sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A natureza das crises na economia de hoje

Qualquer bem só existe para a economia se for vendável, se houver alguém pronto a atribuir-lhe valor. A economia começou pela troca directa de bens assente na base de que alguém estava disposto a prescindir de alguns deles para adquirir outros que lhe faziam mais falta. Depois começou-se a produzir propositadamente mais do que aquilo de que se necessitava com o objectivo de que o excedente pudesse assim ser trocado.
Mas o aumento do tamanho do negócio e o desfasamento temporal de cada um dos seus actos deu origem à necessidade de uma intermediação, de haver alguém disposto a tomar nas suas mãos o bem vendável até que fosse possível vendê-lo a um ou dispersá-lo por vários compradores em lugares e tempos distintos. A economia tornou-se mercantil e passou a preocupar-se com todos os aspectos que têm a ver com a produção e comercialização dos bens vendáveis.
O Estado criou um novo bem, a moeda, que fornece às pessoas, como subsídio ou como pagamento de serviços que lhe são prestados, para que elas o possam utilizar como crédito imediato no acto de uma transacção sem estar à espera de que outra transacção compensatória se realize. A moeda pode vir a ser usada só no futuro ou então emprestada para ser utilizada por outros enquanto o próprio não necessita dela. A moeda substituiu qualquer outro bem que pudesse ter um valor universal como o ouro ou o sal.
O produtor utiliza aquela moeda emprestada para ir pagando os bens e o trabalho que incorpora nos bens que produz e pretende vir a vender. O distribuidor procurará noutra origem moeda emprestada para comprar bens ao produtor ou a outro distribuidor mais forte para ir satisfazendo o interesse de consumidores mais ou menos apressados. O caminho seguido levou do financiamento da produção ao da distribuição e chegou recentemente ao domínio do consumo.
Por mais oleado que estivesse esta máquina comercial, ela está cheia de ineficiência, atritos, desvios, pelo que a insatisfação social se faz sentir pelos motivos mais variados e movendo as suas culpas para direcções distintas. Os marxistas pensaram que se o Estado se colocasse no início do ciclo económico dos bens e não perdesse os fios à meada, eles depressa chegariam em estado puro a solicitação livre dos consumidores.
O Estado marxista financiaria todos os processos e o consumo seria assegurado por si próprio ou pelos meios colocados à disposição dos trabalhadores em troca da sua colaboração no funcionamento da máquina estatal. Só que controlando o Estado todo o ciclo económico, substituindo-se a todos os seus agentes e actores, também assume o papel do mercado e em última instância definiria a vontades dos consumidores.
O Estado tem muitas outras funções a desempenhar e neste aspecto limita-se à satisfação de um perfil médio do consumidor que lhe permite libertar financiamento e trabalho com outros objectivos. Num Estado marxista o papel da moeda está perfeitamente definido não conferindo a sua posse qualquer função de interferência na estrutura económica. Por não poder ser livremente utilizada, nem é a posse de moeda que permite dar um sinal de satisfação dos consumidores.
O facto de não haver intermediação independente na troca de bens não retira o papel referencial, indicativo da moeda. O importante em qualquer economia é a capacidade de produção e a capacidade de, com um consumo mínimo satisfazer as exigências qualitativas e quantitativas do consumo. Mas para saber da eficiência da economia fará sempre falta determinar o valor monetário destas de modo a incorporar todos os seus custos directos e indirectos.
Por outro lado numa economia liberal os consumidores são determinados nas suas opções por aquele valor, e não havendo um perfil uniforme de consumidor, não sendo possível obter um nível médio de necessidades a satisfazer, o mais importante é conhecer as tendências que se hão-de aplicar na produção. Embora se incentivem todo o tipo de consumos, o distribuidor e o produtor logo correm a tentar saber se é possível satisfazer todas as necessidades que nascem em catadupa a valor próximo do que o consumidor lhes dá.
Como referência no liberalismo económico costuma ser tomado o consumo das classes mais poderosas, não só pelo que representam mas também porque todos as ambicionam atingir. A ambição suprema de todas as classes é a antecipação do futuro, a possibilidade de consumir agora aquilo que só mais tarde se terá obrigação de pagar, sendo que este compromisso é universalmente aceite. O liberalismo económico cultiva a insatisfação permanente dos consumidores.
No liberalismo é entregue à iniciativa privada todo o financiamento da produção ao consumo dependendo da perspectiva de lucro o sentido do seu encaminhamento. A parte do processo económico mais perto das pessoas pelo seu lado mais volátil é o consumo pelo que este constitui para o financiamento a parte mais apetecível, mais lucrativa, com maior capacidade de crescimento. Mas também a que comporta maior risco pela falta de garantia real dos empréstimos concedidos ou pelo menos pela sua depreciação mais ou menos rápida.
Os Estados marxistas falharam quando se acentuou o desfasamento entre a produção e o consumo. As crises nos Estados de economia de mercado derivaram sempre dum excesso de produção desfasada das necessidades e capacidades do consumo, então viradas noutra direcção. O capitalismo como o conhecemos hoje, de financiamento ao consumo, poderia acentuar as crises se reforçasse aquela discrepância ignorando as tendências.
Mas acontece o contrário. Nunca como hoje o consumo determinou a produção e isto assegura que não haverá a velha crise. O problema de hoje assenta na intermediação, na sua desregulamentação, nos seus desvios. A excessiva acumulação de capital determinou o congestionamento dos capitalistas e a asfixia dos consumidores. A natureza desta crise é financeira mas tem por base uma grave distorção da economia.

Sem comentários: