“Andamos por aí” há anos, talvez há décadas a falar de crise. A voz “popular” falava em crise porque entendia que as suas necessidades e eventualmente muitos dos seus caprichos não estavam satisfeitos. Mas eis senão quanto uma crise verdadeira, daquelas que nos tira a voz, nos bate à porta.
Ela aí está, corrosiva tanto quanto uma crise que se preze deve ser. Uma autêntica crise tira-nos algo daquilo que já foi nosso e não nos tira aquilo que afinal nunca tivemos. Uma mudança que nos faz diminuir as expectativas não é uma crise mas tão só um reajuste provocado pelo cair de algumas ilusões.
Há séculos uma crise ficava-se pela fome e pela miséria, que isso de expectativas era para pitonisas, corroía-nos a carne e até nos levava os ossos. Uma peste, uma chacina, faziam a limpeza do excesso demográfico para o grau civilizacional da altura e tudo se reajustava durante mais um tempo em que haveria um sábio equilíbrio entre o trabalho e o ócio. Os poderosos continuavam poderosos, ninguém lhes tirava a riqueza a não ser que:
Houvesse uma invasão, uma revolução em que de qualquer forma os papeis se invertessem e aqueles que vinham de pé descalço rapidamente encontravam calçado para o seu pé. Os que já não tinham lugar como poderosos, mas também não serviam como trabalhadores, eram chacinados e pronto…por uns anos havia uma acalmia social. Se havia moeda escriturada era ignorada. A má moeda era eliminada.
A crise de hoje é bem outra até porque a estas soluções já não recorreríamos. Neste caso a mudança de mãos da riqueza já é anterior à crise e afinal esta vai atingir aqueles que julgavam ser ricos e ficaram com um saco de “papéis” sem valor. Hoje o que está em causa é a perca de valor do que se tem e não mais a perca do que se tem. Como tal é uma verdadeira crise corrosiva quanto baste. Já não só crise nas expectativas, mas a que se pode repercutir de imediato nos bolsos e na moeda que se não irá escriturar a nosso favor.
O dinheiro vai continuar a valer dinheiro porque é necessário que alguma coisa se mantenha no seu valor para que as outras coisas o ganhem ou percam. Bens de subsistência também vão continuar a haver porque não é isso que está em causa. A fome já não é aqui motivo de crise. A crise já não nos corrói a carne, mas decerto vai corroer a prosápia de muitos.
O mercado não estava cheio de má moeda, mas de balões cheios de ar tóxico, de bens fraudulentos, de falso valor. O sistema bancário e afins promoveram o conto do vigário na sua forma mais modernaça. Pacotes de lindo invólucro e fita a condizer eram vendidos como se contivessem ouro do puro e prata da melhor qualidade. Tudo feito de modo a iludir o mais cauto.
O sistema bancário, promotor ou intermediário, captou muito dinheiro dessa forma e perguntar-se-á qual o paradeiro de tanto dinheiro assim obtido. Na realidade ele está seguro, o problema é de quem ficou com o embrulho nos braços. Isto é, de quem tenha emprestado na boa fé de correr um risco acrescido de modo a obter uma rentabilidade maior.
Boa fé ou ganância há aí uma pequena margem para distinguir comportamentos de pessoas e instituições. Mas talvez possamos colocar os intermediários financeiros como os únicos e exclusivos responsáveis desta situação de crise. Tudo fizeram para aumentar o seu negócio, incentivaram o consumo a níveis incomportáveis de hipoteca do futuro. Ao esticar o crédito concedido e o débito criado retiraram qualquer flexibilidade ao sistema necessária para aguentar os inevitáveis abalos.
Se pelo dinheiro, mesmo que só escriturado, alguém pode responder, o Estado, já os títulos representativos que a finança criou e que assentavam tão só na sua credibilidade, não têm qualquer valor se a empresa falir. No entanto há que distinguir entre os títulos primários, como acções, representantes directos do capital de uma empresa cujo valor é o do seu lugar na economia real e os títulos compostos que a banca elaborou com base em carteiras de outros títulos cujas raízes por vezes se desconhecem.
Normalmente a Banca só terá problemas se garantir a estes títulos compostos um valor que depois não consiga obter e devia creditar aos seus clientes. Já as acções que as pessoas possuem depositadas nos bancos não correm qualquer perigo. Temporariamente porém todos os que acreditaram na pujança da economia estão mais pobres. No entanto alguém lucrou com isso e todo esse dinheiro surgirá em tempo à luz do dia para fazer a riqueza dos crápulas.
Todos deveríamos desconfiar daqueles que nos pedem dinheiro para financiar empréstimos. Mas esse é o trabalho da Banca e é uma função necessária para a economia. No entanto a Banca tem que ser mais desconfiada do que nós próprios. Têm de emprestar somente a quem dá garantias de poder vir a pagar. Ora a Banca tem-se metido nos últimos anos no crédito ao consumo e não é nesta qualidade que as pessoas podem vir a obter receita suficiente para suportar as obrigações que a contracção de uma dívida implica.
A sociedade é capaz de pagar a ineficiência do sistema, de levar aos seus custos a implosão dos produtos tóxicos que proliferam no mercado sem valor definido. É um favor aos banqueiros prestado pelos políticos que não têm outra saída. Mas este facto não os deve impedir de aplicar alterações drásticas na operação bancária, algo que só funciona se houver confiança.
Para nos defendermos teremos que defender aqueles que nos causaram problemas. Estamos todos irremediavelmente solidários pelo menos até ao dia em que os banqueiros possam cantar outra vez de galo, se é que eles alguma vez vão suster a sua ganância. Afinal toda a gente fala dela, esta malvada, mas não estará ela alojada onde menos se espera?
