sexta-feira, 2 de julho de 2010

O drama do desemprego em tempo de globalização

A substituição do trabalho humano pela força motriz no séc. XVIII e pela robótica no séc. XX foram processos que encheram de inquietação os trabalhadores, mas que a sociedade ocidental foi resolvendo sem grandes sobressaltos. Se uns até pensaram que a motorização e a automação iriam retirar ao homem o trabalho, libertando-o, outros alertaram para que a falta de postos de trabalho humano não seria uma benesse, mas antes um problema por contribuir para retirar dignidade ao homem.
Situação como aquela que se previu nessas ocasiões surgiu agora, não pelas vias mencionadas, que são etapas já assimiladas pela economia, antes por efeito de uma nova divisão internacional do trabalho resultado da globalização que fez transitar as indústrias de trabalho intensivo para países com uma população a viver ainda fora da economia mercantil.
A globalização foi aceite por todos por razões diversas. Uns pensaram que seria maneira de aumentar o seu mercado. Outros pensaram que seria a ocasião ideal para sermos solidários. Outros ainda agiram por razões políticas e que esta seria a melhor maneira de imprimir à política um caris de pensamento único. A verdade é que se entrou num caminho sem retrocesso e que a vozes dos chauvinistas se perdem cada vez mais.
Que a globalização traria desemprego era coisa também esperada. Que este problema assumisse o carácter de crise não estava na mente de todos. Porém alguns já a tinham por inevitável. Só não previram talvez que a crise fosse tão complexa. A forma pela qual os Estados nela estão envolvidos é nova e não tem soluções imediatas. Os Estados tidos até agora por garantes, passaram a devedores. Sucedeu agora uma imposição de adaptação a mudanças rápidas para as quais não estávamos preparados.
De repente uma direita estúpida, cretina mesmo, passou a chamar de malandros, parasitas a todos aqueles a quem a possibilidade de trabalhar não é dada. Acima de tudo uma parte substancial da população, sem qualquer culpa na situação de desemprego em que está, é misturada com franjas avessas ao trabalho. Hipocritamente a direita dirá que quem não deve não teme, que só se sente quem tem culpas, mas os efeitos perversos que pretende atingir com essa retórica repulsiva é a depreciação do trabalho, a tentativa de forçar a disponibilidade para trabalhar a quaisquer preço e em quaisquer condições.
Não é tolerável aos espíritos sãos, que se não deixam subornar pelas ideias provenientes de mentes perversas, que perante uma situação de desemprego continuado que se prevê vá perdurar durante muito tempo, se continue a insultar aqueles que reivindicam o direito a um trabalho digno. A ânsia capitalista de rentabilizar o dinheiro não procura novas bases económicas., tão só se vira para os velhos métodos de drenagem dos rendimentos de trabalho.
A excessiva acumulação capitalista e a diminuição dos juros levaram a um estado de esquizofrenia. Há um imenso capital a remunerar e não há criação de rendimentos suficientes para isso. Aumenta a pressão sobre o trabalho como fonte última e mais segura de produção de rendimentos. A descoberta de que o sistema capitalista pode gerar dinheiro sem ser a partir do trabalho saldou-se por um desastre ao levar o capital a devorar a sua própria cauda.
O sistema capitalista consegue fazer transitar de mãos para mãos avultadas verbas. Os lucros a que esses movimentos dão origem têm que vir de algum sistema produtivo ou em alternativa alguém terá que os perder. No fundo parece ser um procedimento suicida para o sistema, mas que é benéfico para alguém que individualmente o manipula. A função social do dinheiro não passa pela especulação, mas esta instalou-se como procedimento inultrapassável. No entanto a ambição máxima do capital é obter uma renda.
A economia mercantil libertou o capital e o trabalho em simultâneo. O dinheiro tornou-se essencial para pagar o trabalho, o que não acontecia com a renda. A economia capitalista veio a instituir a supremacia do capital financeiro sobre outras formas de capital menos móvel e por arrastamento sobre o trabalho. No entanto as várias formas de capital ainda se digladiam par obter o seu quinhão de rendimento. O trabalho libertou-se da renda exigida pelo capital fundiário para se subordinar directamente ao capital e à sua política de desemprego. Os trabalhadores pagavam a renda em espécie e eram pouco mais do que escravos. Agora recebem o salário em dinheiro, mas sem qualquer garantia de futuro.
A globalização é o tempo do capital financeiro e da subalternização absoluta do trabalho. Subitamente este ficou sem interlocutor identificado, visível, unitário. Sabia-se quem era o proprietário do capital fundiário, do capital industrial sob os seus vários modos, mas já não se conhecem os novos proprietários, os donos vagamente identificados ou as incógnitas do capital financeiro. O trabalho é cada vez mais pressionado sem que a direita, que ajuda a fazê-lo, e pensa ainda em termos de renda, saiba ao certo para quem ela própria trabalha.
Já que não podemos regressar aos velhos nacionalismos, e ainda bem, exige-se de nós uma atitude patriótica de defesa do nosso trabalho, da sua valorização, porque o capital já não é nosso. Só que não podemos esperar que o capital financeiro se condoa com a nossa situação e nos permita ter os postos de trabalho de que necessitamos. Para o trabalho era imensamente mais fácil lidar com o capital industrial, que tinha rosto. Agora não sabemos a quem nos dirigir, a quem nos queixarmos. A verdade é que antes nos querem no desemprego que a trabalhar por valores que, por via da nova divisão internacional do trabalho e da avidez do capital, se tornaram excessivos.

Sem comentários: