sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Tudo tem um preço, menos a honra?

Tudo tem um preço, menos a honra, afirmou-o há tempos uma capitalista de referência da nossa praça. Tal sentença era a propósito da venda da já de todos nós conhecida a Brasileira Vivo pela Portuguesa PT à Espanhola Telefónica. Nesta triangulação transatlântica havia interesses, influências que estavam em jogo, bens presentes e futuros, talvez ainda não descobertos. A Vivo em si mesmo era um bem material, sujeito a cálculo de valorização, mas a que a nossa subjectividade de curiosos dá um valor acrescido. Merecia um preço.
No entanto aquela afirmação peremptória de quem tanto sabe do mundo e dos negócios também se podia referir ao negócio do abate dos sobreiros da Herdade da Vargem Fresca, às influências que valem negócios e aos negócios que só se alcançam comprando consciências. Cada um que calcule os riscos em que incorre e avalie o que fará dos seus conhecimentos e das influências que pode disponibilizar, que sempre será bom fazê-lo a troco de alguma paga por parte de quem queira fazer negócios. Há quem viva disso e não seja criminoso.
Por suborno, corrupção e outros qualificativos afins se designa o preço que é pago no mundo dos negócios a quem não se dão credencias para participar. Há quem não mereça um preço só por ser marginal. Mas mesmo a esses muitas vezes se tem que atribuir um preço. Não é a subjectividade dos elementos de valor dum negócio nem o desconhecimento da existência de alguns outros elementos ocultos que permitem que muitas pessoas vejam em tudo indícios de suborno e corrupção. Quando o espírito persecutório monta arraiais é difícil discernir nesse nevoeiro.
No caso em apreço não se terão levantado suspeitas deste tipo, mas, à falta doutro tema, pretende-se inocular na questão o vírus da incoerência. Recordemos que o preço da Vivo atingiu antes o valor que a maioria dos accionistas da PT acharam justo e assim estes se disponibilizaram a vender. Só o malvado Estado se interpôs e a oposição ao Estado e a oposição ao Governo aliaram-se a contestarem procedimentos e decisões. A Direita acha que há Estado a mais, a Esquerda (dita) acha que há Governo a mais, que o Estado, esse é pequeno, não dá suporte à ditadura do proletariado.
O negócio da venda da Vivo veio a desenvolver-se noutros moldes, com mais proveito económico para os accionistas da PT e com mais proveito estratégico para a Administração. A PT pôde negociar paralelamente a entrada no capital doutro operador de comunicações do Brasil com um perfil mais próximo do seu e com possibilidades de desenvolvimento a que a PT dará decerto um contributo maior. Este negócio, assim formatado, foi manifestamente melhor, só por evidente má fé poderá ser desvalorizado.
Pois caiu o Carmo e a Trindade, que afinal o Governo foi incoerente, cedeu, aceitou um negócio em tudo semelhante ao que antes havia rejeitado. Para estes políticos esta retórica é indispensável, sabendo eles que ela se desenvolve em circuito fechado, que só esporadicamente apanhará algum incauto. Estes políticos têm horror ao silêncio. Manifestar uma opinião é uma obrigação. Porém não vá haver más interpretações, o melhor é ser contra. Mas porquê?
A estratégia destes políticos é reduzir tudo a um nivelamento das responsabilidades, fazendo o Estado prisioneiro de processos que obedecem a uma coerência formal e permitindo que os particulares façam negócio utilizando os seus expeditos processos de compra e venda com realização imediata. Para eles quando o Estado rentabiliza um negócio não está a desempenhar as suas funções, quando visa dar mais poder aos centros de decisão cá sedeados ainda anda mais longe dessas suas funções mínimas.
Quando se não pode ser contra o conteúdo é-se contra a forma, mesmo quando nenhuma outra forma fosse capaz de garantir a obtenção dos mesmos resultados. Porém é vulgar ouvir certos políticos dizer que fariam o mesmo de modo diferente, o que é manifestamente impossível em processos negociais que nunca voltam à estaca zero e têm os seus ritmos e sequências. Porém quem têm fé pode sempre acreditar em que esse modo diferente de fazer seria melhor.
O farisaísmo, velha designação para aqueles que conseguem dar a ideia de um rigor que não é mais que aparente, é a qualidade mais cultivada nos dias de hoje por uma certa classe política que tem em Pacheco Pereira o seu ídolo mais destacado. Para esses políticos nos outros só existem graves incoerências, sendo eles de um rigor e de uma lisura a toda a prova, prova que porventura nunca lhes será dado fazer. A política, assim vista, quase não passa de um entretimento de quem vai dizendo para não estar calado, mas que irrita cada vez mais as pessoas e as não motiva à participação cívica e política.
Os jovens não compreendem as nuances que hoje se apresentam aos seus olhos, vêm que para seguir uma carreira política ou tão só para acompanhar a política se vêm remetidos para a manipulação de ideias de modo a tornar o seu discurso integrado na ordem do dia, o que muitas vezes não passa de uma verborreia sem sentido. A disciplina mental que muitos velhos se impõem para poderem dizer que mantêm uma coerência verbal não é sustentável na mente dos jovens que se sentem perdidos perante um futuro delineado por estes argonautas de bússola já avariada.
Os poucos jovens que se interessam pela política são hoje velhos nas ideias, na forma discursiva, na temática abordada. Parece que esgotados os temas ditos fracturantes como a homossexualidade, a sida, a droga, o preservativo, as relações sexuais livres, o divertimento, a noite, a mesada familiar, não há assuntos de interesse no horizonte. Outros assuntos perderam relevância porque só vinham á ribalta puxados por aqueles, como todas as causas humanitárias hoje quase esquecidas, senão viradas ao invés.
A juventude é uma imensidão de gente à deriva, que no geral sabe rejeitar o velho embora não faça nascer o novo. O futuro está armadilhado, mas não se lhe pode virar a cara. Até aqueles que enveredaram pelo negócio estão hoje sem rumo, num mundo em que as referências também se vão perdendo sem honra, que, ao contrário do que diz o chefe da estirpe mais antiga do nosso capitalismo, também tem um preço. Mesmo sem vender a honra é com dinheiro que se abafa a desonra própria.

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