula e a luxúria parece terem a mesma raiz. A avareza está na mesma linha da ira. A preguiça está aqui sem companhia e não há dúvida de que ela é característica de uma realidade de certo modo estagnada.
Faltará acrescentar mais um pecado porque haverá uma força que não dá só preguiça, caso contrário, todos estaríamos para aí inclinados. No mundo actual podem-nos acusar de tudo menos de preguiçosos, que os há também principalmente se subsidiados. Cada vez é dada maior importância à ambição mas há quem se empenhe para além do que seria razoável em ver crescer o seu património pessoal. É o açambarcamento excessivo de bens.
Se eu fosse teólogo, e tivesse a preocupação social que hoje se impõe, concluiria que esse comportamento é gravemente lesivo do equilíbrio social. É natural que em tempos que já lá vão só se reparasse na falta de mão-de-obra e se subestimasse a ganância. Mas hoje, embora seja ainda complicado, já será possível definir um ponto a partir do qual toda a ambição é desmedida e toda a apropriação excessiva é pecaminosa.
Mesmo sem constituir um pecado mortal estabelecido nos cânones da religião, a ganância era no entanto um dos comportamentos humanos que há uns anos atrás mais chocava as pessoas. Infelizmente parece ser mal que se terá espalhado tanto que deixou de ser mal visto. Pelo contrário há já forças que acham a ganância tão importante para a economia como o é a produtividade.
Se houver empenho numa participação equilibrada da grande maioria da população na vida da comunidade não serão as grandes ambições pessoais que vão constituir a alavanca necessária para o desenvolvimento. O facto de haver hoje uma avidez desmedida, uma sofreguidão insaciável não é um sinal da força mas da fraqueza de uma sociedade com uma enorme desigualdade.
O ganancioso é um açambarcador sem escrúpulos que até pode ser bastante austero no gasto, ou pródigo na caridade, não sofrer de qualquer outro defeito, mas que tem um prazer especial em acumular de modo amoral bens, independentemente do seu usufruto. É sempre um indivíduo com poder bastante para colocar outros a amealhar para si.
Um movimento no sentido de tornar menor a apetência das pessoas por se apropriarem em excesso, isto é, gananciosamente, daquilo que lhes está à mão, porque ninguém pode ser dono absoluto de nada, seria bem-vindo, mas creio que, mesmo com os altos patrocínios que se lhe referem, esta causa não alcançará facilmente os seus objectivos.
Já muitas personalidades se referiram aos altos proventos dos gestores de topo em todo o mundo, questão que em Portugal assume um aspecto mais escandaloso dada a disparidades de rendimento. Cavaco Silva já a vai abordando com certa persistência em sucessivas ocasiões parecendo estar decidido a manter o assunto na agenda política até uma melhoria na situação.
Mas foi José Sócrates que identificou claramente o vírus provocador, a ganância, só que não chega, ficamos com a questão no domínio da ética. É necessário que na economia se diga que a ganância não faz qualquer falta, que as pessoas podem trabalhar com afinco e determinação quando têm outros valores como seus guias. Muitas vezes até o ganancioso, com o objectivo de controlar tudo, excede-se no esforço pessoal e não deixa lugar para outros.
Estamos no domínio do rendimento pessoais mas também valeria para as empresas que, com o fim de obter lucros desmedidos, exploram as condições de dependência do cliente em relação a si para o explorarem quanto podem. Aqui ganham os gestores mas também os sócios ou accionistas. As desculpas com a necessidade de serem empresas competitivas, de se defenderem da aquisição por estrangeiros, ainda mais vorazes do que elas, não as eximem de culpa.
Se mesmo na gestão das empresas as qualidades humanas dos seus gestores são importantes para determinar um comportamento social digno, é no benefício pessoal que aí possa ser auferido que reside a incoerência com o fim social da propriedade defendido por qualquer pessoa honesta. O aspecto pessoal é assim o mais indecoroso, desleal, pecaminoso em qualquer perspectiva ética. Impõe-se que se avance no sentido de sermos mais comedidos e solidários.