Não podemos sobrestimar o medo e deixarmo-nos dominar por ele, nem subestimá-lo e negligenciar a sua força. É-nos exigida uma clara noção do que é isso afinal do medo, bem como do nosso enquadramento na realidade para que o medo permaneça de certo modo sob o nosso domínio. O medo resulta sempre de um desfasamento real ou imaginado em relação à realidade.
O medo chega até nós directamente ou trazido por alguém que o sente mais do que nós. Nós podemos não estar a levar a sério os perigos que a realidade comporta. Mas o medo pode ser acentuado indevidamente por quem dele pensa beneficiar através do domínio exercido sobre os outros. Muitas pessoas colocam-se do lado do medo, outras são preparadas pela família e pela sociedade para viverem desse mesmo lado, outros viciam-se nessa vivência em que o medo se exerce sobre os outros e nunca sobre si próprias.
Nem sempre é realista colocarmo-nos ao lado do medo, nem será possível durante muito tempo porque o medo muda mais depressa do que nós. A apatia, a falta de reacção que se junta à falta de iniciativa são atitudes de quem sente o medo e se não sente capaz de o acompanhar. Por seu lado a temeridade, a atitude de quem se coloca à frente do medo, para lá dele, e é mesmo capaz de assumir atitudes provocatórias, não é razoável.
O medo é o maior parceiro da nossa vida, que devemos querer bem perto de nós, que nos acompanha incessantemente, sublimado ou não, intelectualizado ou incrustado no nosso sistema nervoso, nas reacções primárias que já tomamos como congénitas. A nossa preocupação deve ser de vivê-lo naturalmente, sem pânico e sem desprezo, porque o medo, e o estado de alerta que lhe corresponde, são a forma mais sensata de estar na vida e em consonância com a realidade.
Estudar o medo é estudar as reacções a que ele dá origem porque se não há reacção é porque o nosso estado de alerta o não detectou e possivelmente ele não existe. O pior que nos pode acontecer é criar medo artificial ou não ser sensível às suas manifestações reais. Temos porém de ser muito mais confiantes nos nossos filtros do medo do que nos das outras pessoas.
A forma mais desagradável do medo é a personificada por uma ou mais personagens hostis que não conseguimos localizar no seu devido tempo. Podem suceder-se ou manifestar-se em simultâneo criando uma barreira inultrapassável, incompreensível e inacessível que nos persegue. Temos de ter consciência de que estas situações extremas já ocorreram, recriam-se em filme e esporadicamente ocorrem ainda na realidade e são profundamente traumatizantes.
Se necessitamos de filtrar o medo, não podemos fugir a ele. Criar novos contextos, localizarmo-nos noutras situações, esquecermo-lo, pode não constituir a melhor forma de o suplantarmos. Se o medo se mantém omnipresente é porque já o interiorizamos, sabendo-o ou não, não o conseguimos entender e passamos a ter que o aceitar na sua brutalidade. Só através da compreensão do contexto em que o adquirimos pode levar ao seu melhor tratamento e a uma diferente interiorização.
Vivemos numa sociedade que sempre conviveu com o medo e em que o medo era preferencialmente induzido na infância pela família e depois pelo relacionamento social e pelo Estado. A indução do medo era a forma mais eficaz de condicionamento social, de socialização, de educação. Com ele procurava-se evitar a conflitualidade social, limitar a agressividade, criar expectativas idênticas ao mais vasto grupo constitutivo da sociedade.
Hoje torna-se inconcebível que os medos se destinem a uma camada social em particular. Hoje a educação pretende-se igualitária, de modo que a inserção na sociedade seja a resultante de um aproveitamento das mesmas oportunidades por todos. Na realidade nem estas oportunidades são iguais nem o seu aproveitamento pode ser o mesmo com tão diferentes circunstâncias que podem estar no seu antecedente.
Nunca houve uma tão grande diferenciação social, com muitas mais camadas sociais e muito menos distanciamento entre elas, seja em quantidade seja em rendimentos, seja em preparação técnica e humana. Nunca o medo foi tão difícil de induzir porque a receptividade é cada vez mais selectiva. Por isso a procura que insistentemente se faz de outros métodos de educação destinados a diminuir uma agressividade que tem manifestações cada vez mais brutais.
A ausência do medo é considerada uma grave anomalia na formação da personalidade dos indivíduos. Quando um indivíduo já está impermeabilizado em relação ao medo corre o grave perigo de, à falta de uma formação adequada, seguir por caminhos menos adequados. Os temerários que não têm formação chamam normalmente cobardes àqueles que não assumem as suas posições da mesma maneira pretensamente destemida.
O simples facto de não partilhamos os medos uns dos outros é suficiente para que uns se sintam como não vivendo em mundos iguais ou semelhantes ao mundo dos outros. O desenraizamento que podemos experimentar, a estranheza que os outros nos podem provocar deriva de não vivermos os mesmos medos, de não lhes darmos a mesma importância relativa.
Cada geração tem os seus medos e o papel das gerações mais velhas deveria ser não incutir medos antigos mas procurar saber de que medos são agora os jovens portadores. Se nós conseguíssemos transmitir aos filhos os medos que nos manietam poderíamos conseguir estabilizar a civilização mas decerto penalizaríamos o progresso. O que ganhamos nós com que Salazar o tivesse conseguido durante mais de quarenta anos?