Ela aí está, corrosiva tanto quanto uma crise que se preze deve ser. Uma autêntica crise tira-nos algo daquilo que já foi nosso e não nos tira aquilo que afinal nunca tivemos. Uma mudança que nos faz diminuir as expectativas não é uma crise mas tão só um reajuste provocado pelo cair de algumas ilusões.
Há séculos uma crise ficava-se pela fome e pela miséria, que isso de expectativas era para pitonisas, corroía-nos a carne e até nos levava os ossos. Uma peste, uma chacina, faziam a limpeza do excesso demográfico para o grau civilizacional da altura e tudo se reajustava durante mais um tempo em que haveria um sábio equilíbrio entre o trabalho e o ócio. Os poderosos continuavam poderosos, ninguém lhes tirava a riqueza a não ser que:
Houvesse uma invasão, uma revolução em que de qualquer forma os papeis se invertessem e aqueles que vinham de pé descalço rapidamente encontravam calçado para o seu pé. Os que já não tinham lugar como poderosos, mas também não serviam como trabalhadores, eram chacinados e pronto…por uns anos havia uma acalmia social. Se havia moeda escriturada era ignorada. A má moeda era eliminada.
A crise de hoje é bem outra até porque a estas soluções já não recorreríamos. Neste caso a mudança de mãos da riqueza já é anterior à crise e afinal esta vai atingir aqueles que julgavam ser ricos e ficaram com um saco de “papéis” sem valor. Hoje o que está em causa é a perca de valor do que se tem e não mais a perca do que se tem. Como tal é uma verdadeira crise corrosiva quanto baste. Já não só crise nas expectativas, mas a que se pode repercutir de imediato nos bolsos e na moeda que se não irá escriturar a nosso favor.
O dinheiro vai continuar a valer dinheiro porque é necessário que alguma coisa se mantenha no seu valor para que as outras coisas o ganhem ou percam. Bens de subsistência também vão continuar a haver porque não é isso que está em causa. A fome já não é aqui motivo de crise. A crise já não nos corrói a carne, mas decerto vai corroer a prosápia de muitos.
O mercado não estava cheio de má moeda, mas de balões cheios de ar tóxico, de bens fraudulentos, de falso valor. O sistema bancário e afins promoveram o conto do vigário na sua forma mais modernaça. Pacotes de lindo invólucro e fita a condizer eram vendidos como se contivessem ouro do puro e prata da melhor qualidade. Tudo feito de modo a iludir o mais cauto.
O sistema bancário, promotor ou intermediário, captou muito dinheiro dessa forma e perguntar-se-á qual o paradeiro de tanto dinheiro assim obtido. Na realidade ele está seguro, o problema é de quem ficou com o embrulho nos braços. Isto é, de quem tenha emprestado na boa fé de correr um risco acrescido de modo a obter uma rentabilidade maior.
Boa fé ou ganância há aí uma pequena margem para distinguir comportamentos de pessoas e instituições. Mas talvez possamos colocar os intermediários financeiros como os únicos e exclusivos responsáveis desta situação de crise. Tudo fizeram para aumentar o seu negócio, incentivaram o consumo a níveis incomportáveis de hipoteca do futuro. Ao esticar o crédito concedido e o débito criado retiraram qualquer flexibilidade ao sistema necessária para aguentar os inevitáveis abalos.
Se pelo dinheiro, mesmo que só escriturado, alguém pode responder, o Estado, já os títulos representativos que a finança criou e que assentavam tão só na sua credibilidade, não têm qualquer valor se a empresa falir. No entanto há que distinguir entre os títulos primários, como acções, representantes directos do capital de uma empresa cujo valor é o do seu lugar na economia real e os títulos compostos que a banca elaborou com base em carteiras de outros títulos cujas raízes por vezes se desconhecem.
Normalmente a Banca só terá problemas se garantir a estes títulos compostos um valor que depois não consiga obter e devia creditar aos seus clientes. Já as acções que as pessoas possuem depositadas nos bancos não correm qualquer perigo. Temporariamente porém todos os que acreditaram na pujança da economia estão mais pobres. No entanto alguém lucrou com isso e todo esse dinheiro surgirá em tempo à luz do dia para fazer a riqueza dos crápulas.
Todos deveríamos desconfiar daqueles que nos pedem dinheiro para financiar empréstimos. Mas esse é o trabalho da Banca e é uma função necessária para a economia. No entanto a Banca tem que ser mais desconfiada do que nós próprios. Têm de emprestar somente a quem dá garantias de poder vir a pagar. Ora a Banca tem-se metido nos últimos anos no crédito ao consumo e não é nesta qualidade que as pessoas podem vir a obter receita suficiente para suportar as obrigações que a contracção de uma dívida implica.
A sociedade é capaz de pagar a ineficiência do sistema, de levar aos seus custos a implosão dos produtos tóxicos que proliferam no mercado sem valor definido. É um favor aos banqueiros prestado pelos políticos que não têm outra saída. Mas este facto não os deve impedir de aplicar alterações drásticas na operação bancária, algo que só funciona se houver confiança.
Para nos defendermos teremos que defender aqueles que nos causaram problemas. Estamos todos irremediavelmente solidários pelo menos até ao dia em que os banqueiros possam cantar outra vez de galo, se é que eles alguma vez vão suster a sua ganância. Afinal toda a gente fala dela, esta malvada, mas não estará ela alojada onde menos se espera?
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