sexta-feira, 30 de julho de 2010

O murete da vergonha

A Câmara Municipal de Ponte de Lima entendeu construir, sem adoptar qualquer procedimento legal, um murete que barbaramente intersecta a Ponte Medieval. Alguém diz que será despicienda a opinião de uns tantos curiosos, entre os quais me posso incluir. Se a questão extravasa em muito a nossa competência, a ponte é um monumento nacional, ela fere a nossa sensibilidade e temos todo o direito de o manifestar. O facto de haver autoridades competentes para fiscalizar actos desta natureza não proíbe as chamadas forças de bloqueio de chamarem a atenção para os mesmos. Além disso quem pretender produzir efeitos políticos está no seu pleníssimo direito. As forças de bloqueio que pretendem bloquear a crítica é que não são aceitáveis, antes desprezíveis.
Quando pretendemos discorrer sobre a actividade pública devemos ser indiferentes a causar ou não prejuízo ao poder instituído. Estando numa sociedade livre, não necessitamos de recorrer a subterfúgios. Aliás devemos ser claros e manifestarmos com frontalidade a nossa oposição, quando for caso disso. Um assunto da importância deste murete merece um reparo em forma ao que tentaram fazer ou, para quem o entenda fazer, um aplauso àquilo que ia ser feito. É a imagem da Vila que está em causa, como Vila respeitadora do seu próprio património ou como Vila que está disposta a pôr em causa todo o seu passado para encontrar soluções para os problemas do presente.
Também concordemos em que um acto praticado por um edil camarário não tem a natureza doutro acto praticado por um varredor ou por um feirante. Um vereador pode e deve ser mais responsável e por esse motivo é natural que se sujeite a ataques mais virulentos. Venham ou não esses ataques na sequência de outros, para quem não está interessado em jogos políticos, cada acto tem que ser visto pelo seu próprio valor. Se houver quem pense que actos destes são suficientes para justificar a perca de um mandato também está no seu direito, afinal atrás deste erro outro virá, não estamos perante pessoas que facilmente enveredem por outro caminho, que tenham a humildade suficiente para recuar.
O murete é da responsabilidade de quem o mandou executar, mas também de quem estes anos todos se tem calado perante a criação de um poder quase absoluto. Podemos dizer que nada acontece por acaso, antes tem uma lógica própria. Mas a responsabilidade pelo murete também é do arquitecto, do engenheiro ou doutro qualquer técnico que tenha elaborado o projecto para o arranjo urbanístico que envolve a Ponte Medieval. No entanto não esperemos que haja projecto nem que a Câmara explique o seu modo de tomar decisões e os métodos adoptados na sua acção. A Lei já não é muito exigente para os autarcas e estes desprezam as forças de bloqueio.
A questão do murete tem repercussões que vão muito para além da efémera vida de todos nós. Mais de seiscentos anos contemplam aquelas pedras e deveríamos ter um maior respeito para com elas. Sempre se permitiu que lá cravassem espias e segurassem cordas das tendas dos feirantes, mas nunca ninguém se achou ofendido. Porém ao surgirem uns buracos feitos por feirantes nas pedras novas do chão da Alameda de S. João logo se manifestou a justa indignação. É gente que só sabe olhar para o chão, assim olhasse também para o ar e para as barbaridades que gente com mais responsabilidade vai executando.
A questão do murete é de uma gravidade inqualificável e não faz da Câmara vítima senão de si própria. É uma vergonha que pretendam atribuir a quem faz críticas à Câmara o epíteto de marginal que vegeta ou de possuidor de uma tara persecutória, qual atento caçador de imperfeições. A Câmara tem beneficiado todos estes anos da falta de civismo, de uma anestesia colectiva, de uma propaganda que avassala a oposição. A Câmara tem todo o direito de querer tirar proveito dos erros dos seus adversários, mas não se pode melindrar por estes quererem tirar as suas ilações das suas próprias asneiras.
Ninguém elege um Câmara para que os seus membros façam o que lhes dá na real gana, assim como a oposição não existe para vegetar. Afinal todos temos de nos justificar permanentemente. Isso é muito mais importante do que andar a criticar o comportamento alheio, muito menos com a leviandade com que muitos o fazem. Todas as ofensas gratuitas a quem detém o poder ou a quem diverge da opinião do “senhor” são de rejeitar pelas mentes sadias que não aceitam forças de bloqueio costumeiras ou não, de qualquer natureza. Esta de começar qualquer defesa com um ataque usando terminologia assassina é deplorável.
Não podemos em simultâneo dizer que há razões para critica, mas que não há o direito de criticar. A critica é mesmo uma busca permanente e a sensibilidade apura-se com o tempo, mas não o deixando passar acriticamente. Nem todos podemos aprender fazendo, pelo que a maioria tem que aprender criticando. E mesmo quem faz deve ser o seu primeiro crítico. Não há pessoas infalíveis, muito menos aquelas que não tem qualquer preparação técnica para decidir. No caso da actuação das nossas autarquias todos gostaríamos de não ter grandes críticas a fazer. Mas a modéstia também não ficaria nada mal nos autarcas.
Eu assumo ser daqueles que fazem críticas permanentemente. Mas faço-o, não a visar as pessoas, mas essencialmente os métodos. Quando estes não são os indicados levam quase sempre a resultados desastrosos. Se as pessoas são atingidas, são-no de forma indirecta, mas isso será inevitável. Mas isso também só acontece porque o dar demasiado poder a uma pessoa é daqueles métodos que quase sempre leva ao desastre. As coisas tornam-se ainda mais graves quando as pessoas têm experiência do exercício dum poder autoritário, mas não têm experiência de um método democrático de tomada de decisões.
O autoritarismo é um vício, mas essencialmente uma falta de método. Quem age de modo arbitrário não é necessariamente para ter gozo nisso, antes é por uma limitação qualquer, diferente da mera falta de discernimento. Acontece que quem sobe demasiado alto para as suas possibilidades se sente deslumbrado e ofuscado por tanta luz. A imodéstia não é boa conselheira. A frontalidade e a verticalidade não abundam no meio e por esse motivo muitos se sentem desresponsabilizados de as assumir. Uma opinião pública sadia exigiria muito mais.

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