O medo chega até nós directamente ou trazido por alguém que o sente mais do que nós. Nós podemos não estar a levar a sério os perigos que a realidade comporta. Mas o medo pode ser acentuado indevidamente por quem dele pensa beneficiar através do domínio exercido sobre os outros. Muitas pessoas colocam-se do lado do medo, outras são preparadas pela família e pela sociedade para viverem desse mesmo lado, outros viciam-se nessa vivência em que o medo se exerce sobre os outros e nunca sobre si próprias.
Nem sempre é realista colocarmo-nos ao lado do medo, nem será possível durante muito tempo porque o medo muda mais depressa do que nós. A apatia, a falta de reacção que se junta à falta de iniciativa são atitudes de quem sente o medo e se não sente capaz de o acompanhar. Por seu lado a temeridade, a atitude de quem se coloca à frente do medo, para lá dele, e é mesmo capaz de assumir atitudes provocatórias, não é razoável.
O medo é o maior parceiro da nossa vida, que devemos querer bem perto de nós, que nos acompanha incessantemente, sublimado ou não, intelectualizado ou incrustado no nosso sistema nervoso, nas reacções primárias que já tomamos como congénitas. A nossa preocupação deve ser de vivê-lo naturalmente, sem pânico e sem desprezo, porque o medo, e o estado de alerta que lhe corresponde, são a forma mais sensata de estar na vida e em consonância com a realidade.
Estudar o medo é estudar as reacções a que ele dá origem porque se não há reacção é porque o nosso estado de alerta o não detectou e possivelmente ele não existe. O pior que nos pode acontecer é criar medo artificial ou não ser sensível às suas manifestações reais. Temos porém de ser muito mais confiantes nos nossos filtros do medo do que nos das outras pessoas.
A forma mais desagradável do medo é a personificada por uma ou mais personagens hostis que não conseguimos localizar no seu devido tempo. Podem suceder-se ou manifestar-se em simultâneo criando uma barreira inultrapassável, incompreensível e inacessível que nos persegue. Temos de ter consciência de que estas situações extremas já ocorreram, recriam-se em filme e esporadicamente ocorrem ainda na realidade e são profundamente traumatizantes.
Se necessitamos de filtrar o medo, não podemos fugir a ele. Criar novos contextos, localizarmo-nos noutras situações, esquecermo-lo, pode não constituir a melhor forma de o suplantarmos. Se o medo se mantém omnipresente é porque já o interiorizamos, sabendo-o ou não, não o conseguimos entender e passamos a ter que o aceitar na sua brutalidade. Só através da compreensão do contexto em que o adquirimos pode levar ao seu melhor tratamento e a uma diferente interiorização.
Vivemos numa sociedade que sempre conviveu com o medo e em que o medo era preferencialmente induzido na infância pela família e depois pelo relacionamento social e pelo Estado. A indução do medo era a forma mais eficaz de condicionamento social, de socialização, de educação. Com ele procurava-se evitar a conflitualidade social, limitar a agressividade, criar expectativas idênticas ao mais vasto grupo constitutivo da sociedade.
Hoje torna-se inconcebível que os medos se destinem a uma camada social em particular. Hoje a educação pretende-se igualitária, de modo que a inserção na sociedade seja a resultante de um aproveitamento das mesmas oportunidades por todos. Na realidade nem estas oportunidades são iguais nem o seu aproveitamento pode ser o mesmo com tão diferentes circunstâncias que podem estar no seu antecedente.
Nunca houve uma tão grande diferenciação social, com muitas mais camadas sociais e muito menos distanciamento entre elas, seja em quantidade seja em rendimentos, seja em preparação técnica e humana. Nunca o medo foi tão difícil de induzir porque a receptividade é cada vez mais selectiva. Por isso a procura que insistentemente se faz de outros métodos de educação destinados a diminuir uma agressividade que tem manifestações cada vez mais brutais.
A ausência do medo é considerada uma grave anomalia na formação da personalidade dos indivíduos. Quando um indivíduo já está impermeabilizado em relação ao medo corre o grave perigo de, à falta de uma formação adequada, seguir por caminhos menos adequados. Os temerários que não têm formação chamam normalmente cobardes àqueles que não assumem as suas posições da mesma maneira pretensamente destemida.
O simples facto de não partilhamos os medos uns dos outros é suficiente para que uns se sintam como não vivendo em mundos iguais ou semelhantes ao mundo dos outros. O desenraizamento que podemos experimentar, a estranheza que os outros nos podem provocar deriva de não vivermos os mesmos medos, de não lhes darmos a mesma importância relativa.
Cada geração tem os seus medos e o papel das gerações mais velhas deveria ser não incutir medos antigos mas procurar saber de que medos são agora os jovens portadores. Se nós conseguíssemos transmitir aos filhos os medos que nos manietam poderíamos conseguir estabilizar a civilização mas decerto penalizaríamos o progresso. O que ganhamos nós com que Salazar o tivesse conseguido durante mais de quarenta anos?