sexta-feira, 23 de julho de 2010

A necessidade de uma nova aliança

Desde Marx que se passou a pensar ser a história humana uma luta entre o trabalho e os detentores dos meios de produção, os possuidores do capital. Estes, independentemente da sua origem, encontraram sempre várias maneiras de justificar a sua posse, para além da primordial violência. Além disso os capitalistas sempre se viram a si próprios como iguais, mas na realidade são cada vez mais evidentes as diferenças entre as várias formas possíveis de utilizar o capital, cada vez mais nítido o papel de cada um no chamado mercado.
Já tem surgido conflitos entre as várias formas de ser capitalista, mas não de forma suficiente para criar uma separação esclarecedora que seria benéfica para aqueles que vêm no capital uma forma de promover o desenvolvimento a favor de toda a sociedade. Esta situação coloca novos problemas do lado do trabalho, hoje mais consciente de que necessita de uma aliança com o capital inovador e promotor de iniciativas empresariais, mas que não pode deixar que o limitem a mais uma força do mercado. O trabalho é a razão de todo o valor.
Tradicionalmente os que estavam do lado do trabalho sempre viram no capital uma forma de exploração e procuraram obstar a ela, em especial aqueles que não tinham quaisquer meios de subsistência. O objectivo último dos trabalhadores, definido pelos teóricos marxistas, seria organizarem-se para produzir só para si e para a sociedade e não para sustentar classes parasitárias ou para a acumulação capitalista. Entretanto todas as tentativas feitas para concretizar essa ideia falharam.
Anteriormente à industrialização, nas sociedades tradicionais, praticamente não havia acumulação porque os bens tinham uma renda garantida, mas não a suficiente para permitir a aquisição de outros bens. A riqueza fundiária adquiria-se pela violência e não pela compra. Só as sociedades mais ricas conseguiram uma razoável acumulação nessa era pré-industrial. Isto permitiu-lhes obras grandiosas, mas que não produziam quaisquer rendas aos seus promotores.
A acumulação capitalista é característica da sociedade industrial, o que pressupõe que a subsistência é garantida por um número limitado de pessoas, disponibilizando-se assim uma reserva de mão de obra para produzir outros bens e uns tantos fora desse espaço de necessidade, que puderam mesmo prescindir da renda de bens fundiários e se assenhoram da mais valia incorporada nos bens produzidos pela máquina industrial, em última instancia à custa do trabalho.
Parte do valor dessa mais valia conseguida na produção é usada pelos capitalistas na sua subsistência, no supérfluo e outra parte na aquisição de novos bens rentáveis, num processo de acumulação sucessiva. Se este tipo de desenvolvimento capitalista até levou à melhoria das condições de vida dos trabalhadores, mais levou à melhoria de vida dos capitalistas e a uma acumulação extraordinária de capital, como nunca antes se vira.
O aumento do capital levou também a uma disponibilidade deste para fins não produtivos e à alteração da natureza das crises próprias do capitalismo. Nos primórdios do marxismo haviam crises na economia quando havia excessos de produção para a capacidade aquisitiva. Neste estado de maturação do capitalismo as crises derivam do inverso, da inexistência de bens produtivos em que seja possível aplicar todo o capital acumulado.
O sistema financeiro bem procura inventar aplicações para o dinheiro existente, retirando-se do seu papel de intermediário activo para um papel passivo, para não ter responsabilidades directas. Cada vez mais o sistema financeiro alicia as pessoas para aplicações em fundos constituídos por títulos de divida doutras instituições, acções e produtos de que não pode garantir a rentabilidade, deixando assim quem aplica o dinheiro a ver o seu valor dependente directamente de factores estranhos à acção do próprio intermediário.
O actual sistema capitalista está orientado para a rentabilidade abstracta, se assim se pode dizer, do dinheiro e não para a rentabilidade do trabalho e do capital que nele investe, o capital industrial. Durante um certo tempo isso foi possível, porém com o tempo foram enxugando os meios de obter a rentabilidade necessária para que se possa dizer que vai conseguindo obter os seus objectivos de modo não fraudulento. Na verdade não é credível que todos consigam aceder aos produtos que dêem rentabilidade. Também por isso o ataque às dividas soberanas porque essa é uma forma de obter alguma rentabilidade extra, emprestando dinheiro a Países em estado de necessidade.
Se um País não pode emitir moeda, ou se, mesmo podendo, tem uma dívida contraída em moeda estrangeira, tem dificuldade em recorrer a empréstimos para suprir as suas carências e torna-se vulnerável à chantagem destinada a aumentar a rentabilidade do dinheiro. Os Estados deixaram de poder recorrer à guerra para se financiarem ou para anular as suas dívidas. Os Estados ainda não sabem lidar com esta poderosa força que é o dinheiro sem dono visível.
Nos domínios da economia o capital financeiro tem grande mobilidade e tem uma circulação cada vez mais livre em todo o mundo. Por sua vez o capital industrial está cada vez mais prisioneiro e ainda passou a ter que suportar parte dos rendimentos do capital financeiro. O capital industrial está limitado a repercutir os seus custos sobre os preços dos seus produtos e/ou sobre os preços do trabalho e por isso só tem como saída a deslocalização, à procura de mais fácil produção. Por vezes até parece que, na sua voracidade incontrolada, o capital financeiro vai matar o capital industrial.
O trabalho tem que procurar novas alianças com o capital com cara e com nome, que reconhece o seu valor, pese embora muitas vezes a cara que apresenta não seja muito apropriada e o nome levante muitas dúvidas. Essas alianças só serão possíveis porque parte do capital, o capital industrial e aquele que está repartido pelas classes intermédias, já é vítima da voracidade do capital financeiro que está na mão dos que manobram os cordéis do sistema. Este já consegue causar prejuízos àqueles. Os Estados não têm que se preocupar com a rentabilidade de um capital abstracto, antes tem que definir estratégias que associem o trabalho e o capital industrial na construção do futuro.

Sem comentários: