sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A cultura, o dinheiro e a sua função social

São os factores culturais que determinam a nossa atitude perante o dinheiro, como parcela da riqueza ou isoladamente considerado. Esta atitude é mesmo parte integrante da nossa cultura e até a sua parte mais visível aos olhos do comum dos mortais. Cultura no sentido mais amplo, não sei se aceitam falar assim, que há quem atribua à cultura âmbitos bem restritos.
Uma pessoa pode saber tocar piano, falar fluentemente o francês, navegar sem sobressaltos na Internet, cultivar o gosto continuamente, ser culta a seu modo ou culta numa visão mais generosa mas menos formal, seja qual for a perspectiva pela qual veja o mundo, tem sempre o malvado dinheiro a condicionar-lhe as principais decisões e também a forma de dar e receber cultura.
No geral entende-se que uma pessoa culta convive bem com a riqueza e mal com o dinheiro. Havia mesmo a noção de que o homem culto estava tão bem para o ócio como o inculto para o negócio. O ócio pode ser cultivado pelo rico mas o negócio, a lida promíscua com o dinheiro, era deixada a quem, como modo de vida, se não importa de com ele se sujar, de quem quer enriquecer.
Porém hoje a cultura já é um mundo de trabalhos. São mais numerosos e importantes os trabalhadores da cultura que os cultos. O homem culto já é uma raridade em vias de extinção. Já ninguém se pode entregar tão levianamente como outrora ao ócio e o ocioso para ser culto tem que se dar a muito trabalho, a muito estudo. O homem da cultura já se encontra tão imiscuído na economia de mercado como qualquer outro e as suas atitudes não se diferenciam das do homem comum.
Assim, se outrora a riqueza era algo que livrava o homem culto de outros trabalhos, hoje integra-o no mundo mercantil. A diferença quanto à sua natureza entre riqueza e dinheiro é um preciosismo difícil de comprovar, um artifício mental para agradar ao espírito farisaico tão difundido na sociedade ocidental. O que interessa conhecer, não com espírito inquisitório, mas como necessidade evidente do saber, era a sua influência efectiva em quem o tem.
Está por determinar o efeito que o convívio com o dinheiro ou com a sua ausência produzirá no nosso restante posicionamento em relação ao usufruto da vida. Pressupondo que devemos manter uma relação pacífica com o dinheiro, estamos a reconhecer que ele nos afectará sempre, principalmente se o temos em excesso ou em claro desfavor. Se algumas das formas que em tempos se utilizavam para a acumulação de riqueza caíram em desuso, o dinheiro é hoje a forma mais universal, embora, como vamos ver não totalmente aceite.
Antes da nossa atitude para com o dinheiro está a nossa opção por uma determinada estruturação básica da sociedade. É com esta opção, apoiada na nossa cultura, que determinamos a forma de encarar a nossa integração na economia mercantil. Na diversidade das nossas atitudes chegar-nos-á destacar as quatro basilares que delimitam todas as outras.
Se a nossa cultura nos encaminha para o fundamentalismo moral então o dinheiro causar-nos-á aversão. Ele será a causa de todos os males, devido à qual sobressai a ganância, a avidez, a soberba, todos os sentimentos em que está presente um impulso irresistível, um desejo insaciável de posse. Sem dinheiro o mundo seria outro, bem melhor, entendem os que assim pensam.
Se a nossa cultura nos leva em sentido oposto em direcção ao fundamentalismo liberal então valorizamos tudo o que dá dinheiro e este como a fonte de toda a felicidade, de toda a satisfação. Através dele todos os bens são acessíveis e a ele se podem sacrificar todos os valores humanos. Se houver competição sem regras, capitalismo selvagem, tudo é relativizado. A posse do dinheiro tudo justifica e tudo garante, pensam os que adoptam esta posição.
Como posição intermédia num sentido mais economicista temos o liberalismo moderado que reconhece a utilidade do dinheiro e o avanço que constitui a economia mercantil. Se a posse do dinheiro é legítima, a sua utilização é muito mais do que isso, é meritória. O dinheiro posto à disposição da dinamização económica trará benefícios para todas as pessoas envolvidas, mas reconhece-se que não compra tudo, não deve ser usado indiscriminadamente em qualquer negócio. A economia deve estar ao serviço do homem, afirmam os seus adeptos.
Num outro sentido, mais humanista e como posição intermédia entre os extremos, temos na outra ponta do quadrilátero aquela posição que, um pouco impropriamente, se pode chamar de socialismo moderado. Efectivamente o socialismo começou por se identificar com a primeira posição extremista e tem evoluído para uma posição mais liberal. Mas realça ainda o papel do Estado como estruturador das relações económicas, moderador e corrector dos desvios que possam ocorrer.
O dinheiro é inevitável mas não pode modelar com ele todas as relações entre as pessoas. A acumulação de capital é necessária mas não deve ser utilizada em prejuízo da sociedade. A usura deve ser combativa e a especulação controlada. O Estado deve ter os meios suficientes para que a solidariedade seja, com todos os defeitos que possa ter, exercida quando o não pode ser por outro meio. Em suma, na posse do Estado ou de particulares, o dinheiro deve executar a sua função social, pensam os defensores deste ponto de vista.

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